São poucos os dispositivos legais que versam sobre animais nas vias
públicas, mas os que existem no Código de Trânsito Brasileiro são
suficientemente claros para a análise que estamos propondo.
Inicialmente faz-se necessário ressaltar que os animais também podem
utilizar as vias, como se observa no conceito de trânsito previsto no
art. 1º, § 1º, do CTB: “Considera-se trânsito a utilização das vias por
pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não,
para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou
descarga”.
O Capítulo III do CTB estabelece a forma como esses animais devem ser conduzidos na via pública:
“Art. 53. Os animais isolados ou em grupos só podem circular nas vias quando conduzidos por um guia, observado o seguinte:
I – para facilitar os deslocamentos, os rebanhos deverão ser divididos
em grupos de tamanho moderado e separados uns dos outros por espaços
suficientes para não obstruir o trânsito;
II – os animais que circularem pela pista de rolamento deverão ser mantidos junto ao bordo da pista.”
Percebe-se no texto da lei que os animais não podem permanecer
sozinhos na via pública sem cuidados por parte de um guia e o Código de
Trânsito ainda determina como eles devem circular para que não imponham
nenhum risco à segurança.
É consenso no Direito brasileiro que o dono ou detentor do animal
responderá pelos danos causados por este, pois é sua obrigação cuidar do
animal de modo que ele não possa causar nenhum tipo de problema a
terceiros. Na hipótese de haver algum acidente, presume-se a omissão
quanto aos cuidados necessários por parte do proprietário e sua
responsabilização.
São vários os julgados acerca do tema e raramente se encontra decisão
que favoreça o dono do animal nas circunstâncias aqui levantadas. A
título de exemplo, vejamos a seguinte decisão:
“REPARAÇÃO DE DANOS. QUEDA DE MOTOCICLETA CAUSADA POR CACHORRO QUE
INVADE A PISTA. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO ANIMAL PELO
PREJUÍZO. DANOS MATERIAIS, DECORRENTES DO CONSERTO DA MOTOCICLETA,
DEVIDAMENTE COMPROVADO. LUCROS CESSANTES QUE MERECEM CONFIRMAÇÃO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
A invasão da pista pelo cachorro é incontroversa, assim como a
responsabilidade do recorrente, proprietário do animal. Quantos aos
lucros cessantes, especificamente impugnados, deve ser considerado que o
autor presta serviço informal de domar e ferrar cavalos, conforme
confirmado pelas testemunhas, tendo ficado 30 dias impossibilitado de
trabalhar, já que quebrou a clavícula. Portanto, revestida de
verossimilhança a perda do ganho de R$ 1.500,00.
(Recurso Cível Nº 71005003454, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas
Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em
24/09/2014)”
As decisões baseiam-se na presunção de culpa constante no art 936 do
Código Civil: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.
Convém destacar que, em regra, presume-se a responsabilidade do dono
do animal, bastando à vítima a prova do dano e do nexo causal para
ensejar o direito de ser indenizado. A exceção é no caso do proprietário
do animal demonstrar a culpa da vítima ou a força maior, conforme o
texto legal citado acima.
Os entes públicos não estão isentos quando se trata de animais soltos
na via, tendo em vista a responsabilidade objetiva prevista no art. 1º,
§ 3º, do CTB. Inclusive, a título de exemplo, o art. 20 do CTB, que
trata das atribuições da Polícia Rodoviária Federal, assim determina:
“III – aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de
trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores
provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta
de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas;”
E ainda no Capítulo XVII, que dispõe sobre as medidas administrativas, temos a seguinte previsão:
“Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das
competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição,
deverá adotar as seguintes medidas administrativas:
[…]
X – recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa
de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus
proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos.”
Nesses casos o animal pode ser leiloado, assim como determina o § 13
do art. 328 do CTB. Aplicam-se as disposições do referido artigo, no que
couber, ao animal recolhido, a qualquer título, e não reclamado por seu
proprietário no prazo de sessenta dias, a contar da data de
recolhimento. A Resolução nº 623/2016 do Conselho Nacional de Trânsito
dispõe sobre esse procedimento administrativo.
Acerca da responsabilidade dos órgãos públicos quando do acidente de
trânsito envolvendo animais soltos nas vias, Arnaldo Rizzardo (A
Reparação nos Acidentes de Trânsito, 2014, p. 146), de maneira muito
clara nos ensina:
“Nos acidentes de trânsito ocorridos nas vias públicas em razão de
animais soltos, além dos respectivos proprietários, podem ser acionados
os concessionários e a própria autarquia, ou o Poder Público que exerce a
jurisdição, se inexistente concessão. Embasa-se essa responsabilidade
no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pois há a prestação de
serviços de vigilância e conservação; no art. 37, § 6º, da Carta Maior,
que responsabiliza objetivamente as pessoas jurídicas de direito
privado, prestadoras de serviços públicos, pelos danos que seus agentes
causarem a terceiros por ação ou omissão; e o art. 1º, §§ 2º e 3º, do
Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23.09.1997), que coloca o
trânsito seguro como um direito de todos e um dever dos órgãos e
entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, os quais
respondem pelos danos causados ao cidadão por omissão ou erro na
manutenção ou execução da segurança do trânsito, inclusive no que
envolve a existência de animais nas pistas.”
Além disso, não podemos deixar de mencionar a possibilidade de
responsabilização no âmbito penal em razão de lesão corporal ou morte
provocada pelo animal, estendendo-se igualmente ao seu dono. No entanto,
sabemos que na prática infelizmente alguns proprietários de animais são
omissos e muitas vezes não assumem sua responsabilidade quando ocorre
um acidente, sem contar os casos em que sequer é possível identificar
essa pessoa que lamentavelmente ficará impune.
GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Professor de Legislação de Trânsito. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”. Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.
GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Professor de Legislação de Trânsito. Coautor do livro “Curso de Legislação de Trânsito”. Criador e colaborador do site Sala de Trânsito.