A mula é um animal dócil,
lembrado pela submissão ao condutor no transporte de cargas. Metaforicamente,
no sistema do tráfico de drogas, 'mula' se refere a quem entrega drogas a mando
de alguém. No Ceará, a função é realizada por pessoas de diferentes perfis. Mas
tem sido cada vez mais comum a presença de mulheres, que ocupam uma das tarefas
de maior risco na teia do narcotráfico, expostas à ação policial, a despeito de
uma remuneração bem mais modesta - muitas vezes utilizada apenas para sustentar
a própria família.
Na madrugada da última quinta
(14), Samya Santiago de Lima, 21 anos, subiu na garupa da moto de Eduarda Sousa
de Paula, 20. Nas costas, carregava uma mochila com três quilos de maconha. A
missão era relativamente simples: transportá-la a um posto de combustíveis na
BR-222, em Maracanaú, e trocá-la pela bolsa com R$ 2 mil levada até lá por
Lucas Carvalho Viana de Sousa, de 22 anos. No entanto, a transação das três
'mulas' foi frustrada por uma ação da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas
(DCTD), da Polícia Civil do Ceará.
De acordo com o delegado
Marciliano Ribeiro, da 1ª Delegacia de Narcóticos da DCTD, apenas Lucas possuía
ocupação. Trabalhava na Central de Abastecimento do Ceará (Ceasa) para
sustentar três filhos. Por outro lado, as duas mulheres estão desempregadas e
já têm dois filhos cada uma. Nenhum dos três tinha antecedentes criminais, mas
foram seduzidos pelo "dinheiro fácil" do tráfico.
Samya e Eduarda comentaram, em
depoimento, que receberiam R$ 300 pelo serviço. "É uma das formas do
traficante maior se afastar da possibilidade de ser preso. Para elas, é um
tráfico de subsistência. Vale a pena a Polícia trabalhar nisso? Lógico, estamos
tirando droga de circulação. Mas se pegarmos por esse lado da vulnerabilidade,
é complicado", reconhece o profissional.
Invisíveis
O diretor da Divisão, Pedro
Viana, ressalta que o tráfico prefere usar pessoas que possam passar
despercebidas pelas fiscalizações. Dentre as 'mulas', estão adolescentes e
idosos, mas tem havido cada vez mais o envolvimento de mulheres, algumas até
grávidas ou com crianças de colo. A faixa etária da maioria varia de menos de
18 a 25 anos.
As motivações são variadas.
"Vai desde aquela que efetivamente está sem oportunidade de emprego e não
consegue mais sair do crime; passando por aquela que, por questão de moda,
passa a usar droga e precisa fazer o trabalho pra sustentar o próprio vício; até
aquela que, por conta da prisão do companheiro, passa a fazer o trabalho, por
necessidade ou por ordem dele", explica o delegado.
No entanto, as 'mulas' são apenas
a ponta da cadeia, "mão de obra muito barata e de fácil
substituição". Por isso, destaca Viana, a nova diretriz da DCTD é avançar
nas diligências para encontrar "os grandes", inclusive enveredando no
combate à lavagem de dinheiro. "Só assim, promovendo essa 'asfixia' nas
finanças do tráfico, é que vamos dar respostas com maior efetividade", avisa.
Apreensões
Só na última semana, três outras
mulheres foram presas no Ceará transportando entorpecentes em ônibus de viagem.
No dia 7 de janeiro, Adriana dos Santos Batista, 31, foi capturada na
rodoviária de Juazeiro do Norte. Dois dias depois, policiais da Força Tática
prenderam Janaina Machado Ponte, 20, a caminho de Sobral. Com ela, foram
encontrados dez pacotes de cocaína, pesando cerca de 7,5 kg, e um embrulho de
crack em torno de 250 gramas.
Já no dia 11, policiais do
Batalhão de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (BPRaio)
apreenderam aproximadamente seis quilos de maconha, em Aracati. A droga estava
na bolsa de Dayana Sasha da Silva Sobreira, 21, que viajava num dos primeiros
assentos do veículo. Os militares receberam informações de que ela tinha como
destino o Litoral Leste.
Segundo o chefe do Núcleo de
Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Fernando Alves, só
neste ano foram apreendidos 200 kg de drogas nas rodovias federais que passam
pelo Ceará. "A gente tem um trabalho diário de abordagens, principalmente
em ônibus interestaduais. Essa quantidade grande que caiu foi devido ao aumento
de efetivo. Mais policiais na rua, maior resultado", destaca Alves.
Diário do Nordeste