Mais da metade dos brasileiros (57%) que usaram
remédios nos últimos seis meses se automedicou mesmo tendo uma
prescrição médica, alterando a dose do medicamento por conta própria. De
uma forma geral, 77% da população se automedica.
Os dados são de pesquisa Datafolha, encomendada pelo CFF (Conselho
Federal de Farmácia), que subsidiará uma campanha nacional de
conscientização sobre o uso racional de medicamentos que começa nesta
segunda (29).
Foram entrevistadas 2.074 pessoas de todas as regiões do o país,
incluindo capitais, regiões metropolitanas e cidades do interior, de
diferentes portes. O nível de confiança da pesquisa é de 95%.
Entre os entrevistados, 57% relataram que passaram por consulta
médica, tiveram um diagnóstico, receberam uma receita, mas não usaram o
medicamento conforme orientado, alterando a dose prescrita.
O comportamento foi relatado especialmente por homens (60%) e jovens
de 16 a 24 anos (69%). A redução da dose de pelo menos um dos remédios
prescritos foi a alteração mais frequente (37%).
O principal motivo alegado foi a sensação de que “o medicamento fez
mal” ou “a doença já estava controlada”. Para 17%, o motivo que
justificou a atitude foi o custo do medicamento (“ele é muito caro”).
Segundo o presidente do CFF, Walter da Silva Jorge João, grande parte desse problema está relacionada às consultas rápidas em que o médico mal olha para o paciente.
“Ele sai do consultório cheio de dúvida, não entende a prescrição, toma
do seu jeito ou abandona o tratamento quando se sente melhor”, afirma.
O clínico-geral Paulo Olzon, professor da Unifesp, concorda. “Há
planos que pagam R$ 20 a consulta. O médico faz cinco em uma hora, 12
minutos por paciente. Como você estabelece uma relação de confiança, que possibilite adesão ao tratamento, nessas circunstâncias?”, questiona.
Ele diz que isso ocorre especialmente com os doentes crônicos (diabéticos ou hipertensos, por exemplo), que tendem a relaxar porque acham que conhecem a sua doença. “Acontece também com quem toma antidepressivos e ansiolíticos. Quando melhoram dos sintomas, acham que estão bons e param”, explica.
A aposentada Isaura Batista Soares, 76, costuma tomar metade da dose da estatina (medicamento para o controle do colesterol) prescrita pelo médico e, às vezes, interrompe o uso por semanas.
“Sinto muita dor no corpo, sei que é por causa do remédio. Já me queixei, mas o médico diz que é assim mesmo.”
Para o infectologista Esper Kallas, professor da USP, é preciso
encontrar estratégias a partir das queixas dos pacientes que ajudem na
adesão ao tratamento, por exemplo, trocando a medicação em casos de
efeitos colaterais.
“As medicações de uso contínuo provocam fadiga, o paciente se cansa.
No tratamento do HIV, a taxa de adesão cai 1% ao ano”, conta.
Ele lembra de um paciente HIV soropositivo que um dia lhe contou que fazia 20 anos que ele tomava apenas metade da dose dos antirretrovirais indicada.
“E eu me achando o máximo por ele ter aderido tão bem ao tratamento
naqueles anos. Era um paciente muito magro e a metade da dose funcionou
para ele. Mas sempre é um risco grande esse tipo de comportamento”,
afirma.
A pesquisa Datafolha também mostrou que 22% dos entrevistados tiveram
dúvidas, mesmo em relação aos remédios prescritos, principalmente sobre
a dose (volume e tempo) e alguma eventual contraindicação.
Cerca de um terço deles não procurou esclarecer essas dúvidas e,
desses, a maioria parou de usar o medicamento. Depois do médico, a internet
e a bula foram as principais fontes de informação. Os farmacêuticos
foram a quarta fonte mais consultada, citados por 6% dos entrevistados.
Segundo Jorge João, do CFF, uma das metas da campanha será também
mostrar para a população que ela pode contar mais com o farmacêutico,
profissional da saúde especialista em medicamentos e que tem sido
capacitado para o cuidado do paciente.
“Muita gente não sabe, mas o farmacêutico pode inclusive receitar
medicamentos isentos de prescrição. É sempre mais seguro contar com o
auxílio desses profissionais do que utilizar medicamentos por conta
própria”, afirma.
Atualmente, 2.700 farmácias (especialmente das grandes redes) contam
com consultórios farmacêuticos, em que os profissionais não só
prescrevem como orientam pacientes com doenças crônicas sobre uso de
medicamentos, aplicam vacinação e fazem testes rápidos.
Entre os 77% dos brasileiros que se automedicaram os últimos seis
meses, um quarto (25%) o faz todo dia ou pelo menos uma vez por semana.
Em relação ao uso de medicamentos sem prescrição, a frequência da
automedicação é maior entre as mulheres. Mais da metade das
entrevistadas (53%) informou usar remédios por conta própria pelo menos
uma vez ao mês.
Familiares, amigos e vizinhos foram citados como os principais
influenciadores na escolha desses medicamentos (25%). Um quinto (21%)
dos entrevistados aponta as farmácias como a segunda fonte de informação
e indicação.
“Durante a campanha, vamos compartilhar esses dados com os
farmacêuticos de todo o país. Com base neles, eles poderão planejar
melhor ações de orientação e conscientização”, explica Jorge João.
A pesquisa também identificou os medicamentos mais utilizados pelos brasileiros nos últimos seis meses. Analgésicos e antitérmicos lideram, com 50%, seguidos pelos antibióticos (42%) e pelos relaxantes musculares (24%).
O uso de antibióticos foi maior nas regiões Centro-Oeste e Norte
(50%). A maioria dos brasileiros (88%) compra os medicamentos que
utiliza. Menos de um terço (30%) consegue esses produtos na rede pública
de saúde.
(Folha de S Paulo)