O risco se instalou silencioso por nove meses na
barriga de Yara Oliveira, 23. Findado o tempo da gestação, em 1º de
junho de 2016, nasceu Alice: diagnosticada com microcefalia logo nos
primeiros exames. A má-formação, então, entrou para as estatísticas do
Estado como caso de Síndrome da Zika Congênita, confirmada em 101 bebês
naquele ano. Os casos pareciam ter zerado desde 2018, mas voltaram.
Conforme o neurologista do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) e
médico-referência na síndrome, André Luiz Santos, dois bebês cearenses
nasceram com zika congênita entre o fim do ano passado e o início de
2019.
Uma das crianças nasceu no município de Aratuba, a cerca de 130 km de
Fortaleza, no fim de 2018; a outra, na Capital, já em fevereiro deste
ano. A partir da análise de radiologias e da exclusão de outras
possíveis causas de microcefalia - como Sífilis, Toxoplasmose, Rubéola,
Citomegalovírus (CMV) e Herpes, as chamadas "STORCHs" -, o neurologista e
pesquisador concluiu que os casos são, certamente, associados ao zika
vírus, mas não podem ser listados como "confirmados" pela Secretaria
Estadual da Saúde (Sesa).
"Pelo Ministério da Saúde, o paciente só é confirmado se tem exame
laboratorial específico. Mas muitos chegam aqui já com meses. Daí
cria-se um grupo dos 'prováveis', que sabemos que têm Zika Congênita,
mas não têm mais a chance de confirmar laboratorialmente. Em outros
casos poderia ser zika, mas constatou-se sorologia para CMV, que é a
causa infecciosa mais comum", exemplifica Dr. André Luiz.
Conforme o neurologista, cerca de 70% das 150 crianças com
má-formação craniana acompanhadas no HIAS não fizeram exame a tempo e
não têm confirmação laboratorial da Síndrome da Zika Congênita. "Nesses
dois novos casos, é difícil confirmar, porque a criança já chegou aqui
com quatro meses. Mas é Zika Congênita, sim. O padrão é completamente
compatível. Mas fica como se fosse em investigação", pontua o médico.
Sem exame
A pediatra e geneticista do Hias, Erlane Marques, explica que não
existe exame específico para diagnosticar zika em mulheres durante a
gestação, o que dificulta o processo. "Os STORCHs são exames fáceis de
fazer no pré-natal. O da zika não. Pode se confundir com dengue,
chikungunya. Enquanto não houver o exame ideal para a doença, que é
muito nova, a gente fica com dificuldade de diagnóstico. A coleta de
líquor (líquido interno às meninges) é muito difícil, e se fizermos o
mesmo exame no sangue, dá negativo", alerta a médica.
A diminuição acentuada no registro de diagnósticos, então, não é por
falta de circulação do zika vírus - "ele é resistente, um tanque de
guerra", segundo André Santos. "A infecção foi muito difusa, pegou muita
gente. O que deve ter acontecido é que quase toda a população foi
infectada, e houve uma resposta imunológica ao vírus. Depois da grande
epidemia de 2015-2016, a tendência foi cair (o número de casos). Mas é
óbvio que não quer dizer que não vai acontecer de novo. Vamos continuar
tendo casos, é inevitável", alerta o médico.
A Síndrome da Zika Congênita, porém, não é a única causadora de
microcefalia em bebês, como esclarece Dra. Erlane Marques. "Sempre
existiram casos de microcefalia no Brasil, só não em grande quantidade
como pela zika. Mãe que bebe álcool durante a gravidez tem mais risco de
ter uma criança com microcefalia do que uma que tem zika, é a maior
causa prevenível. A mulher que teve, quando bebê, fenilcetonúria
detectada no teste do pezinho, engravida e não cuida da dieta durante a
gestação, pode ter um filho com microcefalia", frisa.
Consequências
As consequências da má-formação também variam de acordo com cada
caso. "Do ponto de vista da Síndrome da Zika Congênita, pode gerar casos
graves, moderados e leves - mas todos apresentam sequelas motoras.
Ainda não é possível estimar uma expectativa de vida, porque as crianças
que acompanhamos estão fazendo quatro anos agora. Não temos tido mais
óbitos. Mas a sobrevida, como todo paciente com quadro neurológico
grave, é menor", informa André Luiz.
Para Alice, filha de Yara, o comprometimento foi menor em relação a
outras crianças. "No começo, quando ela era bebezinha, não teve cuidado
especial. Graças a Deus, ela sempre comeu tudo. Minha dificuldade mesmo
tá sendo agora, porque ela não anda, precisa ficar no meu braço direto",
lamenta a dona de casa, que vai periodicamente a consultas no Albert
Sabin.
O hospital, ressalta o neuropediatra, "tem portas abertas às
quartas-feiras, a partir das 7h, para consultas e avaliações" gratuitas,
sem necessidade de marcação prévia. "O acompanhamento é muito
importante. Para todos os casos em avaliação, daremos a definição se é
Zika Congênita ou não".
Questionada sobre quantos casos de fato estão em investigação no
Ceará, como estão sendo acompanhados e quais os equipamentos
responsáveis por fazer o exame laboratorial para confirmação da
síndrome, a Sesa não respondeu até o fechamento da edição.
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80% têm casos de epilepsia
80% têm casos de epilepsia
A epilepsia sozinha aumenta as chances de morte súbita. Existem vários fatores que fazem subir as chances de óbito de crianças com zika congênita. A sobrevida, como todo paciente com quadro neurológico grave, é menor
20% apresentam sintomas
Detectar se contraíram zika durante a gravidez é desafio para mulheres, de acordo com o médico André Luiz. Em 80% dos casos, as pessoas infectadas não apresentam os sintomas da arbovirose, o que prejudica o tratamento
Histórico
Desde o ano passado, nenhum caso de Síndrome da Zika Congênita foi confirmado pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) no Ceará. De 2015 a 2017, 155 bebês nasceram com microcefalia após as mães contraírem zika durante a gestação, e mais cinco casos associados a outras doenças – sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes – atingiram recém-nascidos cearenses.
Desde o ano passado, nenhum caso de Síndrome da Zika Congênita foi confirmado pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) no Ceará. De 2015 a 2017, 155 bebês nasceram com microcefalia após as mães contraírem zika durante a gestação, e mais cinco casos associados a outras doenças – sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes – atingiram recém-nascidos cearenses.
Proximidade
Geograficamente, o risco também não está distante: Pernambuco, que
faz fronteira com o Ceará ao sul, continua registrando casos. Neste ano,
um foi confirmado pela Secretaria da Saúde de lá, e outros 26 estão em
investigação. Mais 161 grávidas pernambucanas apresentaram sintomas de
zika, dengue ou chikungunya.
(Diário do Nordeste)