Depois de quase uma semana de
tiroteios no Rio, as Forças Armadas foram chamadas nesta sexta-feira, 22, para
cercar a Rocinha - a mais conhecida comunidade da capital -, diante do
reconhecimento de que o Estado perdeu o controle na guerra deflagrada pelo
crime. Ao todo, 950 homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estão
mobilizados, além de dezenas de blindados e helicópteros. Mais três batalhões
do Exército, que somam quase 3 mil homens, estão prontos, caso a situação se
agrave.
Não há previsão de quanto tempo
deve durar essa operação. Ela é uma demonstração de força do Estado e de apoio
à Polícia Militar após o confronto declarado entre Rogério Avelino da Silva, o
Rogério 157, escondido na favela, e Antonio Bonfim Lopes, o Nem, que está no
presídio federal de Rondônia. Os traficantes dos dois grupos, ligados à facção
Amigo dos Amigos, disputam à bala o domínio da comunidade, invadida no domingo,
com saldo de pelo menos três mortes.
A ação dos militares começou após
as 16 horas da sexta-feira, 22. Àquela altura, a cidade, principalmente a zona
sul, vivera horas de caos, pânico e boatos. A Auto-Estrada Lagoa-Barra e os
Túneis Zuzu Angel e Acústico Rafael Mascarenhas foram fechados das 10 às 14
horas, depois que os confrontos entre PMs e criminosos, iniciados às 8 horas,
recrudesceram. A operação policial na Rocinha começara às 5 horas, com o
objetivo de cumprir mandados de prisão. À noite, a polícia solicitou um mandado
de busca coletivo.
Por causa dos confrontos, cerca
de 3 mil alunos ficaram sem aula na Rocinha. As unidades de saúde também não
funcionaram. Colégios privados, como a Escola Teresiano, a Escola Americana e a
Escola Parque, na Gávea, também não tiveram aulas. Na Gávea, a Pontifícia
Universidade Católica (PUC) suspendeu as atividades. No dia, tiroteios também
foram registrados nas comunidades do Alemão, na zona norte, São Carlos, perto
da região central, e Dona Marta, na zona sul.
Moradores da Rocinha ficaram
acuados em suas casas. Muitos foram impedidos por criminosos armados de sair
para trabalhar. “A ordem foi ninguém sair de casa para nada”, disse uma
moradora. Residente em um condomínio em São Conrado, bairro da zona sul do Rio
onde fica a favela, a empresária Helena Duarte contou que por volta das 10h30
os tiros assustavam as crianças. “Todas subiram correndo para casa.”
A movimentação dos militares foi
recebida por alguns moradores da Rocinha com naturalidade. “Já vi isso tantas
vezes que me acostumei”, contou um eletricista que se identificou apenas como
Carlos, de 34 anos, morador da parte baixa da favela. “Ruins foram esses
últimos dias, quando teve tiro a noite toda. Agora vem aquela parte de a
polícia entrar, os traficantes fugirem e a situação se acalmar até o próximo
capítulo.”
“A gente não devia se acostumar
com isso porque indica que alguma coisa está muito errada. Mas vivemos assim,
de tiroteio em tiroteio, de operação em operação”, resumiu a faxineira Maria
Helena, de 59 anos, 28 deles vividos na Rocinha.
Críticas. Especialistas em segurança criticaram duramente a demora
da ação das autoridades. “Só nesta sexta foi criado um gabinete de crise”,
apontou a cientista social Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania da Universidade Cândido Mendes.
“O cenário é de caos e
desorganização”, resumiu o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da
Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Para a
coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, a socióloga Julita
Lemgruber, as ações dessa sexta revelam “que o Rio não tem uma política de segurança
e o governo federal não tem plano de segurança”.
O problema causou desconforto em
Brasília. O presidente Michel Temer fez questão de discutir a situação, também
preocupado com o que pode acontecer no Estado e as repercussões disso para sua
imagem - o temor era de que alguma situação mais violenta acontecesse no
período de Rock in Rio.
Embora sempre achem que as forças
de segurança locais é que têm de estar à frente da segurança pública,
oficiais-generais ouvidos pelo Estado estavam acompanhando o problema crescer
dia a dia e estranhavam o fato de nenhum pedido de ajuda ser feito. Se
surpreenderam, mais ainda, quando, por meio do Twiter, o governo do Rio pediu
às Forças Armadas nesta semana o patrulhamento de 103 pontos, trabalho que
consideravam ineficaz e desgastante para as tropas federais.
Esses mesmos militares lembravam
que havia mais de 30 dias o Estado do Rio não apresentava nenhuma demanda às
Forças Armadas. Eles cobram mudanças na política de segurança, com foco no
crime organizado, incluindo a realização de vistorias em presídios. No caso do
Rio, essa proposta nunca teria sido acolhida pelo Estado.
Ainda na sexta-feira, o ministro
da Defesa, Raul Jungmann, se reuniu com a procuradora-geral, Raquel Dodge, e
sugeriu uma força-tarefa federal, com o Ministério Publico e Polícia Federal,
para combater a criminalidade crescente no Rio. Na conversa, Raquel fez a
sugestão de instalar parlatórios nos presídios para dificultar a comunicação
dos detentos com a parte externa das cadeias.
Intenso tiroteio. A Rocinha viveu
um intenso tiroteio desde a manhã da sexta-feira. Às 5 horas, a Polícia Militar
realizou uma grande operação, em busca do chefe do tráfico da região, Rogério
Avelino, o Rogério 157. Por volta das 8 horas, um grupo de menores incendiou um
ônibus na subida da Avenida Niemeyer, em São Conrado, segundo a Polícia
Militar. As chamas foram controladas sem ser necessário o acionamento do Corpo
de Bombeiros para o local.
Por volta das 9h30, criminosos
atacaram a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rua 2. Houve
confronto, e um morador foi ferido e socorrido ao Hospital Miguel Couto. Os
criminosos deram tiros a partir da área de mata acima do Túnel Zuzu Angel. Seus
alvos eram as guarnições policiais que realizavam o cerco à comunidade. Os
criminosos chegaram a jogar uma bomba contra policiais da UPP e do 23º Batalhão
(Leblon). O artefato não explodiu, e o Esquadrão Anti-bombas da Polícia Civil
foi acionado para o local.
Houve confrontos com os
criminosos na área de mata. Há policiais do Batalhão de Choque e do Batalhão de
Operações Especiais (Bope) na região. Todos os acessos da favela estão cercados
pela polícia. Um veículo blindado dá apoio aos policiais. Por volta das 10
horas, a Estrada Lagoa-Barra foi interditada, em ambos os sentidos, assim como
o túnel Rafael Mascarenhas.
Policiais do 23ºBPM (Leblon)
reforçaram o policiamento nos arredores de São Conrado em função de devido a
informações do setor de inteligência e do Disque Denúncia informando que
menores teriam sido orientados por criminosos a atear fogo em ônibus. O
objetivo seria desviar atenção dos policiais do cerco da Rocinha.
Os colégios públicos e
particulares que ficam na região fecharam. O Centro de Operações de trânsito
avisou que “devido à operação policial, a recomendação é evitar a região e
optar por vias de ligação entre a zona sul e a zona oeste, como o Alto da Boa
Vista, a Linha Amarela ou a Estrada Grajaú-Jacarepaguá”.
Entenda o que desencadeou a onda de violência na Rocinha
A atual onda de intensos
tiroteios na Rocinha começou no domingo passado, 17, quando o chefe do tráfico
de drogas no morro, Rogério Avelino da Silva, conhecido como Rogério 157, se
desentendeu com o seu antecessor, Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, preso
desde 2011. No domingo, os tiroteios deixaram um morto.
Nem estaria insatisfeito com a
atuação de Rogério 157 e teria tentado expulsar o seu grupo da favela, por meio
de ordens dadas de dentro da prisão. A relação pode ter piorado depois da união
da ADA com a facção paulista PCC. Já Rogério teria matado aliados de seu
antecessor e mandado expulsar Danúbia de Souza Rangel, mulher de Nem, do morro.
Em represália, Nem teria incitado
criminosos da ADA de outros morros, como Vila Vintém, Morro dos Macacos e São
Carlos a tentar retomar a favela. A tentativa, porém, foi frustrada, e Rogério
continua no alto do morro, segundo informações da Polícia. Danúbia, que é
foragida e ostenta alto poder aquisitivo nas redes sociais, também estaria no
local. Os dois corpos carbonizados encontrados pela polícia seriam do grupo de
Rogério.
Na segunda-feira, 18, o porta-voz
da Polícia Militar do Rio, major Ivan Blaz, e o delegado-titular da 11ª DP
(Rocinha), Antônio Ricardo, admitiram que sabiam que poderia haver confronto
entre traficantes na Rocinha no dia anterior. Blaz afirmou que a Polícia
Militar não agiu com mais força para acabar com o confronto porque a
intervenção poderia vitimar moradores. Já Ricardo acrescentou que não sabia que
o confronto, que durou cinco horas, "seria desta proporção".
Na quarta-feira, 20, o governador
do Rio afirmou que soube na madrugada do domingo que haveria confronto entre
traficantes e pediu que a polícia não interviesse, o que causou polêmica.
(Estadão)






