"Me dá uma loratadina, por favor?". O pedido do
fármaco utilizado para o tratamento de alergias não seria incomum se
fosse visto em qualquer farmácia de Fortaleza, mas ocorreu numa das
dezenas de feiras livres da cidade. Mais especificamente, na realizada
no bairro Henrique Jorge, na Regional III, na manhã da última
segunda-feira (8). As transações irregulares de medicamentos penetram
espaços de comércio informal com facilidade na Capital, embora sejam
proibidas pela legislação brasileira.
No primeiro semestre deste ano, a Agência de Fiscalização de
Fortaleza (Agefis) realizou 351 autuações - quase 60 por mês - após
vistorias no mercado de produtos farmacêuticos em estabelecimentos
comerciais e no atendimento a denúncias de irregularidades em feiras,
praças e comércios em geral. O dado já é superior à média de 54
ocorrências mensais de todo o ano passado, que teve 647 autuações.
A Lei Municipal 8.222/1998 diz que é proibido "comprar, vender,
ceder, transportar ou usar medicamentos sem registro, licença ou
autorizações dos órgãos sanitários competentes ou contrariando o
disposto na legislação sanitária pertinente". A multa para esses casos,
segundo a Agefis, pode chegar a R$ 17.102, de acordo com a gravidade e
reincidência da infração.
Nos últimos três dias, a reportagem do Sistema Verdes Mares percorreu
10 feiras da Capital, constatando a venda irregular em seis delas. Nos
corredores da feira do Henrique Jorge, entre bancas de frutas, roupas,
utensílios domiciliares e eletroeletrônicos, dezenas de comprimidos são
expostos sobre bandejas. Ao lado, ficam caixas de xaropes e outros tipos
de medicamentos como o apevitin BC, estimulante do apetite utilizado
para crescimento e ganho de peso, que uma das vendedoras indicou,
informalmente, para uma mulher de mão dada com uma menina.
Autorização
Ao ser questionada sobre o estoque de omeprazol, remédio para quem
sofre de gastrite e refluxo, outra comerciante respondeu: "tem de R$ 3 e
tem de R$ 5", referindo-se ao tamanho das cartelas disponíveis.
Amontoados ao ar livre, havia ainda paracetamol, dipirona, prednisolona e
outros medicamentos utilizados principalmente como antitérmicos,
antigripais e analgésicos. Outros locais onde se verificou a venda de
remédios foram nas feiras do Papicu, Jardim América, Demócrito Rocha e
Pici, com vendedores exibindo produtos em caixas de papelão ou
espalhados por mesas. No Beco da Poeira, no Centro, um ambulante
percorria as alas oferecendo comprimidos que carregava numa caixa, sobre
os braços. A reportagem esteve em mais quatro espaços nos bairros de
Fátima, Dias Macêdo, Rodolfo Teófilo e Vila União, mas não constatou a
venda irregular de medicamentos.
De acordo com a Lei Federal 5.991/73, é proibida a comercialização de
qualquer tipo de medicamento que não seja em farmácia ou drogaria
licenciada e autorizada pelos órgãos sanitários. Além disso, o artigo
282 do Código Penal Brasileiro define que o exercício ilegal da
profissão de farmacêutico é punível com detenção de seis meses a dois
anos. Se o crime for praticado com o fim de lucro, uma multa também pode
ser aplicada.
A maioria dos feirantes irregulares parece se dar conta dos riscos da
atividade. Com a aproximação da reportagem, eles realizavam o mesmo
modus operandi: cobrir os remédios com peças de vestuário, que vendem de
forma complementar. Quatro boxes na feira do Henrique Jorge utilizaram a
tática. Agentes da Vigilância Ambiental da Prefeitura circulavam pelo
espaço.
Crime
Em julho de 2017, o Diário do Nordeste mostrou que a prática já
ocorria nos bairros Pici e Canindezinho. À época, um dos vendedores
destacou que os feirantes não costumam vender remédios do tipo "tarja
preta", mas se limitam a comercializar drogas que "já são conhecidas
pela população".
A venda de medicamentos sujeitos a controle especial sem autorização
ou em desacordo com a legislação, conforme a Agefis, também é
configurada como crime, "cabendo à Polícia realizar a prisão dos
praticantes do ilícito". A Secretaria da Segurança Pública e Defesa
Social (SSPDS) informou que a fiscalização compete à Vigilância
Sanitária - que atua em conjunto com a Agefis - e que a Polícia Civil é
acionada quando ocorre a falsificação ou a adulteração de medicamentos,
com base no artigo 273 do Código Penal.
Fornecimento
A Agefis esclarece que as verificações têm o objetivo "de proteger a
saúde da população, tendo em vista que os medicamentos fabricados e
armazenados em desacordo com a legislação sanitária estão impróprios
para o consumo". O órgão alerta que tais medicamentos podem ser objetos
de roubos ou falsificações, além de facilitarem o consumo indiscriminado
dos fármacos, "prática que pode gerar graves problemas à saúde".
A exposição aos riscos é considerada desnecessária, já que a
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disponibiliza 84 itens que compõem o
elenco de medicamentos prioritários da Atenção Primária, incluindo
analgésicos, antitérmicos e antialérgicos, em todos os 113 postos de
saúde de Fortaleza e nas sete centrais de distribuição de medicamentos
dos terminais de ônibus.
(Diário do Nordeste)