Um incêndio de grandes proporções atinge neste domingo (2) o Museu Nacional,
na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio. Mais antigo do país e com
acervo com mais de 20 milhões de peças, o museu passava por
dificuldades financeiras geradas pelo corte em seu orçamento.
Cerca de 80 homens de 12 quartéis estão no local combatendo as chamas
desde às 19h30 —ainda há um grande foco de chamas na lateral do prédio.
Parte do interior do edifício já desabou.
O fogo começou depois que o local já havia encerrado a visitação
—tanto do museu quanto do zoológico, que também fica na Quinta da Boa
Vista. Ainda não há informações sobre vítimas.
Segundo o comandante-geral dos bombeiros do Rio, Roberto Robadey, o combate ao fogo foi prejudicado por falta de água nos hidrantes próximos ao edifício. Os bombeiros tiveram que apelar a caminhões-pipa e até para a água do lago próximo.
A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse que ainda
não é possível avaliar a extensão dos danos, mas que acredita que
praticamente todo o acervo foi destruído. Ela afirmou, porém, que
algumas coleções, que estavam em um anexo, foram preservadas.
Serejo conseguiu salvar equipamentos de seu laboratório, que estava
em uma ala que foi atingida pelo fogo mais tarde. “A gente arrombou uma
porta e conseguiu tirar algumas coisas.” Também foi salva a coleção de
tipos de malacologia, que estuda os moluscos.
Ela disse que havia um plano para instalar equipamentos
anti-incêndio, com recursos do contrato para revitalização do museu. “A
gente tinha consciência da fragilidade do museu, mas não deu tempo”,
disse ela.
Do lado de fora, dezenas de pessoas acompanharam o trabalho dos
bombeiros. Uma das frentes tentava isolar parte do edifício que ainda
não havia sido atingida pelo fogo.
“É um prejuízo incalculável. A ciência e a história brasileira
estão sendo queimadas”, lamentou o professor de geologia João Wagner
Alencar Castro, funcionário da UFRJ que chegou ao museu por volta das
21h30 para acompanhar o trabalho de contenção dos danos.
Castro disse estimar que 20% do acervo ainda esteja preservado e que
foi surpreendido pela proporção do incêndio, uma vez que a administração
da instituição fez investimentos em brigada de combate a incêndio
recentemente.
“Estamos muito emocionados. É como se tivesse morrido alguém muito próximo”, afirmou ele.
ACERVO HISTÓRICO
Mais antigo do país, o Museu Nacional é subordinado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e vem passando por dificuldades geradas pelo corte no orçamento para a sua manutenção.
Desde 2014, a instituição não vinha recebendo a verba de R$ 520 mil
anuais que bancam sua manutenção e apresentava sinais visíveis de má
conservação, como pareces descascadas e fios elétricos expostos.
A instituição está instalada em um palacete imperial e completou 200 anos em junho —foi fundada por dom João 6º em 1818.
Seu acervo, com mais de 20 milhões de itens,
tem perfil acadêmico e científico, com coleções focadas em
paleontologia, antropologia e etnologia biológica. Menos de 1%,
porém, estava exposto.
O museu guardava o meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no país, e uma coleção de múmias egípcias. Também o crânio de Luzia, a mulher mais antiga das Américas. Além de coleções de vasos gregos e etruscos (povo que viveu na Etrúria, na península Itálica).
Em maio, o diretor do Museu Nacional Alexander Kellner,
56, criticou a falta de verbas. "O maior acervo é este prédio, um
palácio de 200 anos em que morou dom João 6º, dom Pedro 1º, onde foi
assinada a Independência. A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das
princesas, que não está aberto ao público porque não tenho condições", disse à Folha.
Um terço das salas de exposições estavam fechadas, incluindo algumas
das mais populares, como a que guarda um esqueleto de baleia jubarte e a
do Maxakalisaurus topai —o dinoprata, primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.
Para reabrir a sala, interditada havia cinco meses após um ataque de cupins, o museu armou uma campanha de financiamento coletivo na internet —arrecadou R$ 58 mil, mais do que a meta de R$ 30 mil.
Mas a decadência física do prédio
já era visível para os visitantes, que pagavam R$ 8 pelo ingresso
inteiro. Muitas de suas paredes estavam descascadas, havia fios
elétricos expostos e má conservação generalizada.
No bicentenário, a instituição celebrou com o BNDES um contrato de R$
21,7 milhões para investir em sua restauração. Havia outra negociação
milionária encaminhada para bancar uma grande exposição —a expectativa
era de que cinco das principais salas fossem reabertas até 2019.
Alexandre Kellner dizia ser necessários R$ 300 milhões, investidos ao longo de pelo menos uma década, para executar o Plano Diretor do museu.
O diretor lembrou também que o último presidente a visitar o museu foi Juscelino Kubitschek (1956-1961). "O Brasil não sabe da grandeza, da riqueza disso aqui. Se soubesse, não deixaria chegar neste estado", disse Kellner, em maio.
Neste domingo, o presidente Michel Temer afirmou que
a perda do acervo do Museu Nacional é "incalculável" para o
Brasil. "Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país", disse.
"Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O
valor para nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio
que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos
brasileiros", diz a nota assinada por Temer.
O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que o governo começará nesta segunda-feira (3) a fazer o projeto de reconstrução do Museu Nacional.
"Já falei com o presidente Michel Temer e com o ministro da educação.
Amanhã [segunda-feira] vamos começar a fazer o projeto de reconstrução
do Museu Nacional. Para ver quanto é e como viabilizar", disse.
Historiadores e pesquisadores também lamentarem a tragédia.
A historiadora Mary del Priore disse
que "não é o primeiro museu que queima". "Tivemos a Capela Imperial, na
UFRJ, que foi queimada. Mas as pessoas apenas lamentam depois. Toda vez
que o Museu Nacional precisou de verbas, o apoio da população era zero.
Agora todo mundo chora", afirmou.
O historiador José Murilo de Carvalho
chamou o incêndio de "catástrofe para a história e a cultura
brasileira". "Não é um acervo importante para o Brasil, mas para
pesquisadores internacionais também. Toda a coleção de dom Pedro 2º
[está lá]. Agora nem sabemos se o prédio vai ficar de pé."
A historiadora Heloísa Starling lembrou da coleção da imperatriz Maria Leopoldina, que remonta o início do Museu Nacional.
"Ela tinha um compromisso de fazer circular um conhecimento melhor
sobre o Brasil. E vai fazer isso por meio da botânica e da zoologia. Foi
o que gerou nosso primeiro acervo científico de material de pesquisa.
Fico pensando nela. É uma tragédia", afirmou Starling.
OUTROS MUSEUS INCENDIADOS
Em julho de 1978, um incêndio destruiu quase todo o acervo do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro.
Só da exposição "Geometria sensível" foram devoradas pelo fogo 200
obras —80 eram telas do uruguaio Torres García. Em 40 minutos, o fogo já
havia destruído também duas telas de Picasso, duas de Miró e centenas
de obras de artistas brasileiros. O fogo, iniciado às 3h40m, foi
debelado pelos bombeiros em duas horas e meia.
Do acervo, de mais de mil peças, incluindo também obras de Matisse,
Dalí e Portinari, restaram apenas 50. O estrago foi tamanho que apenas
nos anos 1990 as instituições internacionais voltariam a confiar no país
para abrigar exposições de grande porte.
Mais recentemente, em 2015, o Museu da Língua Portuguesa, na Praça da Luz (região central de São Paulo), também foi atingido por um incêndio de grandes proporções. O bombeiro civil que trabalhava no museu morreu.
No dia da tragédia, o museu estava fechado para o público. Ele tinha
três pavimentos, uma área de 4,3 mil m², e havia sido inaugurado em
2006.
Todo o acervo do museu, porém, era virtual e foi recuperado. Havia
uma linha do tempo de 33 metros para reconstituir todo o caminho da
língua portuguesa, africana e ameríndia até se encontrar no Brasil.
Ainda em obras, a previsão é que o museu reabra as portas no segundo semestre de 2019.
Folha.