Aquele que foi o maior calo do governador Camilo
Santana (PT) no primeiro mandato voltou a doer nos primeiros 100 dias do
segundo Governo: a Segurança. A série de ataques criminosos no início
da nova gestão reclamou medidas duras do Chefe do Executivo do Estado e
do Governo Federal. Porém, diferente de 2015, quando Camilo tinha o
Planalto como aliado, a relação com a gestão Bolsonaro exige mais
articulação.
Tal desafio ficou evidente nos três primeiros meses do Governo
Estadual, não só pelas divergências políticas entre as duas instâncias,
mas porque o Palácio do Planalto não concretizou um canal de diálogo com
o Congresso Nacional e com os estados. A crise na Segurança no Ceará
foi o primeiro teste do governador Camilo Santana. Embora o ministro da
Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, tenha sido rápido ao atender
os pedidos do Ceará por reforço da Força Nacional, ingredientes
políticos marcaram o processo.
Logo após o ministro autorizar a vinda das tropas federais para o
Estado, o presidente Bolsonaro 'cutucou' o governador ao dizer que a
medida foi tomada, apesar de Camilo fazer "oposição radical" a ele.
Na época, o petista devolveu com um agradecimento público ao apoio do
Governo Federal. Mais recentemente, contudo, o governador partiu para o
embate com o auxiliar de Moro, general Guilherme Theophilo, seu
ex-adversário no pleito de 2018, em meio ao recuo na implementação de
programa federal de combate à violência no Ceará.
Bancada federal
Além dos fatores políticos, o Governo Federal vive um déficit fiscal
sem previsão de repasses para os estados. Prevendo esse cenário, Camilo
precisou fazer ajustes na máquina pública. Antes de iniciar o novo
mandato, o petista fez uma reforma administrativa, extinguindo quase mil
cargos comissionados e reduzindo secretarias. Em fevereiro deste ano,
ele também editou decreto impondo restrições aos gastos com pessoal e,
na semana passada, eliminou mais 82 postos da gestão, além de criar
outros 46.
Para não correr o risco de o Estado perder investimentos, a cientista
política Carla Michele Quaresma, professora do Centro Universitário
Estácio do Ceará, aponta o papel da bancada federal cearense no atual
cenário.
"Há dificuldades grandes nos estados pelo atual pacto federativo,
porque eles receberam muitas responsabilidades e os recursos não vieram
na mesma medida. O Governo não encontrou um rumo com os governadores.
Cabe à bancada ser eficiente em torno dos interesses do Estado, para que
eles prevaleçam sobre as discussões miúdas do período eleitoral",
observa.
Carla Michele lembra também que o Congresso aprovou no fim de março a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo -
depois modificada -, que obriga o Governo Federal a liberar a verba de
emendas de bancada, apresentadas por deputados e senadores, para
projetos nos estados. Em outra frente, Camilo encampou, nos últimos
meses, a criação de consórcio entre os estados do Nordeste para
destravar as demandas da Região.
Segundo o assessor especial de Relações Institucionais do Estado,
Nelson Martins, o governador tem trabalhado com a bancada para
desemperrar pautas que aliviem os cofres estaduais. "A securitização da
dívida, a distribuição da cessão onerosa do petróleo, a reforma
Tributária. Se o Governo cobrar imposto de quem receber lucro e
dividendo isso traria R$ 1 bilhão ao Ceará".
Base local
No segundo mandato, Camilo tem mantido um estilo marcado pelo
diálogo. Foi neste tom, inclusive, que ele conseguiu atrair o apoio de
24 partidos e 181 prefeitos à sua reeleição no ano passado. O preço de
uma base governista tão ampla, entretanto, bateu à porta do governador.
Passada a crise na Segurança, os aliados intensificaram os pedidos
por cargos no segundo e terceiro escalões do Governo Estadual. Muitos
foram acomodados, mas nem todos. Até hoje, integrantes da base
governista aguardam ser agraciados com espaços na máquina pública.
Apesar do enxugamento do Governo, o professor do Laboratório de Estudos
sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do
Ceará (UFC), Cleiton Monte acredita que a atual coalizão está bem
"encaminhada".
"O Governo tem uma dificuldade muito grande, que é acomodar um número
muito grande de partidos", aponta o pesquisador. "Por mais que tenha
ocorrido uma reforma (administrativa), muitos dos aliados do governador
na campanha foram acomodados não em postos chaves, mas alocados em
cargos de segundo e terceiro escalões, envolvendo também uma negociação
em cargos do Legislativo", lembrou Cleiton Monte.
Recentemente, a disputa por favorecimento entre os aliados da base do
governador Camilo Santana chegou, inclusive, até o comando dos
consórcios de Saúde do Estado, que são os responsáveis pela
administração de policlínicas e de Centros de Especialidades
Odontológicas (CEOs). Isso porque a escolha da presidência dos
consórcios é feita em acordo entre o Estado e as prefeituras.Como o
Diário do Nordeste noticiou na última semana, deputados aliados de
prefeitos no interior passaram a travar embates nos bastidores para a
indicação dos presidentes dos consórcios. O governador avalizou mudanças
no processo de escolha propostas pelo secretário de Saúde, Dr. Cabeto,
ao publicar decreto na última segunda (8), determinando seleção pública
para a investidura naqueles cargos de direção executiva dos consórcios.
Diário do Nordeste