Carlos Fernando dos Santos Lima deixou a Operação Lava Jato em
setembro do ano passado, prestes a se aposentar, mas, na noite da última
sexta-feira (14), voltou ao epicentro das polêmicas envolvendo a
força-tarefa. Conversas do então procurador da República com o ex-juiz
federal Sergio Moro, divulgadas pelo site "The Intercept Brasil",
mostram trocas de informações no processo que culminou na condenação do
ex-presidente Lula, no caso do tríplex do Guarujá.
Em Fortaleza na manhã de sexta, antes dos vazamentos, ele sustentou,
ao Diário do Nordeste, que a Lava Jato inaugurou uma nova forma de
investigar crimes envolvendo figurões do mercado e da política e
defendeu o fim da operação em Curitiba - de modo que passe a ter outros
desdobramentos.
Santos Lima também disse que os diálogos revelados entre o colega
Deltan Dellagnol e Moro não vão influir na Lava Jato. Já neste sábado
(15), um dia após ter sido arrastado para o olho do furacão, contestou
os diálogos vazados e afirmou que pedirá indenização na Justiça. Veja
entrevista:
Há riscos à investigação após os vazamentos?
Existe a tentativa, um regozijo, de certos setores diante do que foi
dito, mas olhando objetivamente não vejo nada de relevante que
justifique essa felicidade. Infelizmente, há essa tentativa de destruir a
reputação de pessoas da melhor qualidade, das mais corretas que eu
conheço (Dallagnol e Moro). Tenho certeza que novas conversas serão
reveladas. Estamos diante do ataque de uma organização criminosa que
atua diretamente - são ataques sofisticados, que está a beneficiar
outras organizações criminosas.
O senhor teve o celular grampeado?
Não que eu saiba. Mesmo porque eu saí da operação em setembro do ano
passado. Ao sair, deletei todos os grupos. A gente tinha dezenas de
grupos de investigação. Não só em Curitiba, mas contato com as outras
operações, com o gabinete do Procurador Geral (da República), todos
usando o Telegram (aplicativo).
Quando saí da Lava Jato, queria fazer um 'compliance' pessoal,
mostrando que iria me aposentar de maneira correta e limpa,
principalmente depois do episódio do Marcelo Miller (ex-procurador da
República denunciado por ter supostamente recebido dinheiro para
orientar o empresário Joesley Batista, que buscava acordo com o MPF), eu
também deletei o aplicativo. Se foi usado só o aplicativo eu não tenho
sido atingido, não vi nenhum indicativo.
Nota: Um dia após a entrevista concedida em Fortaleza, o Diário
do Nordeste voltou a procurar Santos Lima, ontem, para comentar os
diálogos atribuídos a ele divulgados pelo site "The Intercept Brasil".
Segundo o site, no chat com o então membro da Lava Jato, Moro
pediu aos procuradores da força-tarefa uma nota à imprensa para rebater o
que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula após o
depoimento do petista no caso do tríplex do Guarujá. O pedido acabou
atendido pela Operação após conversas entre procuradores e assessores de
imprensa, que também foram divulgadas pelo site.
Ao receber questionamentos da reportagem, Santos Lima disse que
já havia se manifestado por meio de duas notas (reproduzidas abaixo). Em
seguida, respondeu a duas perguntas:
O senhor considera que são falsos os diálogos expostos na noite de ontem (sexta)?
Como disse, não há que se discutir o teor de supostas mensagens
obtidas por crime. Além disso, não tinha o aplicativo quando do ataque.
O senhor considera que o MPF ou o Conselho Nacional devam
questionar judicialmente as reportagens? Ou o senhor mesmo pensa em
acionar o Judiciário?
Sim. Estou analisando entrar na Justiça por indenização. Já me
aconteceu isso e ganhei todos na época do Banestado (escândalo ocorrido
na década de 1990, no Paraná. Na ocasião, Carlos Fernando foi um dos
procuradores na investigação de remessas ilegais de divisas pelo sistema
financeiro público brasileiro aos Estados Unidos por meio do Banco do
Estado do Paraná. O doleiro Alberto Youseff - condenado na Lava Jato -
foi um dos investigados).
Continua, a seguir, entrevista concedida na sexta-feira:
A relação entre Dallagnol e Moro foi criticada pelo professor
de Harvard, Mattew Stenpheson - considerado referência pelo próprio
procurador. Você concorda que houve desvio ético?
Não creio que há proximidade indevida. A prática judiciária é que
todos os atores se comunicam. Eu não tenho dúvida de que um advogado de
defesa conversa num gabinete de ministro dos tribunais superiores com
muito mais facilidade do que nós (procuradores da República).
Os diálogos gravados mostram críticas dos procuradores aos ministros do STF. O STF é ruim?
São críticas pontuais, feitas em ambiente privado. Eu estranho muito
qualquer tipo de espanto a respeito de certas opiniões, considerando que
certos ministros falam muitas coisas piores em sessão aberta do Supremo
e gratuitamente. Eu vejo que as conversas privadas foram obtidas por
meio criminoso, distribuídas para quem queria divulgar algo bem
determinado. E, principalmente, não são passíveis de verificação. Não
sei o que foi dito, não procuro me informar... Creio que há muita coisa
verdadeira, mas não posso dizer que as críticas são todas verdadeiras".
Como os procuradores devem agir após esses ataques? Reduzir o uso das plataformas ou criar ambientes virtuais mais seguros?
Não há como fugir do ambiente virtual. Precisamos nos
profissionalizar. Precisamos de sistema de criptografia próprio, não é
possível agirmos de forma tão amadora. Infelizmente, essa é a tônica do
serviço público brasileiro. E não vejo solução a curto prazo. Isso
mostra que temos que ter mais cuidado com todas as possibilidades.
Quando você lida como outras organizações criminosas que estão na nossa
política, por exemplo, essas pessoas têm muito a perder e precisam
mostrar à população que os criminosos não são eles.
O senhor chegou a sugerir o encerramento da Lava Jato em Curitiba?
Essa minha posição não tem nada a ver com essa atual crise envolvendo
os atos criminosos (vazamentos). O que nós defendemos é que toda
operação tem que ter um plano de encerramento.
E creio que a Lava Jato em Curitiba, até por conta dos
desmembramentos feitos principalmente pelo Supremo Tribunal Federal, tem
que trabalhar muito mais no rescaldo das investigações, analisar os
documentos que não foram analisados ainda... Porque existem outras 'lava
jato' pelo País. A Lava Jato é muito mais uma forma de investigar do
que propriamente um grupo de pessoas em Curitiba.
O Brasil que saiu das urnas tem reflexo da Lava Jato? Isso é bom ou ruim?
Um reflexo do combate à corrupção há. Mas nós não endossamos nenhum
candidato e, muitas pessoas que foram eleitas com discursos de apoio à
Lava Jato e do combate à corrupção nem sempre são pessoas que defendem
isso na prática.
O velho caciquismo continua dominando o Congresso Nacional. Mas
alguma coisa mudou efetivamente. E isso não significa que vai continuar
porque há necessidade de dinheiro na eleição subsequente e se não houver
mudança, vai continuar.
A entrada do crime organizado em substituição às empreiteiras na política é uma realidade?
Estamos vivenciando um momento em que se não resolvermos o problema
dos financiamentos de campanha, sem diminuir os custos, eles vão
procurar dinheiro no crime tradicional, violento. Tráfico, roubo de
cargas, milícias... Nós precisamos tomar consciência disso.
Se continuar a pressão em busca de dinheiro, vamos ter problemas no
futuro. Aliás, já estamos vivenciando isso. Já há indicativos de que
grupos violentos financiam políticos pelo Brasil. Você pode ter todo
aparato, se não estanca as causas, é o mesmo que enxugar gelo.
(Diário do Nordeste)