O presidente estadunidense Donald Trump retirou o aço, principal item das exportações cearenses para os Estados Unidos, da lista de produtos sujeitos a tarifas. No entanto, manteve as taxas sobre o setor de calçados e o agronegócio brasileiro. Com isso, o tarifaço mantém os impactos negativos diretos na economia do Ceará.
Apenas com as exportações de produtos como cera de carnaúba, frutas e pescados, estima-se que o Estado poderá deixar de comercializar cerca de R$ 1,6 bilhão com o mercado norte-americano. A previsão é do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), Amílcar Silveira.
Nessa quarta-feira (30), Trump assinou o decreto que impõe uma alíquota adicional para as exportações brasileiras, chegando a 50%, mas 694 produtos foram isentos. Isso inclui aço e alumínio, principais itens vendidos pelo Ceará para os EUA.
Em compensação, calçados e a maioria dos agronegócios cearenses foram sobretaxados.
O que muda agora para o Ceará?
De modo geral, produtos siderúrgicos corresponderam a 50% das exportações cearenses no primeiro semestre deste ano. Por isso, havia preocupação com a possibilidade de taxação desse setor. Como ele ficou de fora, o impacto negativo para o Ceará tende a ser menor.
O ferro e aço escaparam do tarifaço porque já está em vigor uma sobretaxa de 50% sobre esses produtos desde o início do ano. Para o economista e professor João Mário de França, da Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), isso é um dos 'poucos' pontos positivos da sobretaxação.
"Essa mudança foi muito benéfica para a economia cearense, já que de janeiro a junho de 2025 do valor total exportado para os EUA, os produtos de ferro ou aço representavam mais da metade desse total. Isso representa um alívio para a indústria siderúrgica que já buscava formas alternativas de escapar de possíveis prejuízos de contratos já em andamento que com essa sobretaxa poderiam ser cancelados", considera o especialista.
O que não muda para o Ceará?
Já o agronegócio foi responsável por quase 30% das exportações cearenses, conforme dados da plataforma ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Portanto, deverá ser diretamente impactado, conforme João Mário de França. Como a empregabilidade do setor é variável e depende das diversas safras, a realocação de trabalhadores vai depender dos mercados.
"Isso varia muito e inclusive mesmo dentro de um mesmo setor. Em casos que esse grau de exposição é alto e existe pouca flexibilidade de realocar sua produção para outros mercados, uma das consequências mais diretas será a redução da produção e e em seguida de postos de trabalho", define.
A mesma preocupação atinge a produção calçadista cearense, que emprega 69 mil trabalhadores e representa 25% da produção brasileira, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
O segmento é o segundo que mais exporta pelo Estado, atrás somente dos derivados do ferro e do aço. Cerca de 10% das exportações cearenses em 2025 foram de calçados, conforme informações da ComexStat, ultrapassando US$ 104,2 milhões (R$ 581 milhões na conversão atual).
Esse setor, no entanto, deve ter um encolhimento brusco na quantidade de pessoas empregadas, conforme a entidade. Nacionalmente, Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados, acredita que os desafios enfrentados devem levar a redução de empregos e, consequentemente, menor produção.
A reportagem entrou em contato com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), com o MDIC e com a Secretaria da Casa Civil do Estado do Ceará para entender quais medidas serão adotadas após a oficialização do tarifaço, mas não obteve retorno até o fechamento deste material.
Quais setores do agro cearense serão mais afetados?
Fruticultura irrigada, pesca e indústria calçadista, na análise do economista Alex Araújo, serão os mais atingidos pelas demissões de trabalhadores, principalmente porque são as principais exportados para os EUA. Vale lembrar que cidades do interior do Ceará têm polos de várias dessas empresas.
"É provável que o tarifaço resulte em medidas como férias coletivas e, em alguns casos, demissões nos setores mais afetados no Ceará. Embora não se espere uma demissão em massa generalizada em toda a economia do Estado, os impactos serão sentidos de forma concentrada em cadeias produtivas altamente expostas ao mercado norte-americano", classifica.
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Legenda: Fruticultura irrigada compõe uma das principais pautas do agronegócio cearense Foto: Natinho Rodrigues/Diário do Nordeste |
"Na fruticultura, especialmente nas regiões do Vale do Jaguaribe e da Chapada do Apodi, a imposição de tarifas de até 50% sobre frutas exportadas aos EUA pode inviabilizar contratos já firmados ou em negociação, levando empresas a reduzir a produção, cancelar safras previstas ou interromper temporariamente operações de colheita e processamento", acrescenta o especialista.
Com os impactos já constatados nos primeiros meses sem a reversão das tarifas, Alex Araújo diz que, no médio prazo, tudo vai depender da "duração das tarifas e da resposta institucional do Brasil", e que as empresas podem optar por migrar seus investimentos para outros países da América Latina.
"Caso haja êxito diplomático na reversão parcial das medidas ou na criação de cotas específicas, os setores poderão retomar sua trajetória de crescimento com relativa rapidez. Porém, se as tarifas se mantiverem por um período prolongado, sem contrapartidas internas, há risco real de desmobilização de investimentos e perda de posição no mercado global", diz.
"Nesse caso, as empresas podem optar por migrar parte de suas operações para países concorrentes, como México, Colômbia ou Peru, mais bem posicionados em acordos comerciais com os EUA", alerta o economista.
Exportações dos principais produtos vão despencar, afirma presidente da Faec
Poucos produtos do agronegócio entraram na lista de isentos do tarifaço, como o suco de laranja e as castanhas brasileiras. A maioria será impactada pela sobretaxação e, no Ceará, isso inclui principalmente a cera de carnaúba, os pescados e as frutas.
Dados da ComexStat apontam que os três segmentos do agronegócio foram responsáveis por 15,57% das exportações cearenses entre janeiro e junho deste ano, ou seja, mais da metade das exportações do setor em 2025. Nas frutas, entram também a água de coco, que já enfrenta desafios em virtude da tarifação.
Segundo Amílcar Silveira, as três cadeias produtivas movimentam, somente com as exportações, aproximadamente US$ 300 milhões; com a sobretaxação, esses valores deverão ser perdidos.
Pescados, cera de carnaúba e frutas representam valores semelhantes, cerca de US$ 100 milhões cada um. Ou seja, esses US$ 300 milhões devem fazer falta para o agronegócio cearense. Neste ano, nossas exportações do agronegócio já cresceram 25%. Vamos perder metade do ano com alguns prejuízos. No ano passado, 32% das nossas exportações foram para os Estados Unidos; neste ano, esse percentual estava aumentando".
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Foto: Helene Santos/Diário do Nordeste |
Amílcar fez críticas ao tarifaço e classificou como 'intempestiva' a decisão de Trump de sobretaxar os produtos brasileiros. Segundo ele, as isenções anunciadas, que chegam a quase 700 itens, indicam que os Estados Unidos poderiam enfrentar prejuízos bilionários com a sanção.
"Particularmente, quero acreditar que, nos próximos dias, a gente deva negociar. A cada 10 litros de suco de laranja consumidos nos EUA, oito são do Brasil. Existem empresas nos Estados Unidos que serão prejudicadas; não é só no Brasil. O meu otimismo indica que a negociação pode acontecer", pontua.
Ressarcimento bilionário deve ser solicitado pelo agronegócio
Um dos instrumentos solicitados pelo agronegócio cearense foi a devolução dos créditos tributários referentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isso consta na Lei Kandir, de 1996, que buscava estimular as exportações cearenses.
O presidente da Faec declarou que o pedido foi feito para o Governo Federal enquanto os produtores rurais se reorganizam para mandar as exportações para outros países: "não são mercados que se reconstroem do dia para a noite", assinala Amílcar.
"O Estado tem que devolver e é uma forma de compensar os produtores rurais. Além disso, a gente fazia previsibilidade às próximas empresas que vamos contactar para produzir e exportar aqui no Ceará. É um ponto básico para a gente aumentar nossas exportações e dar sobrevida a algumas empresas que vão perder por deixar de exportar para os EUA. O Estados Unidos tem um mercado exigente, mas que remunera bem. Não é simplesmente qualquer mercado", completa.
Exportação da cera de carnaúba já está comprometida, afirma setor
O Nordeste brasileiro, especificamente Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, é a única região no mundo onde se produzem derivados da carnaúba, planta encontrada apenas na caatinga. No caso do território cearense, 25% da cera extraída da planta vai para os Estados Unidos, mas as mercadorias ou tiveram a compra suspensa ou foram canceladas.
As afirmações foram feitas por Edgar Gadelha, presidente do Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba do Ceará (SindCarnaúba), que lamenta o tarifaço.
"Já tivemos alguns contêineres cancelados e muitos postergados, ou seja, o próprio importador suspendeu as compras. No nosso setor, a cultura da carnaúba só existe no Brasil, e existem outras ceras naturais e sintéticas que podem substituí-la. Quando se aplica uma tarifa de 50%, temos que ficar atentos", registra.
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Foto: Helene Santos/Diário do Nordeste |
Edgar Gadelha diz que não é possível precisar quantos empregos serão perdidos. Em 2024, na safra de carnaúba, 90 mil pessoas, direta e indiretamente, trabalharam na colheita da planta.
Além disso, como a cera vegetal ficou de fora das isenções, Edgar Gadelha projeta que “os próprios importadores dos EUA irão fazer lobby junto ao governo”, como uma tentativa de tirar a carnaúba da sobretaxação.
Exportar para outro país "não é simples", diz o setor de rochas ornamentais
O presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado do Ceará (Simagran), Carlos Rubens, afirma que o mercado cearense será indiretamente impactado pelo tarifaço nas chamadas rochas ornamentais, que fornecem matéria-prima para ser beneficiada principalmente no Espírito Santo.
O estado do Sudeste brasileiro é o principal exportador de rochas, como mármores e quartzitos, mas Carlos Rubens afirma que o Ceará envia para o local os minerais em formato bruto. De acordo com ele, o desafio vai ser encontrar mercado para os minérios cearenses.
"No primeiro semestre, o Espírito Santo exportou US$ 270 milhões. Disso, cerca de US$ 150 milhões são de rochas enviadas do Ceará. Eles industrializaram, agregaram valor e exportaram. Ou seja, a nossa matéria-prima é muito importante nas exportações do Espírito Santo. (…) No primeiro semestre, o Ceará todo exportou US$ 40 milhões. Desse total, 26% foi para os EUA. Ou seja, o Estados Unidos não é o nosso grande cliente, mas é 26%".
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Foto: Weverson Rocio/Setur ES |
"Se tenho minhas exportações prejudicadas, onde é que vou colocar essas rochas? Tem que tentar colocar no outro mercado, mas não é simples. Porque sem crise, o outro mercado já existe. Não consigo vender porque a coisa não é simples assim. Exemplo: se não vendo nos EUA, vendo para a Bélgica. Em condição normal, não vendo para a Bélgica é porque eu não tenho cliente", expõe.