Três policiais militares denunciados pelo Ministério Público do Estado
do Ceará na ação que resultou na morte de 14 pessoas em Milagres falaram
com exclusividade ao G1 sobre suas participações no caso. Eles admitem a
"possibilidade" de ter atirado nos reféns, mas sem a intenção de matar.
Conforme os policiais, ele revidaram os tiros contra um indivíduo que
mantinha os reféns e disparava de fuzil na direção da equipe policial.
"Durante a troca de tiros a gente só consegue ver os disparos em nossa
direção e de onde vinham. Não víamos a pessoa, vimos o vulto, alguém
atirando na gente. A gente atirava naquela direção", afirma um policial
envolvido no caso.
Na madrugada de 7 de dezembro de 2018, um bando tentava assaltar duas
agências bancárias em Milagres, no interior do Ceará. A Polícia Militar
do Ceará havia sido avisada sobre o plano e chegou ao local antes dos
criminosos, onde preparou uma emboscada.
Conforme o Ministério Público, os policiais militares dispararam os
tiros que mataram 14 pessoas, incluindo os seis reféns. Dezenove
policiais foram acusados de participação no massacre. Três reféns
sobreviveram à tragédia, e 12 suspeitos foram presos. Os policiais negam
qualquer envolvimento nos crimes. "Ninguém sai de casa pra matar
inocente", diz.
O G1 teve acesso também a imagens inéditas da ação policial, que mostram
o momento em que os policiais avançam atirando em direção ao banco. Na
manhã do dia 7, eles coletam as cápsulas de munição, conforme denúncia
do Ministério Público.
Os delegados da comissão que investigou o caso afirmam, conforme
relatado em inquérito, que os disparos na direção onde estavam os reféns
ocorreram quando a situação de confronto já não mais existia; após
percebida a falha, os militares atuaram no intuito de limpar a cena do
crime, retirando corpos, estojos dos tiros de fuzil disparados e
apagando imagens de câmera.
Os militares, que negam qualquer ilegalidade durante a ação, narram a
sua versão do ocorrido e como o caso em Milagres mexeu com suas vidas.
Ação preventiva
Após receberem informações da Coordenadoria de Inteligência (Coin) da
Secretaria de Segurança Pública do Ceará de que os criminosos planejavam
o ataque aos bancos, os militares se reuniram em Fortaleza ao meio-dia
de 6 de dezembro, véspera da ação de uma quadrilha interestadual de
ataque a bancos que se movimentava para a região do Cariri cearense,
onde fica o município de Milagres.
Já à noite no município, os policiais fizeram uma visita à região dos
bancos, que ficam vizinhos. A ação teve inicio, segundo os PMs, por
volta de 2h, tendo como "start" os disparos efetuados pelos assaltantes.
Como revide, os policiais teriam agido no sentido de neutralizar.
A ação ocorreu na calçada da Rua José Misael, quando os policiais
iniciaram progressão das proximidades da prefeitura em direção ao
Bradesco - os reféns estavam na lateral, próximo a um poste, conforme
versão dos policiais.
"À medida que nos aproximamos, tiros eram disparados em nossa direção. A
gente se abrigou e iniciou o revide. Atiramos em indivíduos na lateral
do Bradesco. Troca de tiro muito intensa. Quando chegamos na frente do
banco, a nuvem de fumaça do sistema de segurança do banco começou a
dispersar", afirma.
'Não durmo mais à noite'
Os policiais disseram estar muito abalados com o resultado de toda a
ocorrência. "Quando eu olhei pro Bradesco, pra rua, que a gente tava
atirando contra o indivíduo no poste, não havia mais ninguém. Que olhei
pra calçada eu vi um adolescente. Imediato identifiquei o adolescente",
afirma.
"Essa imagem eu não tiro da minha mente. Eu tenho um filho também. Eu
não durmo mais à noite, ou pelo menos acordo três, quatro vezes à noite,
e toda vida vou olhar, ver como está meu filho na cama. Dou um beijo
nele e depois durmo de novo", completa.
"Eu pensaria muito mais antes de efetuar qualquer disparo. Eu olharia,
observaria ao meu redor de uma forma mais cautelosa. Porque pode ser
que, se eu tivesse tido dois, três segundos mais de cuidado e
observasse, eu poderia ter enxergado o refém. Talvez cinco segundos
antes de efetuar o primeiro disparo eu tivesse visto, olhado pro local
um pouco mais eu teria enxergado alguém. Porque as pessoas estavam
deitadas no chão. Se eu tivesse que voltar ao passado e realizar a mesma
operação, acho que eu faria era segurar um pouco mais a ação para
tentar identificar algum risco."
"E acho que daqui pra frente, se eu ainda tiver a oportunidade de fazer
isso, eu vou fazer, vou ter um pouco mais de cuidado. Porque ninguém sai
de casa pra matar inocente", completa.
G1