Com uma virada no placar, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta
quinta-feira (14), por 6 votos a 5, que crimes como corrupção e lavagem
de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois, devem ser
processados na Justiça Eleitoral, e não na Federal, como queria a
Procuradoria-Geral da República e os membros da Lava Jato.
A procuradora-geral, Raquel Dodge, e procuradores da força-tarefa em
Curitiba afirmam que a Justiça Eleitoral não é estruturada para julgar
crimes complexos e que nela pode haver impunidade. Dodge também
sustentou que a Constituição determina que crimes contra o patrimônio da
União sejam processados na Justiça Federal.
A maioria do Supremo entendeu diferentemente, impondo uma derrota ao
Ministério Público. Para seis ministros, o Código Eleitoral é claro ao
definir que cabe aos juízes eleitorais processar os crimes eleitorais e
também os crimes comuns - como corrupção - que lhes forem conexos.
Votaram desse modo os ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da
corte, Dias Toffoli. Coube a Toffoli desempatar o julgamento. Do outro
lado, atenderam ao pleito da PGR Edson Fachin, Luís Roberto Barroso,
Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Segunda turma
O placar final no plenário consolidou o que a Segunda Turma do STF,
responsável pela Operação Lava Jato, já vinha fazendo: investigações
sobre políticos suspeitos de caixa dois e, ao mesmo tempo, de corrupção
devem ser remetidas aos tribunais eleitorais. Assim, político que
recebeu propina desviada de obras públicas e usou parte do dinheiro na
campanha será processado na Justiça Eleitoral.
Essa vem sendo, segundo a maioria dos ministros, a jurisprudência da
Corte nos últimos 30 anos. Um inquérito sobre o ex-presidente Michel
Temer (MDB) e os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, por
exemplo, foi enviado à Justiça Eleitoral de São Paulo.
Eles são suspeitos de negociar, em um jantar no Palácio do Jaburu, R$ 10
milhões de doação ilegal da Odebrecht para campanhas do MDB e R$ 4
milhões de propina de obras no Aeroporto do Galeão, no Rio - o que as
defesas negam. A PGR queria que investigações do tipo fossem divididas,
para que o caixa dois (dinheiro não declarado para campanha) fosse
julgado na Justiça Eleitoral e a corrupção (propina em contratos
públicos), na Justiça Federal.
Ofensiva
Mesmo que uma investigação seja remetida para um tribunal eleitoral, o
juiz eleitoral pode, depois de analisá-la, entender que a atribuição
deveria ser da Justiça Federal. Na linguagem jurídica, ele declina da
competência em favor da Justiça Federal.
Nas últimas semanas, procuradores fizeram uma ofensiva pública contra a
remessa de processos à Justiça Eleitoral. Um dos principais nomes da
Lava Jato, Deltan Dallagnol disse que essa definição seria catastrófica e
poderia levar à anulação de casos já julgados na Justiça Federal.
Já Raquel Dodge disse que não vê risco de anulação. "Eu não vejo esse
risco neste momento, mas é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e
não perder o foco".
O Supremo discutiu as atribuições da Justiça Eleitoral a partir de um
caso concreto, um inquérito sobre o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e a
Odebrecht. Ele é suspeito de envolvimento em corrupção, evasão de
divisas e caixa dois em 2012, quando seu aliado, Eduardo Paes (então no
MDB, hoje no DEM), foi reeleito prefeito do Rio de Janeiro. Acompanhando
o relator, o ministro Marco Aurélio, a maioria do plenário do Supremo
enviou a apuração para a Justiça Eleitoral do Rio.
Anulação de casos julgados em pauta
Para a advogada Carla Karpstein, especialista em Direito Eleitoral,
“sempre há risco de anulação” dos processos. “(Na Justiça Eleitoral), os
advogados vão dizer que as provas são nulas porque não foram produzidas
ali. E, na comum, em casos que já foram julgados ou estão em
tramitação, vão argumentar que houve nulidade porque a Justiça não tinha
competência (para julgar caixa dois)”.
Mas ela ressalta que isso ainda vai depender do entendimento dos
tribunais superiores, e questiona o argumento de que a Justiça Eleitoral
não pune. “Isso é muito mais folclórico do que real”, afirma.
Karpstein admite que denúncias pelo crime de caixa dois são mais raras
nessas cortes, mas cita casos em que a prática motivou uma condenação
cível-eleitoral. Para ela, há uma grande chance de a Justiça Eleitoral
aproveitar as provas que vierem da Justiça comum, e, assim, sentenciar
com celeridade os casos de caixa dois que lhe forem remetidos.
UOL