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Foto: Adriana Rodrigues / Ascom Uece |
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) revelou que o canabidiol (CBD) apresenta efeitos positivos, porém limitados, no tratamento dos sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A substância pode ajudar no controle do comportamento disruptivo, na redução da agitação e na ansiedade em crianças e adolescentes autistas, mas os resultados são baseados em metodologias frágeis e ainda contam com pouca evidência científica.
“Os estudos mostram que a cannabis serve para um número limitado de desfechos, especialmente para o comportamento disruptivo. A substância deve ser usada particularmente para casos específicos de crianças com autismo que não respondam a medicações convencionais”, explicou Aragão.
O uso do CBD foi considerado seguro para períodos curtos, geralmente entre seis meses e um ano, conforme as pesquisas analisadas. Os efeitos colaterais mais comuns incluem distúrbios do sono, irritabilidade e perda de apetite, caracterizados como leves.
Apesar dos avanços, o estudo ressalta a necessidade de ampliar e aprimorar as pesquisas, com maior rigor metodológico, amostras maiores e tempo maior de acompanhamento. “Precisamos de mais estudos para detectar outros efeitos que os estudos menores não encontraram”, destacou Aragão.
Efeitos positivos observados
O comportamento disruptivo, que engloba desobediência, agressividade, irritabilidade e dificuldade em seguir regras, foi o sintoma em que o canabidiol apresentou maior eficácia. A melhora nesse aspecto traz tranquilidade importante para os familiares e cuidadores. Outros efeitos positivos foram observados no comportamento social, agitação psicomotora e ansiedade.
No Ceará, cerca de 66 mil crianças e adolescentes possuem diagnóstico de autismo, conforme dados do Censo do IBGE de 2022. A busca por tratamentos rápidos muitas vezes leva famílias a decisões influenciadas por informações não científicas nas redes sociais.
“Sabemos que esses pais precisam de algo para hoje, para agora. Os estudos clínicos levam de 2 a 3 anos para serem realizados e os resultados demoram a ser publicados. Como eles vão esperar 3 anos se precisam de algo para ontem?”, comentou o professor.
Por isso, Aragão reforça que as intervenções não farmacológicas, como terapias interdisciplinares com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, são mais eficazes no tratamento do TEA do que as terapias medicamentosas.
Substâncias associadas e dose adequada
Além do CBD, outros componentes da planta Cannabis Sativa, como o tetraidrocanabinol (THC), são importantes para potencializar os efeitos no tratamento do autismo. No Brasil, o limite legal para THC em medicamentos é de 0,2%.
“Os estudos indicam que uma baixa concentração de THC melhora o efeito da cannabis. Sozinho, o canabidiol puro não parece tão efetivo quanto quando usado com outros componentes da planta”, explicou Aragão.
Quanto às doses, o ajuste deve ser individualizado pelo médico, buscando a quantidade ideal para cada paciente. Doses menores podem ter efeitos melhores do que as mais elevadas.
“A decisão do uso da cannabis deve ser individualizada, caso a caso, e compartilhada com a família. O médico deve explicar os níveis de evidência e o perfil de risco-benefício. A cannabis não é a primeira escolha para o autismo, é usada apenas em casos específicos”, ressaltou o pesquisador.
Início e financiamento da pesquisa
Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a importação de produtos à base de cannabis para fins medicinais. O CBD é o componente da Cannabis Sativa que não causa efeitos psicoativos ou dependência.
Inicialmente, o CBD foi utilizado para tratar esclerose múltipla, dores neuropáticas, mal de Parkinson e epilepsia, entre outras doenças. A relação com o autismo surgiu a partir do uso do canabidiol para epilepsia refratária, condição presente em algumas crianças com TEA.
“Quando se tratava a epilepsia e a criança tinha autismo, observava-se melhora na ansiedade. Não se sabia se era pela epilepsia controlada ou pelo CBD. Isso despertou interesse entre pais de autistas”, explicou Aragão.
Diante disso, relatos pessoais e estudos começaram a surgir, motivando os pesquisadores da Uece a analisar sistematicamente as pesquisas científicas sobre o tema.
A pesquisa foi selecionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e financiada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde (Decit/SECTICS/MS).
Participaram do estudo professores da Uece, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membros do Laboratório e Grupo de Estudo em Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece).
(GCMais)