Tianguá Aos oito anos de idade, após assistir a uma apresentação da
Orquestra Filarmônica Juvenil Doutor Edvaldo Moita, desta cidade
localizada na Serra da Ibiapaba, no Norte do Estado do Ceará, a
estudante Maria Samires da Silva tomou uma importante decisão: fazer
parte daquele grupo de crianças e adolescentes que tocavam
harmoniosamente aqueles instrumentos que Samires nunca tinha visto tão
de perto.
O som que mais chamou atenção da menina foi o do clarinete. Instrumento
de sopro, definido como de grande prestígio ao executar diversos tipos
de estilos, devido à sua capacidade de expressão sonora. Com apoio dos
pais, Samires, que hoje tem 12 anos, deixou a timidez de lado e se
entregou de corpo e alma à música, à qual se sente cada vez mais ligada.
Inspiração
Em quatro anos de dedicação à orquestra, a adolescente serviu de
inspiração para a irmã menor, Camile, que aos 10 anos, já a acompanha na
orquestra tocando flauta transversal.
"Quando eu toco clarinete, ao lado da minha irmã, parece que tudo ao
meu redor se transforma. Eu tento sentir a harmonia dentro de mim, e só
isso importa naquele momento. A orquestra representa muito, não só para
mim e minha irmã, mas também para minha família", se emociona, a menina,
ao lado da mãe, a dona de casa Noelda Rodrigues da Silva, que também
enche os olhos de lágrimas quando, vez ou outra, acompanha um dia de
ensaio, ou tem a oportunidade de assistir alguma das muitas
apresentações das filhas.
| A dona de casa Noelda Rodrigues da Silva se emociona quando acompanha um dia de ensaio ou tem a oportunidade de assistir alguma das muitas apresentações das filhas Samires, 12, no clarinete, e Camile, 10, na flauta transversal |
"Desde muito pequena, a Samires já queria muito participar da
orquestra, assim como a irmã, que hoje também faz parte desse trabalho.
Acredito que elas duas vão longe, no sonho de ter a oportunidade que eu e
o pai delas não tivemos. Se não fosse esse trabalho, elas nunca teriam
condições de aprender a tocar um instrumento na vida", avalia a
orgulhosa mãe.
Projeto social
A Orquestra Filarmônica Juvenil Doutor Edvaldo Moita, ligada à
Sociedade Musical Tianguaense (Somut), foi fundada em 1985, com o
intuito de formar cidadãos, por meio da musicalidade. Ao dar vida ao
projeto social, o maestro Ângelo Moita viu, aos poucos, o número de
alunos crescer. E, com um olhar apurado, ele foi descobrindo e lapidando
novos talentos, que antes não tinham oportunidade nenhuma de acesso,
por morarem em bairros da periferia da cidade, carregados pelo estigma
da violência e da falta de infraestrutura.
Ao observar o perfil dos meninos e meninas, acompanhados dos pais, que o
procuravam em busca de uma oportunidade, o maestro, então, decidiu
trabalhar com aqueles vindos de áreas consideradas de risco.
Sonho antigo
O projeto tomou forma e recebeu o nome de "Música Transformando Vidas",
seguindo um sonho antigo de Ângelo, que desde cedo teve contato com a
música, ao participar da banda do tradicional Colégio Piamarta, em
Fortaleza, onde viveu parte da adolescência em turnês, quando conheceu
vários países da Europa. É dessa época, segundo o maestro, que surgiu o
desejo de um dia, dar a mesma oportunidade que teve a outros jovens.
Hoje, ao lado da esposa, Iolanda Moita, que preside a Somut, o maestro
transmite seus ensinamentos, por meio da instituição, que tem capacidade
de atender a cerca de cem crianças, com idades entre 9 e 14 anos. Os
ensaios são realizados num espaço criado no quintal da casa onde mora o
casal. Das crianças atendidas, cerca de 55 compõem a orquestra.
Convênio
Ao longo dos anos, muitas apresentações foram realizadas por todo o
Nordeste e outras regiões País afora, em festivais musicais, por meio de
convites e incentivos de admiradores do projeto. Por conta disso, o
trabalho chamou a atenção da antiga gestão municipal que, em 2001,
celebrou um convênio, com contrato de prestação de serviços da Somut ao
município de Tianguá. Com o apoio, foi possível adquirir os atuais
instrumentos, pois, antes, tudo era cedido por particulares, que também
ajudavam na manutenção.
Por 12 anos, a parceria se consolidou, vindo a ser rompida,
momentaneamente, no ano de 2013, por conta da nova gestão pública à
época. Mas a decisão foi logo revogada pelo próprio gestor, em resposta
ao inegável apelo social do trabalho, sendo o convênio renovado até o
ano passado, período em que as apresentações da Filarmônica fizeram
parte do calendário cultural da cidade.
Custos
Neste ano, a antiga gestão de 2001, que deu o apoio inicial ao projeto,
de acordo com o maestro Ângelo Moita, retornou à administração do
Município e não se mostrou interessada em atualizar o convênio, no valor
total de R$ 132 mil (anual).
De acordo com as informações do maestro Ângelo Moita, os valores
mensais utilizados pela banda servem para, entre outras despesas, a
aquisição de roupas, calçados, manutenção dos instrumentos, viagens,
hospedagens, alimentação, pagamento de combustível, "além de cursos, que
os alunos fazem aqui na região com professores de outras cidades,
voltados ao aperfeiçoamento".
Ele acrescenta: "as despesas são necessárias à sobrevivência do
trabalho. Queremos uma resposta da gestão, por meio da Secretaria de
Cultura do Município que, até este mês de maio, ainda não nos deu
nenhuma posição sobre a renovação da parceria", lamentou.
Procurado pela reportagem do Diário do Nordeste, o secretário de
Cultura de Tianguá, Raimundo Portela, reconheceu e elogiou o trabalho da
Sociedade Musical Tianguaense, mas não quis gravar entrevista.
E, enquanto a resposta não chega, os alunos da Orquestra Filarmônica
Doutor Edvaldo Moita, com apresentação marcada para este final de
semana, na cidade de Parnaíba (PI), com a apoio da Prefeitura de lá,
seguem praticando, incansavelmente, em busca de harmonia musical que os
une, e que, certamente, encantará mais um público que os aguarda.
Diário do Nordeste



