Mas essa meta de convivência começa precisamente na Igreja do país e na
própria comunidade católica, que vive essa nova etapa em meio a uma
profunda polarização. A Colômbia possui, pelo menos segundo as
estatísticas, uma porcentagem muito elevada de fiéis. De seus 49 milhões
de habitantes, mais de 45 milhões são batizados. Na hierarquia católica
e nas bases, contudo, as sensibilidades são conflitantes e as opiniões
divergem sobre a integração da organização insurgente ao sistema. Nesse
contexto, Jorge Mario Bergoglio porá seus seguidores diante do espelho.
“Este é um país que vive um catolicismo majoritário. O Papa vem nos
interpelar como membros da Igreja, falar duro conosco e nos dizer coisas
que achamos convenientes”, avalia Jorge Restrepo, diretor do Centro de
Recursos para a Análise de Conflitos (Cerac) e especialista em religião.
A Igreja, em sua opinião, tem um papel na reconciliação. “Estou certo
de que vai nos dizer mais coisas que vão nos comover como membros da
Igreja, vão nos incomodar”.
Alguns setores católicos ultraconservadores rechaçaram abertamente esta
visita, que começou quarta-feira em Bogotá e termina neste domingo em
Cartagena. Nos últimos meses, a rede de televisão Teleamiga transmitiu
mensagens contra o Pontífice.
Por trás do protesto está o diretor da
emissora, José Galat, que tentou concorrer à presidência em 2010 pelo
Partido Conservador e é reitor da Universidade Gran Colombia. “O canal é
católico, os que não são católicos são os que negam a fé católica, isto
é, os bispos que seguem um Papa que nega as verdades da fé”, declarou. A
posição da Teleamiga provocou a reação da Conferência dos Bispos da
Colômbia, que recomendou aos fiéis não verem esse canal sob o argumento
de que não representa o ensinamento da Igreja Católica. Em carta, os
mais altos representantes do catolicismo no país acusaram o canal de
“ferir gravemente a comunhão da Igreja”.
A unidade da Igreja saiu abalada do plebiscito sobre os acordos de paz
com as Farc convocado pelo Governo de Juan Manuel Santos, católico
praticante, no ano passado. Mesmo sem pronunciamentos explícitos durante
a campanha, foram alguns setores da comunidade católica e os votos dos
evangélicos, que representam 10 milhões de colombianos, que inclinaram a
balança a favor do não. O processo de paz não parou, o Governo assinou
um novo acordo com a guerrilha e agora a Colômbia procura virar a
página. Mas representantes políticos especialmente influentes entre os
fiéis, como o ex-presidente Álvaro Uribe, continuam contrários ao pacto.
O próprio Uribe, por exemplo, escreveu uma carta a Bergoglio em que
lamenta “a impunidade total aos responsáveis por crimes atrozes, sua
elegibilidade política, a autorização legal que receberam para gastar
dinheiro ilícito em suas atividades políticas”.
“De qualquer maneira, é um respaldo ao Governo”, opina Ariel Ávila,
analista da Fundação Paz e Reconciliação, que acredita que o papa
adotará um tom prudente e diplomático para não agitar a sociedade e
aumentar a polarização em vez de revertê-la”. “O papa sabe muito do
processo de paz com as FARC e sobretudo com o ELN”, continua Ávila, que
considera que o importante desta viagem é o conteúdo político.
Muitos católicos que apoiaram a paz e próximos a setores progressistas
comemoram a visita do Papa. Stephanie Salazar é uma das porta-vozes do
movimento Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) Colômbia. Para ela, a
visita do papa Francisco é a oportunidade de abrir um debate do
catolicismo sobre o papel da mulher na Igreja e a defesa de seus
direitos. “Esse é um papa que finalmente tocou num tema que outros não
se atreveram, apesar das críticas”. Pedem à hierarquia eclesiástica da
Colômbia que acolha, durante a visita de seu mais alto representante, a
mensagem sobre a necessidade de acabar com a violência e a discriminação
contra as mulheres. “É um papa que se manifestou sobre a equidade
salarial entre homens e mulheres. É um representante da Igreja
diferente. Esperamos que se pronuncie contra a violência de gênero”, diz
Salazar. Só no ano passado, 731 mulheres foram assassinadas na
Colômbia.
Fonte: El País