Foram quatro dias de constante medo. Desde o anúncio do risco de
rompimento do Açude Granjeiro, situado entre as cidades de Ubajara e
Ibiapina, até a abertura do novo sangradouro, na manhã de ontem, se
passaram 73 horas. Hoje, a rotina começou a voltar ao normal. As 513
famílias que vivem à margem do rio, e próximo ao açude, retornaram
gradualmente a suas casas.
Elas deixaram suas residências, na noite de sábado (16), quando a
Defesa Civil e a Agência Nacional de Águas (ANA) constataram "risco
elevado" de rompimento da barragem, construída há 35 anos. A medida foi
adotada após o reservatório atingir sua cota máxima pela primeira vez na
história e começou a sangrar. A força da água pôs em perigo a estrutura
do açude. Com o risco iminente de rompimento, mais de três mil pessoas
que moram próximo à barragem tiveram que deixar suas casas.
Ontem, operários iniciaram o processo de abertura de um vertedouro de
4 metros de extensão por 10 metros de altura como medida emergencial
para evitar o rompimento da barragem. Às 11h47, o trabalho com o
objetivo de reduzir o volume de água foi finalizado. A expectativa, de
acordo com a Agência Nacional de Açudes (ANA), é que ocorra redução de 2
metros do nível da água, o que representa 50% de sua capacidade total.
De acordo com o especialista da ANA, Rogério Menescal, a partir do
meio-dia de hoje, isto é, 24 horas após a conclusão dos trabalhos, as
famílias que foram retiradas da área de risco poderão retornar aos seus
imóveis. "Com o volume do açude reduzido, não haverá mais nenhum tipo de
risco", pontuou. A medida, no entanto, depende de uma sinalização
positiva da Defesa Civil de Ubajara.
Algumas famílias nem esperaram e já retornaram às suas casas no fim
da tarde de ontem. "Depois que concluíram a abertura do vertedouro,
voltei pra minha casa. Deixamos nossos animais e plantação para trás,
tinha que voltar pra cuidar de tudo, tocar a vida pra frente", conta o
agricultor Francisco Pereira César, 79, que retornou para seu imóvel, na
comunidade de Trizidela, mesmo sem autorização da Defesa Civil.
"Ninguém autorizou, mas eu já me sentia seguro", pontuou.
Vencendo o medo
Segurança que não foi experimentada nos últimos dias. "Ninguém
dormia", relembra Celma Oliveira Silva, 48, moradora da Comunidade
Jurubeba, distante 6km do Açude Granjeiro. Ela foi uma das poucas que
contrariou a orientação da Defesa Civil e permaneceu em casa. "Não tinha
como sair e deixar tudo para trás. Minha filha e netas saíram, foram
para a casa de parentes. Eu permaneci. Dormi fora um dia, mas, logo ao
amanhecer, estava de volta. Ainda assim, o medo era constante",
explicou.
Os sentimentos vivenciados por Francisco Pereira foram além. Em
poucas palavras descreve os últimos dias. "Foi assustador. Foram os dias
mais tensos da minha vida", conta emocionado. Outros moradores
regressam ao longo de hoje, como é o caso de Maria de Lurdes Rodrigues
Silva, 45. Ela saiu de casa na madrugada de sábado, com o esposo, filha e
sua neta, recém-nascida. "No meio da noite, saímos catando o que cabia
nos braços e abandonamos a casa. Aqui no Complexo Mãe Rainha, temos toda
estrutura, boa refeição e tudo mais, mas está na hora de voltar, cuidar
da lavoura, dos bichos", conta.
Famílias de oito comunidades ribeirinhas tiveram pouco tempo para
deixar suas casas. "Foi apavorante", relembra a agricultora Maria do
Socorro do Nascimento. Na comunidade em que ela vive, conhecida como
Trizidela, outras 29 famílias saíram às pressas de suas residências.
"Não deu tempo pegar quase nada. Só a roupa do corpo, algumas camisas e
os documentos", recorda Mardone Mesquita, de 33 anos.
Para as 32 crianças que estão alojadas no Complexo, esta quarta-feira
marca o recomeço dos estudos. Paralisadas na segunda-feira, as aulas
reiniciam hoje.
Responsabilidade
Por se tratar de um açude particular, da empresa Agroserra, e nenhum
órgão público fazer o usufruto de suas águas, o reservatório Granjeiro
não é monitorado pela Cogerh. "Sua manutenção é de inteira
responsabilidade do proprietário que, ao longo de décadas, foi
negligente com os cuidados requisitados ao açude", pondera Rogério
Menescal, da ANA. Sem acompanhamento técnico e somado às chuvas fortes
que caíram na região nas últimas semanas, o açude encheu e passou a
apresentar "risco elevado à população", conforme analisou o relatório da
ANA.
Conforme a Agência, o proprietário da empresa Agroserra, Avelino
Forte, deverá arcar com os custos da obra do vertedouro. "O montante
empregado para a abertura do novo sangradouro será apropriado e
judicialmente cobrado ao proprietário do reservatório", destacou
Menescal. Os custos totais, no entanto, não foram revelados.
Emergencial, a obra foi custeada pelos governos municipal e estadual.
Segundo Forte, a usina que existia no local deixou de funcionar em
2010. Por não usufruir da estrutura desde então, o empresário acredita
não ter responsabilidade sobre o açude. "Pelo meu conhecimento, as
máquinas são da Prefeitura. Quem se serve daquela água é o pessoal de
Ubajara, Ibiapina. O maior problema é se a barragem secar. O prejuízo é
para as pessoas do Município. Eu não tenho lucro nenhum com ele, não o
utilizo".
O prefeito de Ubajara, Renê Vasconcelos, disse que todos os gastos da
operação estão sendo contabilizados e serão ressarcidos ao Município
pela Defesa Civil Nacional e pela Agência Nacional de Águas.
Futuro
Ainda conforme Menescal, após a estabilização da parede e a
eliminação completa de todos os riscos, a ANA estudará uma alternativa
para o reservatório. Caso ele não seja apropriado pelo poder público,
que passaria a ter gerência sobre a manutenção, a tendência é que o
açude seja completamente esvaziado. "Se não houver garantia de
manutenção, ele será extinto", afirmou Menescal.
A medida, ainda que habite no campo da especulação, causa receio de
quem depende dele para sobreviver. "Se esse açude acabar, acabaremos
juntos com ele. Nossa plantação depende dele. A alimentação dos animais e
nosso sustento dependem das águas do Açude Granjeiro", relata o
agricultor Iraldo Carvalho de Mesquita, 51 anos.
(Diário do Nordeste)