A série de ataques que tumultuou o Ceará no primeiro mês deste ano está
ligada à redução histórica de homicídios, registrada no primeiro
semestre. Não é a única causa, mas se relaciona com a forte repressão do
Estado nos presídios e com o aumento do policiamento nas ruas, que
influenciaram diretamente na queda de mortes violentas, conforme
representantes do Governo e especialistas.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) divulgou,
ontem, que o Estado fechou os seis primeiros meses de 2019 com 1.105
Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), o que representa uma queda
de 53,6% no índice, em comparação com igual período de 2018, que teve
2.380 homicídios. Conforme o titular da Pasta, André Costa, esse é o
melhor resultado na década.
Costa reconhece que parte da redução se deve ao "arrocho" aplicado no
Sistema Penitenciário com a criação da Secretaria da Administração
Penitenciária (SAP) e à chegada de Mauro Albuquerque para comandar a
Pasta. O secretário afirmou, logo na chegada, que não reconhecia facções
criminosas e prometeu endurecer o regime nos presídios. A reação dos
criminosos resultou na maior série de ataques da história do Ceará,
contra instituições públicas e privadas, com mais de 200 crimes.
"Tivemos um início de ano difícil, após a criação da SAP e todo um
trabalho mais firme, que vem sendo feito no Sistema Penitenciário. Houve
aquela reação nas ruas, mas acabou sendo uma etapa necessária para que a
gente colhesse frutos", afirma o titular da Secretaria da Segurança.
A nova gestão da SAP intensificou as vistorias nas unidades
penitenciárias e a cobrança de disciplina e conseguiu, junto à Justiça, a
transferência de dezenas de líderes de facções criminosas. Em
contrapartida, familiares, advogados e até o Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) denunciaram casos de tortura no
cárcere cearense - que são negados pelo gestor.
Para André Costa, o aumento da repressão no Sistema Penitenciário
diminuiu as ordens de detentos para os comparsas cometerem crimes nas
ruas. "Dentro do Sistema Penitenciário, a gente está tendo controle
total das facções. O Estado é quem manda. A nossa pretensão é zerar
celulares no sistema prisional. A gente conseguiu isso no Rio Grande do
Norte. E estamos trabalhando em cima disso e fechando todas as portas do
sistema", reforça Mauro Albuquerque.
Outras causas
A pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Suiany Moraes, aponta outras causas
para a redução de homicídios. Uma delas é a dinâmica do próprio crime
organizado. "A guerra não dura eternamente. Em uma guerra como essa, os
dois lados morrem", pontua.
"Uma outra questão é que, no início do ano, com a mudança na gestão do
Sistema Penitenciário, o Estado começa a sofrer uma série de ataques. A
guerra começou a ser contra o Estado e houve uma saturação policial.
Veio a Força Nacional e policiais de outros estados. Isso reverbera na
diminuição de homicídios, mas a gente não pode dizer que é estrutural",
conclui a socióloga.
Já o pesquisador do Laboratório da Conflitualidade e da Violência
(Covio) e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), sociólogo
Geovani Jacó, acredita que as facções criminosas estão se reorganizando,
após a forte atuação do Estado. "O nível que chegou esse modelo
ostensivo de Segurança, de presença militarizada nos territórios, de uma
Polícia voltada para o combate, se associa também com a dinâmica
territorial das facções, que se reordenam e se reorganizam para que a
própria atividade do narcotráfico se torne rentável. A dinâmica de
muitas mortes não é interessante para o mercado e aí se revela esse
quadro de diminuição dos CVLIs", analisa Jacó.
Diário do Nordeste