Apesar de oportunidade para exportadores, toda a cadeia está atenta à ampliação do contágio
"Essa é uma questão de 'game
change', muda o jogo no setor todo", diz Douglas Coelho, da Radar
Investimentos quando o assunto é a peste suína africana que já dizimou milhões
de suínos na China, país que conta com o maior plantel mundial. A doença já se
alastrou por toda a nação, vem se agravando e já acomete também outros países
da Ásia, como Vietnã, Japão, Mongólia, Camboja. Partes da Europa também já
registram casos.
Em uma manchete nesta
sexta-feira, 26 de abril, o jornal norte-americano The Wall Street Journal
alerta: Após devastar a China, peste suína africana ameaça se tornar global.
Mapa mostra casos de peste suína africana em três continentes até 4 de
abril - Fonte: OIE e Bloomberg
Com a possibilidade de chegar aos
EUA, especialistas já fazem levantamentos dos impactos para o país. Um estudo
do professor de economia Dermont Hayes, da Universidade Estadual de Iowa,
mostra que no primeiro ano de um surto da doença em território norte-americano
causaria uma perda financeira de US$ 8 bilhões para produtores de carne suína,
US$ 4 bilhões para a indústria do milho e US$ 1,5 bilhão para a soja.
De acordo com a Bloomberg,
agentes federais norte-americanos apreenderam 454 toneladas de carne suína
contrabandeada da China para o porto de Nova Jersey, a maior apreensão de
produtos agrícolas do país. E estas operações ilegais, segundo especialistas,
são os maiores riscos para ampliar a área de contágio pela doença.
No Brasil, o Ministério da
Agricultura também alinhou seus trabalhos e intensificou as medidas para evitar
o ingresso do vírus no país.
"As ações de fiscalização
foram intensificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) para evitar o ingresso no país do vírus da Peste Suína Africana (PSA),
que afeta o rebanho chinês.A vigilância agropecuária internacional é de suma
importância para proteger o rebanho brasileiro, observou o secretário de Defesa
Agropecuária do Mapa, José Guilherme Leal", disse uma nota da pasta.
As mudanças causadas pela
epidemia são bastante profundas e os impactos causados ainda podem levar anos
para serem revertidos. A indústria de carne suína chinesa já sente severamente
o quadro, uma vez que desde agosto de 2018 já foram abatidos mais de 1 milhão
de animais, de acordo informações do escritório de veterinário do Ministério de
Agricultura e Assuntos Rurais da China.
O número de matrizes já apresenta
um recuo de 21% em março se comparado ao mesmo mês do ano passado, o que irá
acarretar em problemas futuros. Do mesmo modo, somente na primeira semana do
mês de março os preços da carne suína subiram 2,1% em relação ao mesmo período
de 2018. Na primeira semana de abril, porém, a alta já doi de 36%.
A carne suína é mais consumida da
China. O país vive o ano do porco em 2019, segundo o calendário lunar - muito
importante para os chineses - e todos os fatores convergem para preços cada vez
mais altos frente a estoques cada vez mais ajustados. Afinal, além das mortes
de animais já contabilizadas, o país enfrenta dificuldades em controlar a peste
e mais de 70% dos produtores têm evitado recompor seus rebanhos.
"A produção de carne suína
irá cair ainda mais, e os estoques ficarão muito restritos. Os preços do suíno
vivo irão alcançar uma nova máxima histórica no quarto trimestre deste
ano", explica o representante do ministério chinês, Wang Junxun ao site
local South China Morning Post.
Números da FAO, o braço da ONU
(Organização das Nações Unidas para alimentação e agricultura, compilados pela
Reuters Internacional e pela BBC, dão dimensão do consumo de carne de porco na
China em uma comparação com os EUA. Em 1995, os chineses abateram mais de 406
milhões de porcos para alimentação, enquanto nos EUA foram 94,5 milhões. Em
2014, esses números passaram para, respectivamente, mais de 735 milhões na
nação asiátcias e chegaram a pouco mais de 106 milhões na norte-americana, como
mostra o infográfico a seguir.
Ainda segundo o escritório, a
nação asiática ainda possuia, no final de março 375 milhões de animais -
contando matrizes, porcos e leitões - contra 428 milhões no final de dezembro.
A baixa, segundo Junxun foi bastante rápida.
Os números são bastante
preocupantes, no entanto, na avaliação de especialistas nacionais e
internacionais poderiam ser bem piores. Por ser um país muito fechado, os dados
da China poderiam mostrar apenas uma parte do problema, segundo representantes
de indústrias que tiveram acesso à informações confidenciais, diz o South China
Morning Post.
"A questão da peste suína em
grandes fazendas produtoras é muito séria, mas o governo não está reportando
tudo o que está havendo", disse uma das fontes ao site chinês. E
acrescentou dizendo que as perdas pela doença nas grandes propriedades de
suínos podem chegar a algo entre 30% e 40%. Há muitos casos que são
identificados e não estão sendo reportados.
Douglas Coelho concorda com a
declaração. "O problema pode ser muito maior do que o está sendo divulgado
neste momento", diz. E completa dizendo que somente um país não será capaz
de atender a todo esse gap da demanda chinesa por carne suína, entretanto,
alerta para todas as questões políticas que estão envolvidas no caso nas atuais
circunstâncias.
"A China já fez algumas
compras nos EUA com volumes nunca vistos antes, mas só um país será
insuficiente. Assim, a expectativa é de que se voltem ainda mais para o Brasil,
que é o principal celeiro agora", diz. E isso acontece mesmo com a taxação
imposta pelos chineses sobra a carne suína norte-americana de 62%. "Mas
eles irão ampliar suas compras onde conseguirem".
Segundo o executivo, o dia D para
o mercado de proteínas do Brasil é 6 de maio, quando a ministra da Agricultura
Tereza Cristina vai à China na intenção de ampliar este mercado e trabalhar na
habilitação de mais algumas plantas frigoríficas brasileiras.
Em novembro último, o Brasil
recebeu uma missão oficial da China para a inspeção de frigoríficos nacionais e
as expectativas eram de que as habilitações para 78 plantas seriam efetivadas
nesta data, o que não aconteceu. Agora, será tarefa da ministra, em sua
primeira viagem oficial, concluir essas relações.
"Vamos acreditar na ministra
e no trabalho dela e de sua equipe por lá. As expectativas do setor como um
todo são bastante positivas, mas há todas essas questões políticas que precisam
ser consideradas, entre China e EUA, Brasil e EUA. Mas é preciso ver tudo isso
como uma grande oportunidade", acredita Coelho.
Atualmente, quem já exporta
carnes para a China são as cinco gigantes dos alimentos no Brasil, no entanto,
ainda como explica o executivo, para atender toda essa demanda da nação
asiática, o Brasil precisará ter seus frigoríficos menores também habilitados.
"Quem conseguir essa habilitação terá grandes oportunidades. Isso, depois
de alguns problemas enfrentados, poderá oxigenar todo o setor. E este é um
setor de margens estreitas, que pode ver uma melhora com esse cenário".
O representante de uma trading
estatal de suínos do país resume com rapidez a gravidade do problema.
"Toda a produção de porcos do mundo seria ainda insuficiente apra a China.
Os mais de 20 milhões de animais criados na Dinamarca poderiam satisfazer a demanda
apenas de uma cidade chinesa".
As últimas projeções do USDA
(Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) indicam que a China irá
aumentar suas importações de carne suína em 33% este ano em relação ao
anterior, com o volume total podendo chegar a 2 milhões de toneladas. Somente
nos dois primeiros meses de 2019, as compras chinesas foram de 207 mil
toneladas.
Desde 1º de agosto, quando os
primeiros casos começaram a ser registrados, os futuros dos suínos negociados
nas bolsas norte-americanas subiram mas de 30%. No mesmo período, as ações da
brasileira JBS mais do que dobraram de valor.
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