Eu não aguento mais. Esse lugar é um inferno", diz o agente
penitenciário, na saída do Complexo Penitenciário de Itaitinga, depois
de mais um dia de trabalho, em meio a um motim. As prisões do Ceará
foram loteadas por facções criminosas, nos últimos dois anos. O domínio
foi repartido pelo tráfico de drogas, e até mesmo a Secretaria de
Justiça e Cidadania (Sejus) passou a fazer arranjos para alocar os
detentos, conforme a organização com a qual simpatiza.
Um documento conseguido com exclusividade pelo Sistema Verdes Mares
revela como a Sejus tem repartido os presos. Em uma apresentação com a
marca do Governo do Estado, a Pasta explica como é feita a divisão das
penitenciárias e Cadeias Públicas. A prova de que a gestão estadual
conhece toda a problemática é o que faltava para arrematar: os detentos
estão por conta do Sistema Penitenciário.
Conforme as estatísticas do Governo, 29.412 presos estão sob custódia do
Estado. Destes, 25.629 estão em regime fechado. A superlotação é um
problema recorrente. O excedente nas grandes unidades é de 66%, e nas
cadeias públicas do Interior chega a 149%. Os números são ainda mais
impactantes se vistos pelo total de vagas, são apenas 13.830 para quase
30 mil pessoas.
Predominantes
Nas grandes unidades, situadas principalmente na Região Metropolitana de
Fortaleza (RMF) a facção carioca Comando Vermelho ocupa quatro
penitenciárias; o Primeiro Comando da Capital (PCC) está concentrado
apenas na Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) III; e a
facção local Guardiões do Estado (GDE) está em outras quatro unidades. A
Família do Norte (FDN) divide a Penitenciária Industrial Regional de
Sobral (Pirs) com o CV. No Centro de Execução Penal e Integração Social
Vasco Damasceno Weyne (Cepis) estão os detentos que não fazem parte - ou
não se declaram - de facções, a chamada 'massa carcerária'.
No Interior do Estado, a situação é muito parecida. Metade dos
equipamentos estão comprometidos O CV predomina em 26 Cadeias Públicas, a
GDE em 23, e o PCC em 20. Conforme a Sejus, 61 cadeias não têm uma
predominância.
Elogio
No documento conseguido pela reportagem consta também um elogio da
titular da Sejus aos agentes penitenciários pela "responsabilidade
profissional e dedicação" com que realizaram a transferência de 4 mil
detentos entre unidades do Sistema Carcerário. As movimentações citadas
por Maria do Perpétuo Socorro França Pinto aconteceram nos dias 3, 4 e 5
de janeiro de 2017 , e deram a nova configuração às penitenciárias. A
partir de então o Sistema passou a ser dividido por facção. Já no Centro
de Triagem o detento diz onde pode estar "mais seguro".
Exagero
Um policial civil do Ceará, que atuou nas investigações do crime
organizado depois da criação da GDE, em 2012, disse que a situação foi
dada como 'exagero' no início. "Parecia que falávamos idiomas
diferentes. Não sei se de fato não entendiam ou se preferiam acreditar
que não se transformaria em um grande problema. O que descobrimos na
época demonstrava que as coisas tendiam a se agravar".
O policial diz que o fortalecimento das organizações criminosas foi
muito maior, após a junção de detentos simpatizantes em uma só
penitenciária. "Eles passam o dia juntos maquinando crimes. Exigiram
ficar no mesmo espaço exatamente para isto. Não se pode dizer que eles
controlam, porque, teoricamente, detento não manda em equipamento do
Estado. Detento ditar regra na cadeia não é controle, é desmoralização".
Questionado sobre o que teria sido determinante para o loteamento nas
penitenciárias, ele disse que foi necessário para evitar um massacre.
"Não é que o governador tenha ido ao presídio fazer acordo, nem que um
criminoso tenha ido ao gabinete dele. As regras são implícitas: nem o
governo avança para cortar regalias, nem os presos aterrorizam a
população".
O investigador pontua que o posicionamento do Estado mudou, com o
aumento dos homicídios, em 2017. "O que eles diziam que era resultado
das políticas públicas do Governo, se tornou problema da União de um ano
para o outro. Agora, que as execuções caíram de novo, voltam a dizer
que o Estado tem agido para a redução. Não tem nenhuma política pública
em andamento que determine esses altos e baixos. As adaptações entre
facções é que estão sendo as responsáveis por isso. Executaram cinco mil
pessoas no Ceará, em 2017. Claro que esse número iria cair. Claro que
uma hora ia se ajustar".
Diário do Nordeste