A cidade despreparada para a chuva

 


A Cidade vai se construindo num desordenado: aterra lagoa, enxerga pouco quem mora em área de risco, polui rio, atravessa de asfalto um riacho, dá de ombros para os afluentes e acumula, dia após dia, lixo cujo destino certo é entupir bueiro. Daí que chove, e o que era para ser dádiva vira caos.


Rodovia sem manutenção esburaca; escola alaga; do Lagamar ao Pirambu a água dá na canela e adentra as casas; andar de carro e de moto carece de uma dose de coragem - e se for na Heráclito Graça, um pouco de loucura também. O roteiro não é novidade para ninguém, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme)repete mais que o tilintar dos vendedores de chegadinha: fevereiro, março, abril e maio são meses de chuva. E por mais que a gente amargue a seca, não há cearense que não guarde a esperança de que chova.


Para quem tem entranhado nas raízes a falta que a chuva faz, ver o céu tocar o chão deve ser alegria. Chuva é calor aplacado, é açude enchendo, é água que depois vem para torneira, é alimento no prato do agricultor, é fé, é sertão verdinho, e pulmão cheio de cheiro de terra molhada. Chuva é brincadeira de menino em bica, é cachoeira que volta a brotar, é cisterna que se recarrega. Chuva é um religar-se e é também pertença.


Mas e aí se chuva é certa (mesmo que haja anos em que o céu sovine umas gotinhas), por que quando chove as cenas se repetem? A resposta está no descaso. Se não se projetou uma Cidade menos desigual, há a Fortaleza que perde os pertences para água; se não se trabalhou a educação ambiental, o lixo volta para dentro de casa; se não houve respeito, a natureza dá seu jeito de cobrar a conta. É uma culpa compartilhada: é minha, do caro leitor, do Poder Público. Só não é da chuva. 



O POVO

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