'Não tá usando fio dental?': empresário acusado de assediar funcionárias agora é réu na Justiça do CE

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Foto: Emanoela Campelo de Melo
 




A Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) tornando réu o empresário Francisco Lopes Pinheiro Filho, 56, pelos crimes de constrangimento ilegal, violência psicológica contra a mulher, importunação sexual, assédio sexual, coação no curso do processo e fraude processual.

Conforme documentos obtidos pela reportagem, o MP coloca seis mulheres, todas funcionárias de uma empresa de panificação administrada pelo acusado em Fortaleza, como vítimas de Lopes. A Polícia Civil chegou a pedir a prisão do empresário, mas o promotor acreditou não ser necessário, tendo o juiz decidido apenas por medidas cautelares como proibição de acesso ou frequência ao escritório onde os crimes sexuais aconteciam, proibição de manter contato com as vítimas e testemunhas e proibição de se ausentar de Fortaleza no decorrer do processo.

As vítimas contaram em entrevista ao Diário do Nordeste que o denunciado se aproveitava do cargo de gestão para abusar delas e comentava diariamente sobre seus corpos: "falava do tamanho da calcinha, se encostava para 'se esfregar'" e chegava a perguntar: "não tá usando fio dental hoje?" (sic).

No inquérito da Polícia Civil do Ceará, o empresário foi indiciado por estupro. No entanto, ele não foi denunciado por este crime.

A defesa do acusado disse que “irá acompanhar os passos iniciais dados pelo Poder Judiciário do Estado do Ceará, prestando todos os esclarecimentos necessários em oportuno tempo, respeitando o devido processo penal, as garantias constitucionais e, sobretudo, o sigilo desta natureza de processo” e que desconhece imposições de medidas em desfavor dele.

DANOS MORAIS E PSICOLÓGICOS

De acordo ainda com documentos que o Diário do Nordeste obteve, o MP pede que a Justiça fixe valor mínimo para a reparação dos danos morais e psicológicos causados pelo acusado e disse que deixa de oferecer proposta de Acordo de Não Persecução Penal "uma vez que os fatos apurados configuram crime praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino".

A denúncia foi recebida na 7ª Vara Criminal "em todos os seus termos"

A Polícia havia representado pela prisão preventiva do investigado com fundamento na garantia da ordem pública e para resguardar a conveniência da instrução criminal. No entanto, o magistrado disse que não ficou demonstrado o requisito da custódia preventiva do agente.

"Não há indicação de que o acusado esteja em endereço ignorado ou não tenha respondido a notificação para comparecimento, o que denotaria que a sua liberdade coloca em risco a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, devendo ser observado que foi oferecida a denúncia, o que demonstra o exaurimento das diligências de investigação. Destaco, ainda, que, não obstante a gravidade concreta das condutas narradas, não há indicação de que a vítima ainda esteja sofrendo as violências relatadas, tampouco sob risco iminente de nova ação do agente", diz trecho da decisão do Juízo da 7ª Vara Criminal.

As medidas cautelares aplicadas até o momento têm validade de seis meses.

Procuradas pela reportagem, as advogadas Yohanna Pontes Mendes Feitosa e Anya Lima Penha de Brito, que representam a assistência de acusação dizem que "com o recebimento da denúncia-crime ofertada pelo Ministério Público Estadual, resta iniciada a ação penal contra o réu, que passa a responder judicialmente por seis delitos".

A denúncia do Ministério Público confirma as conclusões da Delegacia de Defesa da Mulher, de que o acusado se valeu de sua posição de poder para praticar delitos de violência de gênero no ambiente de trabalho, contra suas ex-funcionárias. O Ministério Público ainda não se pronunciou sobre os indiciamentos do relatório policial, relacionados aos crimes de estupro praticados. Entretanto, o escritório continuará atuando com determinação na defesa dos direitos das vítimas, exigindo a responsabilização criminal do réu e a responsabilização trabalhista da empresa, no compromisso de buscar a reparação das ofendidas, para que a dor de cada uma delas seja reconhecida e transformada em justiça. Prestadas essas informações, as advogadas se colocam à disposição da imprensa, para quaisquer esclarecimentos que ainda se façam necessários, reafirmando a confiança na proficiência da Justiça para a correta condução dos processos judiciais.

HUMILHAÇÕES PÚBLICAS E INTIMIDAÇÕES VELADAS 

Em documentos que a reportagem teve acesso, a delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza explicou que "restou evidenciado ao longo das investigações que diversas testemunhas ouvidas também foram vítimas diretas dos crimes ora apurados, tendo detalhado condutas libidinosas, abusivas e humilhantes praticadas pelo investigado, as quais resultaram em danos emocionais, constrangimentos e, em alguns casos, afastamentos médicos, o que reforça a gravidade e reiteração das práticas atribuídas ao autor". 

O caso chegou ao conhecimento da PCCE em abril de 2025, com a primeira denúncia formal por meio de um Boletim de Ocorrência. Na época, as mulheres afirmaram que imagens das câmeras de segurança dos escritórios do estabelecimento podem comprovar os assédios, mas elas temiam que as imagens já estivessem destruídas pelo suspeito. 

No dia 24 de abril de 2025, a Polícia pediu o acesso às imagens e recebeu como resposta que elas não foram gravadas devido a problemas no HDs. Os investigadores consideraram que há indícios concretos de tentativa de eliminação dessas imagens por parte do investigado, já que restou comprovado que o controle de todas as câmeras é feito exclusivamente da sala do indiciado: "forte indício de que houve supressão deliberada de provas, com o propósito de dificultar a apuração da verdade e obstruir a investigação criminal". 

A Polícia detalhou ainda durante a conclusão do inquérito que Francisco Lopes tentou coagir testemunhas no curso da investigação policial para favorecer a versão do investigado "e dificultar a apuração da verdade" se utilizando da "posição hierárquica e da vulnerabilidade emocional e financeira das funcionárias para constrangê-las e submetê-las a situações humilhantes e libidinosas" 

O investigado pediu que fossem ouvidas testemunhas, mas ao contrário do que ele esperava, as mulheres confirmavam "os padrões de comportamento abusivo atribuídos a Francisco Lopes Pinheiro Filho".

FESTINHAS

Segundo os depoimentos, às sextas, no fim do expediente, segundo as mulheres, era comum Lopes promover 'festinhas' regadas a bebidas alcoólicas. Primeiro, as funcionárias eram colocadas só entre elas, em um espaço reservado e de forma velada 'obrigadas' a beber para 'se soltarem'. 

A Polícia concluiu ainda que, quando, pelas câmeras, o indiciado via e ouvia as conversas delas, ia até a sala para manipular, de acordo com as vítimas: "as festas nas sextas era tudo muito velado. Se a gente não bebia, ele tratava a gente mal na segunda-feira, deixava em reunião até mais tarde, perdia cliente, humilhava", disse uma das testemunhas. 

A delegada afirmou ainda no relatório sobre a investigação que "a conduta do investigado revelou um padrão reiterado de ações com o fim de satisfazer sua própria lascívia, mediante contatos físicos ou verbais indesejados, dirigidos a diversas funcionárias, sem qualquer consentimento das vítimas" dentro de um contexto de "assédio, manipulação emocional, coação e abuso de poder sistemático". 

Lopes negou todas as acusações que tinha qualquer tipo de contato físico com as funcionárias e que usava palavras de baixo calão ou que exigia fotos ou vídeos íntimos como condição para contratação na empresa, "sobre as festas realizadas na empresa, declarou que tinham como objetivo comemorar o alcance de metas e que ninguém era obrigado a consumir bebidas alcoólicas".




(Diário do Nordeste)

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