Este 2 de agosto entrará para a História como o dia da "vergonha anunciada", porque todos sabem que Michel Temer conseguiu comprar o número de deputados necessário para barrar a denúncia por corrupção. Qualquer presidente honesto acusado de corrupção faria questão de ser investigado
Em mais de 30 anos de jornalismo político,
registrei dias de glória democrática e dias de vergonha política na
cobertura do Congresso. O 5 de outubro de 1988, em que a Constituição
(hoje desfigurada) foi promulgada e o 25 de abril de 1984, em que a
emenda das diretas foi rejeitada, por exemplo.
Este 2 de agosto parece destinado a ser um dia da
vergonha. Será vergonhoso para o Brasil se deputados cevados por favores
e prendas de Temer conseguirem impedir que ele seja investigado por
corrupção passiva, pois eles sabem muito bem o que fazem.
Sabem de tudo o
que aconteceu: do que Temer combinou com Joesley Batista, do contrato
benevolente assinado entre uma subsidiária energética da JBS e a
Petrobrás dias depois, da mala de dinheiro entregue ao preposto Rocha
Loures horas depois.
Os que estão dispostos a honrar seus mandatos
votando a favor da abertura das investigações, em sintonia com 93% da
população são minoria e podem, no máximo, impedir que a votação ocorra
hoje, negando presença no plenário para a formação do quórum de 342
deputados.
Para não ficar na História coberto de vergonha,
qualquer presidente honesto acusado de corrupção faria questão de ser
investigado.
Mas Temer, o primeiro na história do presidencialismo
brasileiro a sofrer tal acusação no cargo, preferiu comprar votos descaradamente para não ser investigado.
Seguro de sua inocência, devia preferir o processo conduzido pelo STF,
ao final do qual seria inocentado e retornaria glorioso ao cargo do qual
foi afastado.
O rito da votação estabelecido pelo presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, também é vergonhoso. Falarão por 25 minutos o
autor do parecer vitorioso na Comissão de Constituição e Justiça,
favorável ao arquivamento da denúncia, Paulo Abi-Ackel, e o advogado de
Temer. Depois falarão, por 3 minutos cada, dois governistas e dois
defensores da concessão da licença para o processo. Ou seja, 56 minutos
para os defensores de Temer e seis minutos para os adversários. É isso
que os parlamentares costumam chamar de rolo compressor, um eufemismo
para ditadura da maioria.
A noite deve ter sido de transações tenebrosas, com
o governo dobrando as ofertas para convencer deputados “indecisos” a
estarem presentes na hora da votação, ainda que não votem, ou ainda que
votem com a oposição. Já não importava ontem dar uma demonstração de
força, com a rejeição da denúncia por cerca de 300 votos, num sinal para
o mercado de que Temer terá condições de seguir em frente, reaprumando
seu combalido governo e retomando as contrarreformas. Precisando de
apenas 172 votos, para evitar que os defensores da investigação consigam
os 342 necessários, o governo já se contentava ontem apenas com a
barragem da denúncia por um número minguado de votos.
Temer, que finge viver no mundo da lua, ontem falou
que o desafio do quórum é da oposição e projetou uma “segunda fase” de
seu mandato depois que for vergonhosamente vitorioso hoje. Mas ele e seu
entorno sabem que vem por aí é uma segunda denúncia, que terão de
enfrentar com a munição esgotada. Os compromissos foram firmados apenas
em relação a esta primeira acusação, de corrupção passiva. Nem todos
estarão dispostos a um segundo desgaste, tendo pouco ou nada mais a
ganhar.
E há também outra razão para o desespero. Neste
primeiro round, Rodrigo Maia (DEM) optou pelo papel de aliado leal,
fixando o rito favorável ao governo e conduzindo a sessão com empenho
explícito. Mas sobrevindo uma segunda denúncia, o cavalo estará passando
outra vez selado em sua frente, e ele poderá decidir-se a montá-lo. E
aí poderá oferecer aos deputados a preservação dos cargos que já têm no
governo, mais aqueles que serão desocupados com a saída da turma de
Temer (PMDB) do governo. Foi assim que Cunha e Temer conseguiram
desmontar a maioria de Dilma e aprovar o impeachment na Câmara,
oferecendo-lhes o que já tinham ganhado dela e mais o que ganhariam com o
enxotamento dos petistas do governo.
Mas para isso, é claro, o procurador-geral Rodrigo
Janot precisa desmentir os boatos espalhados por governistas, de que ele
tem razões para não apresentar a segunda denúncia contra Temer.
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