Muito se fala da valorosa importância dos açudes - sejam eles de pequeno, médio ou grande portes - para amenizar o problema da escassez de recursos hídricos, sobretudo no Nordeste. O que é pouco explorado, no entanto, são os riscos que eles representam quando construídos de forma irregular ou quando não possuem manutenção adequada.
No sertão cearense há milhares de barreiros e açudes construídos de
forma aleatória, em propriedades particulares, represando riachos e
córregos em benefício de um limitado número de pessoas.
O problema é que a maioria é feita sem acompanhamento técnico ou por
engenheiro e empresa especializada em obra hidráulica e geologia. Além
do risco de rompimento da estrutura, represar afluentes sem estudo
prévio pode gerar impactos negativos em açudes de grande importância
para o Estado.
De acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos do Estado Ceará (SRH),
"todas as barragens, independentemente das especificações técnicas,
devem ser obrigatoriamente outorgadas e incorporadas ao Cadastro
Estadual de Barragens". Isto é, para que um açude seja construído, a
Pasta deve emitir uma licença.
Riscos
Ontem, o Sistema Verdes Mares noticiou o risco iminente do rompimento da
parede do Açude Luiz Carlos, em Pacajus. Construído há 40 anos, o
reservatório, que está sangrando há quatro dias, apresenta diversos
problemas estruturais em sua barragem. O açude sofreu apenas três
intervenções ao longo de quatro décadas.
O drama das oito mil pessoas que moram no bairro Coaçu, onde o Açude
Luiz Carlos foi construído de forma irregular, é compartilhado por mais
de três mil moradores de uma comunidade em Ubajara.
O Açude Granjeiro, que fica entre as cidades de Ibiapina e Ubajara,
também apresentava risco de rompimento. Uma força-tarefa foi montada
entre Defesa Civil do Estado, Agência Nacional das Águas (ANA), poder
público municipal e a população para conter a água. Cerca de 12 mil
sacos de areia foram utilizados como medida emergencial para diminuir os
riscos.
Estes não são casos isolados. Em recente relatório apresentado pela
Agência Nacional de Águas, oito açudes cearenses, todos eles monitorados
pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), estão em
situação de alto risco.
Responsabilidade
A Cogerh monitora, atualmente, 155 açudes no Estado. Todos os outros
reservatórios cearenses são de responsabilidade da SRH. A Pasta possui a
incumbência de fiscalizar esses açudes. Entretanto, conforme a
Secretaria, por serem construídos de forma irregular, "esses açudes não
existem oficialmente. Não há, portanto, como fiscalizá-los".
Como forma de aumentar os domínios de fiscalização, a SRH notificou
todos os 184 municípios do Estado. Apenas 24 responderam, informando
quais deles possuem açudes particulares. O presidente do Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), Emanuel Maia
Mota, observa que o órgão está atento à questão, mas reconhece
dificuldades de fiscalização nos 184 municípios cearenses com um quadro
de apenas 40 fiscais.
"Os bancos financiadores devem exigir a documentação ART (Anotação de
Responsabilidade Técnica) e essas obras devem ser executadas por
empresas com corpo técnico qualificado", frisa. "É uma temeridade a
execução de açudes por práticos, além de ser crime", completa.
Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da
Universidade Federal do Ceará, Silvano Dantas, observa que os
reservatórios de pequeno porte deveriam ser projetados e construídos
seguindo os princípios mínimos de engenharia. "Deve ser uma empresa com
equipamentos e pessoal preparado", defende.
Ainda conforme Dantas, o número destes açudes construídos sem a devida
legalização no Estado é grande. "Não temos como prever a situação atual.
Estamos ao deus-dará", finaliza.
Diário do Nordeste