Quem é o cearense por trás da criação do Pix?

Duarte em foto posada. Ele veste terno.

Foto: Divulgação /BC


 



Natural de Fortaleza, o engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Ângelo José Mont’Alverne Duarte, de 53 anos, é um dos cérebros por trás da criação do Pix, sistema de pagamentos instantâneos brasileiro que completou cinco anos neste mês de novembro.

Duarte coordenou o grupo que idealizou a regulação e definição do Pix. O modelo inovador, criado e gerido pelo Banco Central (BC), contabiliza mais de 60 bilhões de transações anuais, de acordo com a autarquia federal. 

"Tive a oportunidade, o orgulho e o prazer de participar desse projeto. Um pouco antes do lançamento do Pix, foi criado um departamento para cuidar do tema. Então, fui o primeiro chefe desse departamento de 2019 a 2023. Essa é uma grande satisfação. Um trabalho conjunto que envolveu dezenas de pessoas no Banco Central em várias áreas", diz.

Perfil do cearense por trás do Pix 

O engenheiro ingressou na unidade do Banco Central de Fortaleza em 1998, na área de supervisão bancária. No ano 2000, foi fazer mestrado e doutorado em Economia no Rio de Janeiro e não voltou mais a morar no Estado. 

Após concluir o doutorado, Duarte passou a integrar a área econômica do Banco Central e, em dois períodos, foi cedido ao Ministério da Fazenda. Em 2019, ao retornar ao BC, o projeto do Pix já estava em desenvolvimento, e ele acabou se engajando na iniciativa.

Durante a pandemia, parte de seu trabalho na construção do Pix foi realizada no isolamento que escolheu em uma praia do Ceará. Atualmente, ele mora no Distrito Federal e atua como consultor da diretoria do BC.

Qual foi o papel do cearense na criação do Pix

O Pix foi lançado oficialmente no Brasil em 16 de novembro de 2020. Porém, o serviço estava sendo pensado pelo Banco Central desde 2015, quando, em um relatório, a entidade apontava que faltava um sistema instantâneo no ecossistema de pagamentos do País. 

Duarte conta que, desde essa publicação, a autarquia federal esperou cerca de três anos para ver se o setor privado se interessava em desenvolver esse sistema, assim como já havia ocorrido em outros países, como a Índia.

"Mas aqui no Brasil não houve esse interesse. Assim, em 2018, o BC tomou a decisão de ele mesmo construir e operar o sistema, que acabou sendo lançado no final de 2020", lembra. 

O processo foi dividido em três camadas. A primeira era a equipe de tecnologia, responsável por desenvolver o sistema. A segunda era a equipe de compensação, que, de forma simples, gerencia as contas dos bancos no Banco Central. Por essas contas os valores saem e entram quando o usuário faz um Pix.

A terceira equipe, liderada pelo cearense, definia as regras de uso e operação do Pix, como autenticação, cobrança, segurança, mecanismos antifraudes e os critérios para a adesão das instituições financeiras.

“Esse grupo, que também opera o sistema, monitora possíveis dificuldades enfrentadas pelas instituições na operação, verifica se há saldo nas contas e acompanha como o processo está ocorrendo, entre outros pontos”, explica Duarte.

Nós fizemos o que pode ser chamado de manual de instruções do Pix, que é a Resolução do Banco Central nº 1, com 50 páginas de descrição de todos os processos que envolvem o sistema".

A área comandada por Duarte também mantinha uma forte interação com os participantes do Pix e uma interlocução importante com o setor privado, que continua até hoje por meio do Fórum Pix.

A iniciativa reúne todas as instituições que participam do sistema, além de outras que, mesmo não sendo participantes diretas, utilizam o Pix ou fornecem serviços e soluções de tecnologia relacionadas ao pagamento instantâneo brasileiro.

Atualmente, Duarte afirma que o Pix continua fazendo parte do seu dia a dia, já que os cerca de 35 departamentos do banco, na hierarquia organizacional, estão abaixo da sua posição.

“Não preciso mais gerir a equipe propriamente dita, mas continuo lidando com questões relacionadas ao Pix e à regulação de outros meios de pagamento”, explica.

Cearense relata os desafios durante a criação do Pix

Duarte lembra que a meta do projeto era lançar o serviço em 2021, mas a pandemia acabou acelerando o processo. "Os envolvidos puderam concentrar os esforços no projeto, que ganhou alta prioridade no banco", conta.

Outro fator ligado à antecipação do lançamento e à pandemia foi o foco em poder beneficiar, principalmente, pessoas de menor poder aquisitivo que tinham acesso precário ao sistema bancário, como beneficiários de programas sociais que sacavam seus valores para fazer suas compras e pagamentos.

Um dos grandes desafios, já na reta final de implementação do Pix, lembra o cearense, era a conexão simultânea de todas as instituições no sistema. Na época, eram em torno de 700 instituições financeiras. Atualmente, já são em torno de 900 ligadas ao Pix.

Mão segurando celular aberto no Pix.

Legenda: Pix foi lançado há cinco anos e já é o meio de pagamento mais utilizado pelos brasileiros.

Foto: Shutterstock.


"Tínhamos uma ideia e acho que ela continua correta, de que seria muito ruim se a gente fizesse uma adesão faseada, ou por ondas, porque as pessoas não conseguiriam fazer os pagamentos para qualquer banco e poderia causar um descrédito", explica. 

Duarte ainda lembra que bancos com mais de 500 mil clientes eram obrigados a aderir ao sistema. Já aos menores era facultativa a adesão.

"Mas o interesse das instituições reguladas pelo Banco Central pelo Pix foi enorme. Então, houve um pedido de adesão gigantesco das facultativas já no início, e tivemos esse desafio de conectar mais de 600 instituições", pontua.

Já com relação aos usuários, o desafio era fazer com que eles confiassem e aderissem ao Pix.

"E nisso a comunicação foi extremamente importante. Imediatamente a gente teve uma curva de adoção, em algo que não tem nenhum, vamos dizer assim, similar em nenhum outro local do mundo. A adesão ao Pix — é lógico que a gente fez todos os esforços para ela ser a maior possível — surpreendeu até os mais otimistas. Ou seja, milhões de pessoas em poucos meses já usavam o Pix de forma regular", frisa.

Orgulho e impacto social 

Sobre o feito, que é considerado uma revolução no sistema de pagamentos brasileiro, o cearense afirma que, lógico, é motivo de grande orgulho para o BC e, especialmente, para todos os profissionais que trabalharam diretamente no projeto, como ele.

No Banco Central, temos uma cultura de projetos, de inovações, que se põe à disposição da sociedade. Porém, logicamente que hoje o que é mais visível, mais visto, de longe é o Pix. Então, toda vez que falamos dele, há uma emoção, e tomamos até como pessoal".

Ele lembra também outros serviços como a consulta de "dinheiro esquecido" ou a possibilidade de saber se alguém usou o CPF de terceiros para abrir uma conta ou tomar um empréstimo, como feitos que o banco provê em benefício da sociedade.

Segundo Duarte, no Brasil, sempre se teve uma quantidade de pessoas com conta bancária elevada. Isso se deve, principalmente, ao fato de ter a Caixa Econômica Federal, que é um banco público que oferta contas praticamente para quem quiser. Além disso, o pagamento de programas sociais se faz através de uma conta da Caixa.

Porém, antes do Pix, as pessoas recebiam aqueles recursos na conta e precisavam sacar para fazer os seus pagamentos em dinheiro. Com o Pix, conforme um dos seus idealizadores, o impacto na sociedade veio por meio de ondas, em que as classes com renda mais baixa são as mais impactadas positivamente, já que o serviço democratiza os pagamentos digitais.

"Essas pessoas começaram a fazer seus pagamentos via Pix. Principalmente porque na classe social mais baixa é muito comum os pagamentos entre pessoas. E antes, esse tipo de pagamento, praticamente, só tinha o dinheiro como via possível. Então, essa é a onda de maior impacto do Pix", comenta.

O especialista ainda lembra que, com o lançamento do serviço, houve uma abertura maior de contas por clientes que passam a ver vantagem em ter um canal digital de pagamento ao invés de ficar sacando e usando dinheiro em papel.

O papel social do Pix

A segunda onda avaliada é a que atinge os microempreendedores, sobretudo os informais. Nesse ponto, ele cita, adaptando os exemplos para o Ceará, o vendedor de comida de rua, quem faz bolo em casa para vender, as doceiras do bairro e os profissionais que realizam consertos rápidos.

"Essas pessoas tiveram um ganho de produtividade muito forte com o Pix. Agora, ela vende mais, por entrega, porque evita o contato pessoal entre o fornecedor e o cliente. E aqui vale lembrar que as grandes empresas sempre tiveram acesso a meios digitais de pagamento, mas o pequeno não. Alguns usavam, no máximo, a maquininha, mas tinham taxas e diminuíam o lucro ou distribuíam o custo para todos os clientes".

Duarte revela que estudos mostram que em milhares de situações e conversas analisadas em redes sociais as pessoas negociavam seus produtos e serviços e, no final, o pagamento era acordado por meio do Pix.

"Isso tem feito com que se pense em uma maneira da pessoa que vai pagar por Pix não precise sair do aplicativo em que está fazendo a transação e consiga pagar ali mesmo", comenta.

E, como terceira onda, ele aponta a integração de pessoas que não possuem cartão de crédito ao comércio eletrônico mais profissional. Isso porque o cartão de débito é dificilmente aceito em grandes portais de comércio eletrônico. Então, a opção para quem não usa cartão de crédito era apenas o boleto.

"Mas o boleto é cheio de desvantagens, porque com ele o comprador tem até três dias para pagar, e o vendedor tinha até dois dias depois do pagamento para receber a confirmação. Isso gera uma demora enorme para o consumidor receber e uma insegurança para o vendedor que tinha que ficar com aquele produto preso no estoque, sem poder vender para outra pessoa, na expectativa de saber se o boleto foi pago ou não", explica.

Assim, com a entrada do Pix, foi possível ter uma maior instantaneidade para todo o processo, com entregas cada vez mais ágeis. "E isso se aplica também para pagamentos de contas e serviços. Com o pagamento realizado instantaneamente, em contas atrasadas, por exemplo, o restabelecimento do serviço ocorre de forma bem mais rápida", reforça.

Em uma quarta onda de benefícios, Duarte aponta o poder de negociação de preços que o Pix trouxe, por ser considerado um pagamento à vista. Assim, ele trouxe possibilidades de o consumidor negociar preços e descontos. 

Outro cearense no BC

Além de Ângelo Duarte, outro cearense também participou da idealização do Pix: Aristides Cavalcante Neto, bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas.

Na época, ele atuava na área de TI do Banco Central e participou desse e de outros projetos de tecnologia. Com cerca de duas décadas de atuação na instituição, hoje integra a área responsável pela supervisão de riscos tecnológicos e não financeiros, pelas infraestruturas de mercado e pelo aprimoramento dos processos de supervisão do BC.


(Diário do Nordeste)

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