A 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus na ação penal 2668, pelos cinco crimes de que foram acusados. O voto que definiu a condenação foi proferido pela ministra Cármen Lúcia, na tarde desta quinta-feira, 11 de setembro de 2025. O placar é de 3 votos a 1 pela condenação dos réus.
Os réus respondem por cinco crimes:
- Organização criminosa armada
- Tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito
- Golpe de Estado
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima
- Deterioração de patrimônio tombado.
A posição da ministra veio após aparte do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, com vídeos e imagens de ataques de Jair Bolsonaro ao Judiciário, em especial ao próprio Moraes, e pedidos frequentes de seus apoiadores por uma intervenção militar.
"Tudo isso que foi mostrado agora pelo ministro Alexandre mostra exatamente que não se pode desvincular uma coisa da outra, porque solto teria uma outra conotação e outro enquadramento inclusive jurídico e penal. Portanto, ao tratar da organização criminosa, concluo pela sua comprovação nesse caso, conforme o procurador-geral da República denunciou, comprovou e reafirmou", disse.
Cármen Lúcia também votou no sentido de que "não há absorção entre os crimes de tentativa de abolição e de golpe e isso já foi decidido em outras ocasiões".
Para ela, o "crime de abolição do Estado de direito e de golpe me parece que ocorreram, não me parece que seja o caso (de absorção)". "As imagens deixam escancarados que, quando se chama os kid pretos, os caminhoneiros, quando se lida com a operação punhal verde e amarelo, é de enorme violência. É de violência praticada, institucional, política. No caso do Poder Judiciário e do Judiciário Eleitoral, a violência é muito maior, praticada contra os integrantes", declarou.
A ministra argumentou que os autos comprovam que "tivemos prática de crimes, atos são pensados e executados para uma radicalização social e política que adensa o ambiente de instabilidade política". Segundo ela, plantar desconfiança na política é muito mais fácil do que semear confiança. A ministra disse que a organização criminosa documentou quase todas as fases da empreitada.
"Prova cabal"
Segundo a ministra, a Procuradoria-Geral da República "fez prova cabal de que o grupo, liderado por Jair Bolsonaro, composto por figuras chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente o judiciário".
"Todo o estudo feito me leva a concluir que há prova nos autos do desenvolvimento de uma empreitada criminosa dos réus que, como foi apurado, se utilizaram de um modus operandi das milícias digitais para propagação de ataques ao Judiciário, de uma forma muito especial ao sistema eleitoral, as urnas eletrônicas e a urna tem um peso enorme", argumentou. A ministra defendeu, ainda, que "a urna é algo do povo brasileiro" e que os ataques a ela "não são atos soltos".
"Nos tornamos matriz de um modelo para que se tivesse um sistema de votação com eficiência, segurança e transparência que nós temos. Tudo que se inventa é para plantar uma desconfiança e se precisa de uma série de atos."
A ministra se contrapôs ao ministro Luiz Fux, que na quarta-feira votou contra enquadrar todos os réus no crime de organização criminosa. Para ele, não ficaram comprovados alguns critérios técnicos (como a necessidade de cometimento de crimes indeterminados e permanentes) para enquadrar os réus no tipo penal de organização criminosa. Cármen Lúcia discordou.
"No caso de organização criminosa que buscava o poder, que queria atingir e sequestrar a alma da República, impedindo a validade do processo eleitoral, isso é muito mais grave e mais espalhado na sociedade. Não é infrequente e incomum, nesses tempos de tentativa de desmantelamento das instituições democráticas, a questão eleitoral é posta no centro dela. A validade da representação é posta no centro dela", justificou.
A ministra afirmou que, no caso da Justiça brasileira, mais especificamente a Justiça Eleitoral, "é muito mais difícil" atacar a questão eleitoral.
Segundo ela, a urna eletrônica representa a Justiça Eleitoral no imaginário da população. "Desmoralizar esta urna não é um processo fácil, porque é uma confiança que o povo tem no que vê acontecer. Quando digo que não fazemos nada na Justiça Eleitoral que não seja transparente e seguro, qualquer inovação feita na urna a gente começa a fazer paulatinamente. A gente testa em uma eleição suplementar um dispositivo para melhorar o som da urna para quem tem deficiência auditiva. Primeiro a gente testa e vai alargando", declarou.
E completou: "Portanto, a tentativa de desmoralizar o processo eleitoral tem isso, uma tentativa que veio marcada de combalir mais e mais o Judiciário, com uma série de comportamentos delituosos que foram se somando. E se diz: 'Nem todo mundo sabia de tudo'. Mas em nenhuma organização todo mundo sabe de tudo, aliás se todo mundo souber de tudo talvez nem dê certo, não sei, não sou especialista nisso."
Quem são os réus?
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa de 2022
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O único voto pela absolvição até agora partiu do ministro Luiz Fux. Ele se manifestou contra a condenação de:
- Almir Garnier - ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres - ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal
- Augusto Heleno - ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Jair Bolsonaro - ex-presidente da República
- Paulo Sérgio Nogueira - ex-ministro da Defesa
O ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, atualmente, deputado federal, teve suspensa a tramitação das acusações relativas a fatos ocorridos após a diplomação e responde, portanto, somente a três dos cinco crimes.
A suspensão foi aprovada pela Câmara e homologada pelo Supremo, conforme prevê a Constituição. Foi assim interrompida a tramitação do julgamento pelos crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado, relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Fux votou para suspender a tramitação de todos os cinco crimes contra o parlamentar.
O ministro votou ainda pela condenação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e do general Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Nos demais crimes, o voto foi pela absolvição de ambos.
Na terça-feira, 9, Alexandre de Moraes, relator do processo, e Flávio Dino, dois dos cinco ministros da Primeira Turma do STF, votaram por condenar Bolsonaro e outros sete réus do "núcleo crucial" por todos os crimes.
Importância do voto de Zanin
Falta votar o presidente da turma, ministro Cristiano Zanin. Embora já haja maioria formada, o voto de Zanin é crucial. Se houver dois votos pela absolvição de alguns dos réus, este terá direito a embargos infringentes. Assim, poderá recorrer e levar o caso ao plenário do STF.
Com Agência Estado