A pouco mais de uma semana para o início da cobrança de 50% de tarifa sobre os produtos brasileiros que entrarem nos Estados Unidos, a preocupação cresce entre os setores econômicos, principalmente em relação ao mercado de trabalho. Segundo representantes setoriais, pelo menos 125,5 mil trabalhadores atuam nos três segmentos mais impactados do Ceará.
A avaliação é de que, caso esse tarifaço seja mantido, as exportações cearenses sofrerão queda, podendo levar à suspensão temporária de contratos e demissões. O setor com maior valor para os EUA é o da siderurgia, cujos envios superaram R$ 1,3 bilhão no primeiro semestre de 2025. A produção ocorre, principalmente, no Complexo do Pecém.
Esse e outros ramos do complexo metalmecânico abrangem 25 mil empregos diretos no Ceará, segundo o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico no Estado (Simec-CE).
“O impacto da redução dos empregos, com a retração dos negócios, pode atingir 10% das vagas a curto prazo [cerca de 2 mil empregos]”, afirma Cesar Barros, presidente da entidade.
Cesar afirma que o setor deve buscar mercado alternativos para exportar aço, alumínio e outros produtos manufaturados, como o de países asiáticos. “É um alerta. Precisamos fortalecer nossa indústria internamente, buscar novos mercados, e trabalhar junto ao governo por respostas diplomáticas e estruturais”, afirma.
O temor também atinge a produção calçadista cearense, que emprega 69 mil trabalhadores e representa 30% da produção brasileira. De janeiro a maio, as fábricas calçadistas cresceram seu quadro de empregos em 6%, na comparação com ano passado.
O Ceará é o segundo maior exportador de calçados brasileiro, atrás apenas do Rio Grande do Sul, destaca a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
No primeiro semestre de 2025, foram enviados R$ 100 milhões em pares aos Estados Unidos, o principal destino dos calçados cearenses. A Abicalçados destaca que a taxação de 50% deve interromper a alta nas exportações.
Nesse contexto, na última segunda-feira (14), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estimou que o Brasil deverá perder pelo menos 110 mil postos de trabalho devido ao impacto da medida.
Setor de pescados teme pelos empregos diretos e indiretos no Ceará
Outro setor que levanta preocupação sobre o reflexo no mercado de trabalho é a indústria de peixes e de lagostas. As empresas afetadas estão em Fortaleza, Icapuí, Aracati, Acaraú e Camocim.
Os polos de pesca e beneficiamento do pescado empregam cerca de 20 mil pescadores, além de outros 11,5 mil empregos indiretos e de indústrias processadoras, aponta Carlos Eduardo Vilaça, do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindfrio).
“Esse número é estimado entre barcos autorizados para lagosta, peixes vermelhos e espécies como garoupa e sirigado, que são preferencialmente comercializados para o mercado norte-americano”, afirma.
A base da cadeia é formada sobretudo de pescadores artesanais, que podem ter a subsistência prejudicada, já que recebem por produção.
Carlos Vilaça aponta que os importadores devem impor um limite no preço da mercadoria comprada, o que deve inviabilizar a criação de algumas espécies.
“Quase todas as cadeias trabalham com margens de lucro inferiores a 15%. Portanto, não há espaço para eventual acomodação de uma sobretaxa de 50%. O preço possível de pagarmos não será suficiente para viabilizar a produção”, afirma.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a Federação das Indústrias do Estado (Fiec) para comentar sobre os empregos ameaçados e solicitar o número de trabalhadores afetados pela entidade, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Quanto à solicitação de uma fonte para comentar a situação, a Fiec informou apenas que "ainda está analisando os impactos para a nossa indústria". O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Empresas devem suspender contratos de trabalho, avalia economista
Os impactos das tarifas devem ser sentidos pelas empresas já nos primeiros dias de agosto, com a interrupção ou cancelamento de contratos. A partir de uma menor necessidade de produção, as empresas podem readequar seu quadro de trabalhadores.
Como o setor calçadista é o que mais emprega, entre as pautas exportadores do Estado, pode ter o maior efeito no seu mercado de trabalho, segundo Eldair Melo mestre em Economia e integrante do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE).
“Pode haver reduções nos turnos de trabalho, assim como 'layoffs' preventivos, uma suspensão de contratos de trabalho. Para evitar retração do mercado, devem optar por reduzir as jornadas, com compensação salarial”, aponta.
O especialista estima que as produções cearenses podem sofrer redução de em média 10%. Uma das saídas para os setores se manterem sustentáveis é encontrar novos mercados consumidores, seja no mercado interno ou em outros países.
Algumas empresas podem precisar de crédito e apoio governamental para contrabalancear as baixas financeiras e superar o momento de deficit, segundo Eldair.
O Governo Federal está trabalhando em planos de contingência para apoiar os setores mais prejudicados pelo imposto de 50% que será aplicado aos produtos brasileiros para a entrada nos Estados Unidos. O Brasil não teve retorno da gestão norte-americana e as negociações seguem sem avanço.
Agronegócio cearense também será impactado
O setor agropecuário também corre contra o tempo devido às produções perecíveis. Entre os produtos mais enviados aos EUA, estão coco, melão e cera de carnaúba, com base no norte cearense, destaca Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec).
“Cerca de 36% das nossas exportações são para os Estados Unidos. Não são empregos de carteira assinada, é uma cadeia produtiva de produtores de coco, pequenos pescadores, trabalhadores que extraem cera de carnaúba que serão impactados”, afirma.
Amílcar destaca o caso da cera de carnaúba, cuja extração é concentrada no segundo semestre. O Ceará é o principal exportador do produto, com oito das dez cidades que mais produzem a cera.
Sem um mercado importador à altura dos EUA, as indústrias refinadoras podem reduzir a demanda dos pequenos produtores, inviabilizando seus ganhos. O presidente da Faec afirma que espera uma resolução da situação com o governo norte-americano e avalia que não existem outros mercados que consigam receber o que é enviado aos EUA.
“Não tem mercado suficiente para suprir isso, com essa rapidez. Exportação é um negócio construído, frutas são perecíveis. Não resolvemos ou fazemos uma transformação dessas do dia para a noite”, ressalta.
Governo do Ceará afirma que há pouco tempo para negociar novos mercados
A complexidade de negociar com novos mercados em um prazo curto é reiterada por Roseane Medeiros, secretária de Relações Internacionais do Governo do Ceará, principalmente em casos que a produção está pronta e ociosa.
“Abrir um novo mercado leva tempo, tem uma série de questões legais, ambientais, de barreiras. Você tem que pensar realmente em buscar novos compradores, mas isso não é uma coisa de curto prazo”, afirma.
Em um período de ajuste dos mercados compradores, as pequenas empresas e produtores tem maior dificuldade. A secretaria aponta que empresas globais, como ArcelorMittal Pecém, tem maior poder de negociação e mais recursos para sobrevivência dos negócios.
“Se for uma empresa estruturada, podem dar férias coletivas ou ações nesse sentido. Porque nenhuma empresa que forma mão de obra tem interesse em dispensar pessoal qualificado. A grande preocupação é com empresas pequenas, que normalmente tem dificuldades de financiamento”, comenta.
(Diário do Nordeste)