Quando terminou o ensino médio e, em seguida, soube que havia passado no curso de Odontologia, foi uma festa. No Sítio Picadas, localizado na zona rural de Granjeiro - cidade com a menor população no Ceará, como 4,8 mil pessoas no total - a notícia correu boca a boca. Se na sede da cidade “todo mundo se conhece”, imagine nas pequenas comunidades da área rural. Logo, todos os vizinhos já sabiam: Taynara Alves de Almeida, de 20 anos, filha do pedreiro Luiz e da dona de casa Maria, iria fazer faculdade. Quase 2 anos depois, veio uma nova conquista: Taynara passou de novo. Agora, em 2 faculdades para fazer Medicina.
Desde que concluiu o ensino médio, em 2022, os sonhos de Taynara vêm ganhando forma. E essa história é conhecida e celebrada no município do Cariri. A cidade, de tão pequena, sequer tem sedes ou campus de universidades.
Assim, os estudantes naturais de Granjeiro precisam migrar para outros territórios quando “vão expandir o conhecimento” em rotas diárias, levados nos ônibus universitários rumo às demais cidades da região que têm instituições de ensino superior, ou em mudanças “definitivas” para estudar durante alguns anos.
Legenda: A casa de Taynara tem alpendre na frente, sala, dois quartos, cozinha e quintal com plantas
Foto: Davi Rocha
Taynara já fez o primeiro percurso durante 5 semestres, com idas e vindas diárias a Juazeiro do Norte, com mais de 70 km percorridos por dia, para frequentar as aulas do curso de Odontologia. Então, veio a nova conquista, e ela está prestes a iniciar a segunda rota: se mudar para Barbalha - distante 84 km de Granjeiro - para cursar Medicina.
A estudante, que é egressa da Escola Miguel Saraiva, da rede pública estadual - única de Ensino Médio na cidade - fez provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em todos os anos desta etapa de ensino, cursada em plena pandemia de Covid 19. Nesse intervalo, relata, foi percebendo que o sonho de ser médica, alimentado desde a infância, era difícil, mas não impossível.
O Diário do Nordeste publica em 2025 a quarta edição do projeto Terra de Sabidos, que neste ano tem como foco o “destino universidade”. O especial percorre Fortaleza e cidades do interior como Itarema, Ipueiras e Granjeiro, e conta experiências de egressos de escolas públicas do Ceará que acessaram a universidade, seja via Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ou Programa Universidade para Todos (Prouni). As experiências apontam quão desafiantes, mas também recompensantes, têm sido as oportunidades que abrem portas e alteram a vida dos jovens e de quem os cerca.
Resultados obtidos antes mesmo do 3º ano, como a nota 920 na redação e 800 em matemática ainda no 2º ano, a faziam entender que a batalha pela vaga para o curso que tinha como primeira opção era árdua e demandava um desempenho acima da média, mas que o esforço somado à própria vontade davam esperanças de boas chances. “Nessa época, os meus professores já viam aquele esforço que eu fazia, me estimulavam, me davam livros”, relembra.
Ela concluiu o Ensino Médio em 2022 e, nos processos seletivos que ingressou em seguida em busca da vaga na universidade, foi aprovada em Odontologia em três instituições: na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e em dois centros universitários particulares, sendo um em Juazeiro do Norte (Ceará) e outro em São Paulo.
Optou por cursar na instituição mais próxima, em Juazeiro. Daí,
iniciou a rotina na qual percorria 70 km por dia para ir às aulas,
saindo da sede de Granjeiro às 15h40 e retornando por volta de
meia-noite. O trajeto era realizado em um ônibus da Prefeitura destinado
a essa finalidade.
Estímulo ainda no Ensino Médio
Taynara é filha do pedreiro Luiz Alvez Filho e da dona de casa Maria das Dores de Almeida, e cursou o ensino fundamental na própria comunidade, em uma escola localizada a alguns passos de sua casa, uma residência de alpendre na frente, sala, dois quartos, cozinha e quintal com plantas frutíferas, como goiaba e banana.
A residência é “conjugada” com a da avó, uma idosa acamada cuidada pela mãe de Taynara. Na comunidade, os moradores de hábitos simples vivem basicamente da agricultura ou da prestação de serviços na sede do município.
No Ensino Médio, como a localidade não tem escola dessa etapa, Taynara foi cursar na sede, na Escola Miguel Saraiva, que fica a cerca de 5km da comunidade e para isso precisava pegar o transporte escolar.
Legenda: A familia de Taynara é da zona rural de Granjeiro
Foto: Davi Rocha
A vontade de atuar na área da saúde, recorda ela, surgiu ainda na infância. “Desde que eu era criancinha, eu sempre disse que queria ser médica. Eu fui crescendo e esse desejo aumentou. Passou de um sonho para um objetivo. No fundamental 1 eu tinha o maior foco. Eu dizia aos professores e eles me ajudavam. Sempre fui muito focada nos estudos”, relembra.
A universitária acrescenta que “sempre fui gordinha e minha mãe me levava pra fazer tratamento em Barbalha. Aí eu via os médicos e fui criando aquela admiração”. Outra inspiração é o padrinho que se formou em Enfermagem e agora irá cursar, junto com ela, Medicina.
Taynara faz um tratamento hormonal desde a infância e há cinco anos esperava para fazer uma cirurgia bariátrica. A definição sobre a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) veio no primeiro semestre do ano, sendo definido o mês de junho como período da cirurgia a ser feita no Hospital Geral César Cals, em Fortaleza. Ou seja, um pouco antes de se mudar para começar a cursar a nova graduação.
Sobre o próprio percurso, Taynara recorda que ela pertence à geração que teve que cursar parte considerável do ensino médio em plena pandemia de Covid. Sem poder ir à escola, o jeito era acompanhar as aulas no sítio e, “quando chovia, faltava internet”, completa.
Ela também relembra que sempre quis fazer Medicina, mas “os cursinhos eram caros”, por isso, o foco tinha que ser total na formação escolar. Nessa etapa de ensino, ela fez prova do Enem no 1º, 2º e 3º ano.
(DN)