Estresse térmico: como o aumento das temperaturas afeta a saúde mental

 

 Calor exacerbado aumenta os níveis de estresse e ansiedade

Um dito popular fala que existe "um sol para cada cabeça" no Ceará. E uma das principais consequências da crise climática atual é justamente o aumento das temperaturas. O calor intenso e constante implica, dentre outros dilemas, em problemas de saúde mental, elevando os níveis de estresse, prejudicando o sono e causando ansiedade.

Apesar do aumento geral na temperatura, fatores ambientais, geográficos e sociais fazem com que a distribuição do calor seja desigual. Populações mais vulneráveis sentem esse sol ainda mais forte sob suas cabeças. Dois termos caracterizam as consequências do calor constante à saúde mental: o estresse térmico e ecoansiedade.

Um exemplo desse cenário de mudanças climáticas, com o fortalecimento do calor, é um estudo da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) que registou um aumento anormal de 1,8ºC em 60 anos no Ceará. 

Ainda segundo o estudo da Funceme, assinado pelos pesquisadores Francisco Júnior e Glícia Garcia, essa alteração nos padrões climáticos está associada a um aumento significativo de ondas de calor, que favorece a degradação do solo e gera impactos diretos na agricultura, no abastecimento hídrico e principalmente na saúde humana.

O que é o estresse térmico?

O estresse térmico é um bioindicador de qualidade da vida humana, que pode ser ativado negativamente quando o corpo é exposto a temperaturas extremas, baixas ou altas - mas principalmente ao calor intenso - e não consegue se resfriar adequadamente para se manter nos 36,5°C, temperatura ideal para o organismo. 

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Segundo Antônio Ferreira, doutor em Geografia e coordenador do Laboratório de Climatologia Geográfica e Recursos Hídricos (LCGRH) da UFC, "algumas situações específicas, como interferência na saúde humana, interferência nas condições de fadiga, na qualidade de sono, na qualidade de execução de atividades", representam indícios desse estresse gerado a partir do calor extremo. 

O estresse térmico é resultado do período de "Capitaloceno", explicado pela Professora do Mestrado em Climatologia da UFC, Érica Pontes, como "o período depois das revoluções industriais, depois do capitalismo, em que a sociedade humana passou a ser um agente geomorfológico, um agente de transformação, em especial de transformação negativa da natureza".

O Capitaloceno caracteriza o momento em que há uma expropriação excessiva da natureza junto a emissão de altos índices de gases de efeito estufa, união essa que impede a capacidade do ambiente de se reintegrar, gerando aumento contínuo das temperaturas.

No Brasil, estima-se que ao menos 38 milhões de pessoas estejam expostas ao estresse térmico, segundo dados de um estudo realizado pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ). O estudo teve como objetivo analisar o fenômeno na América do Sul e como ele evoluiu ao longo das últimas quatro décadas. 

Cidade co prédios e muito sol.

Legenda: Fortaleza é uma das cidades estudadas em pesquisa internacional sobre estresse térmico.

Os pesquisadores analisaram dados de 31 cidades da América do Sul com mais de um milhão de habitantes, sendo 13 delas no Brasil - incluindo a cidade de Fortaleza. O estudo concluiu que somadas as populações das cidades brasileiras analisadas, quase 40 milhões de pessoas estão expostas atualmente a condições de calor extremo, que podem ultrapassar 20 dias por ano. 

"Nos dias que tem uma umidade muito alta, quando há dificuldade em fazer esse balanço entre a perda de calor e os nutrientes há uma ruptura nessa sensação de equilíbrio", afirmou a doutora em Psicobiologia e professora fundadora do curso de psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alessandra Xavier, colunista do Diário do Nordeste.

A ecoansiedade

Além do aumento dos níveis de estresse, as mudanças climáticas têm causado um fenômeno psicológico novo conhecido como "ecoansiedade". O termo é descrito por Alessandra como aquilo que é "relacionado às ansiedades que envolvem os sofrimentos que se pode experimentar causados pelas incertezas sobre o futuro do planeta, incertezas relacionadas às mudanças climáticas". 

"O sistema fisiológico sofre uma sobrecarga decorrente de questões térmicas", afirma a psicóloga ao Diário do Nordeste. 

Ao consumir notícias sobre desastres ambientais ou experienciá-los, o indivíduo pode desenvolver ansiedade e problemas para dormir. "Fica o tempo todo pensando nas catástrofes ambientais que vão acontecer, no desmatamento, na extinção das espécies, nas enchentes, nas secas e nas perdas que vai experimentar, não só só enquanto indivíduo, mas também pensando nas perdas enquanto humanidade", detalhou a psicóloga em entrevista.

Será que a gente vai não vai conseguir sair de casa? Será que os meus filhos vão passar mal por conta do calor? Será que a gente vai ter inundações? Será que a gente vai perder as coisas? Então, isso pode engendrar sentimentos de preocupação, sentimentos de culpa, sentimentos de ansiedade.

Esses impactos mentais das mudanças climáticas atingem com mais força as populações vúlneráveis. "Os estressores climáticos geram impacto principalmente para população de baixa renda, população indígena e grupos minoritários, isso faz com que aconteça ainda um aumento da precarização da vida, o aumento das desigualdades sociais", revelou.

Minorias são mais afetadas pela crise climática 

Um dos principais tópicos da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que está acontecendo em Belém, é a justiça climática. O termo aborda a necessidade de entender que as mudanças climáticas afetam o planeta de maneira geral, mas as populações e grupos de formas diferentes. 

Segundo informações do site do Supremo Tribunal Federal, "a intensificação de enchentes, secas e ondas de calor tem exposto as desigualdades sociais, raciais e econômicas que atravessam o planeta, revelando que as mudanças climáticas não afetam todas as pessoas da mesma forma. Nesse contexto, ganha força o conceito de justiça climática".

Nessa quinta-feira (13), aconteceu o “Dia da Justiça, do Clima e dos Direitos Humanos” no evento, para discutir os desafios da justiça climática e a necessidade de proteger grupos minoritários mais atingidos pela crise climática. 

homem suando com muito calor no sol.

"As populações mais atingidas são as que não têm direito à moradia digna, portanto, não vão ter moradias adequadas do ponto de vista da ventilação, da iluminação natural, do conforto térmico, e isso vai ampliando os efeitos no corpo dessas pessoas", afirmou a professora Érica Pontes.

Essas desigualdades podem ser percebidas nas redes de sistema de saúde. Em períodos de altas temperaturas, a maioria das pessoas que são atendidas com desidratação elevada, com arritmia, problemas cardíacos, muito cansaço, fadiga e ansiedade, são trabalhadores e trabalhadoras que estão nos ambientes externos, explicou Érica ao Diário do Nordeste. 

A psicóloga Alessandra Xavier revelou que as medidas para diminuir a sensação térmica não são viáveis a todos. "Usar roupas leves, se hidratar mais, procurar ambientes arejados, mas nem todo mundo tem condições de ter acesso a isso". Ela acrescenta ainda que o "sistema fisiológico sofre uma sobrecarga decorrente de questões térmicas", afirma a docente

A aluna da UFC, Helaine Sousa, de 21 anos, conta que "as recomendações às vezes não servem de nada. Referente a roupas leves, por exemplo, não tenho opção de escolha, porque minhas fardas são escuras. E parar de andar no horário de pico do calor, só se eu parar de fazer as minhas atividades". 

Fortaleza vai sentir muito esse efeito, visto que é uma das cidades com maior concentração de renda do país, com uma zona periférica gigantesca

Bairros mais vulnerabilizados, com os menores índices de IDH, sofrem ainda mais com o calor. Pirambu, Bom Jardim, José Walter e Messejana são regiões extremamente populosas da cidade onde não há grandes áreas verdes e onde a população vive em conjuntos habitacionais irregulares, com baixa iluminação natural, e pouca ventilação. 

As pessoas respondem aos estímulos climáticos de maneira diferenciada. Notadamente, as populações mais vulneráveis são aquelas que vivem em áreas sem grandes infraestruturas urbanas para amenização do calor. E também sem acesso a utilização de meios tecnológicos para a diminuição dos índices de desconforto térmico, como é o caso do ar condicionado, a ventilação e as construções sustentáveis.

Então as pessoas vivem em apartamentos com ar-condicionado, usam seus carros com ar-condicionado, trabalham nos seus escritórios, elas têm como se preparar especificamente para essas condições de desconforto que estão se agravando devido à crise climática atual e as pessoas mais vulneráveis, economicamente e socialmente, elas não têm essa capacidade de resiliência e adaptação,

 

Helaine Sousa vive no Titanzinho, zona periférica no litoral de Fortaleza. A aluna conta que chega a pegar mais de cinco ônibus por dia e que o transporte público é um dos pontos que escancara esse estresse térmico. "Além de deixar as pessoas irritadas, começa aquela sensação de enjoo, é tudo muito abafado, as vezes começa a dar a sensação de que você vai desmaiar", contou a jovem. 

Medidas de mitigação de impactos climáticos no Ceará 

O Ceará está localizado na zona equatorial do planeta, o que lhe garante temperaturas altas, mas estáveis. "O estado já é conhecido como um ambiente muito quente e a população já tem o que nós chamamos de 'aclimatação natural', onde a população é mais resistente às condições de temperaturas mais elevadas", afirmou o doutor Antônio Ferreira.

Estados que compõem a Caatinga estão inseridos dentro do clima semiárido, que tem características de temperaturas elevadas e baixos volumes de precipitação. O que faz com que as políticas públicas sejam feitas predominantemente em relação ao combate das secas. 

"Então, esse desconforto térmico é muitas vezes banalizado. Pela nossa população já ser 'aclimatada', já viver em temperaturas constantemente elevadas, acaba que nós não verificamos tantas políticas relacionadas a essa questão do estresse térmico, inclusive nas grandes cidades nordestinas, que estão dentro desse contexto semiárido", detalhou em entrevista.

A exemplo disso, Antônio explica que por exemplo, a cidade de Fortaleza, criou o plano de gestão municipal o combate às ilhas de calor e ao estresse térmico, somente em 2023. "Então esse é um tema ainda muito negligenciado dentro das políticas públicas e da gestão ambiental no semiárido brasileiro".

As políticas de mitigação ao estresse térmico dependem de ações de mitigação para os efeitos das mudanças climáticas de maneira geral. Desde garantir moradia digna nas periferias urbanas da cidade de Fortaleza, com conforto térmico e acesso aos serviços públicos de saúde de forma regular, com qualidade.

Além disso, a preservação de áreas verdes dentro da cidade, como o Parque Estadual do Cocó, por exemplo, garante a existência de 'ilhas de frescor', espaços urbanos arborizados que diminuem a sensação térmica de localidades próximas. Segundo pesquisa da UFC, a área ao redor do Parque do Cocó pode ser até 6 °C mais fria do que em áreas abertas e sem vegetação.

Algo que está sendo debatido na COP no atual momento, é o Fundo Internacional das Florestas, um mecanismo de premiar quem está garantindo a preservação, mas também de punir quem está desmatando. "Garantir essas áreas de floresta em pé é fundamental para caminhar para o desmatamento zero, é fundamental para  garantir a retirada dos gases de efeito estufa da atmosfera", pontuou a professora Érica.

As pastas de meio ambiente precisam trabalhar de maneira transversal, consorciada, interligada com as outras pastas. É importante que trabalhe em todas essas esferas para garantir a conservação das áreas verdes, com investimento financeiro,  mas também com investimento educacional e investimento cultural. Além de termos a cultura de que a preservação das florestas  é fundamental para que a sociedade permaneça, minimamente, como a gente conhece.

DN

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