O cenário do futebol brasileiro é
de indefinições. Hoje, não é possível afirmar quando a pandemia do novo
coronavírus terá os efeitos minimizados, e a sociedade voltará a viver dias de
normalidade. Tampouco dá para imaginar quando a bola voltará a rolar nos
gramados. Entretanto, neste período, uma coisa é certa: os impactos econômicos
serão extremamente negativos, e o futebol cearense já começa a sentir os
efeitos financeiros.
O Diário do Nordeste traz um
cenário da realidade e dos prognósticos de todos os oito participantes da 2ª
fase do Campeonato Cearense. Em comum, a incerteza sobre os números do prejuízo
e a convicção de que, se o panorama se mantiver nas próximas semanas, não vai
demorar para que a atual situação, que é de dificuldade, transforme-se em caos.
Principais clubes do Estado e participantes da Série A do Campeonato
Brasileiro, Ceará e Fortaleza são os que possuem melhores condições. Ambos têm
maiores receitas e conseguem atravessar a crise atual com um pouco mais de
equilíbrio.
"É prematuro calcular o
prejuízo, ainda não sabemos o tamanho. Obviamente, toda população vai perder.
Mas ainda não dá para mensurar valores. Vai impactar na renda, pela falta de
jogos, na venda de produtos... Mas contrato de televisão, a principal fatia do
bolo, a princípio, não vai ter nenhuma alteração. Porque o campeonato vai
acontecer. Mesmo com mudança de regulamento ou de tabela", destaca João
Paulo Silva, diretor-financeiro do Ceará.
O dirigente frisa ainda que a
atual situação econômica do clube faz com que se tenha uma melhor condição
neste momento conturbado. "Pelo fato de ter um clube bem equilibrado
financeiramente, nesse momento, estamos sentindo menos. Sem dúvidas que outros
clubes irão ter mais problemas. Se tivesse um passivo maior, seria mais
complicado. Já simulamos uma situação de stress, e o Ceará aguenta alguns meses
para frente".
O cenário é semelhante no rival
Fortaleza. O clube tricolor projeta que haverá uma redução considerável no
orçamento anual, inicialmente projetado na ordem de R$ 109 milhões, mas que
aguarda os próximos dias para uma melhor definição de como elaborar um planejamento
para este momento.
"Nós temos algumas projeções
e estamos trabalhando com alguns cenários, mas nada concreto. Orçamento vai ser
prejudicado, faturamento também, isso é óbvio. Só com as lojas, se pararmos de
funcionar por 40 dias, até o fim de abril, deixaremos de faturar cerca de R$ 1
milhão bruto. Então, teremos receitas que ficarão muito comprometidas. A
redução é muito brusca, mas não temos números concretos", aponta Maurício
Guimarães, diretor-financeiro do Fortaleza.
Mesmo assim, ambos já se
movimentam para que possam manter importantes fontes de receitas e, assim,
consigam evitar mais prejuízos.
"Com relação ao
sócio-torcedor, estamos tendo uma perspectiva boa, criando algumas ações, como
de prorrogar mais um mês o sócio dos adimplentes para que eles não tenham
prejuízo, e com alguns mecanismos para que, a princípio, a gente não tenha
nenhuma perda", ressalta João Paulo, destacando ainda que, até o momento,
o clube não perdeu nenhum patrocínio, assim como o Fortaleza.
"Temos patrocínios mantidos
e a verba principal, que é a de televisão. Acredito que até o fim de março
deverá ser possível imaginar quais as perspectivas para as próximas
semanas", projeta Maurício.
O Ferroviário sofre dos mesmos
problemas dos rivais, e a definição do acordo com os atletas será crucial para
o futuro do clube. "Ainda não conseguimos mensurar o prejuízo. Não temos
números ainda, mas já houve patrocinadores que entraram em contato pedindo
suspensão do contrato. Outros vão manter", revelou Newton Filho, presidente
do Ferrão.
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Ceará e Fortaleza são os clubes
cearenses com maior potencial de equilíbrio. Kid Junior
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Em maus lençóis
Se Ceará e Fortaleza estão
preocupados, mas enfrentam o início da crise com maior equilíbrio, para os
outros clubes, a situação já beira o desespero. Com receitas muito menores e a
maioria sem calendário garantido, a conta começa a chegar. O Guarany de Sobral
foi o primeiro a tomar medidas mais drásticas. O clube interrompeu os contratos
de todos os jogadores até que a situação volte à normalidade. Os atletas foram
comunicados através de aviso de rescisão.
"A gente sentou e achou
melhor fazer a rescisão de todo mundo no momento. Só vai deixar o treinador da
base, o treinador do titular (Washington Luiz). E se voltar de novo à
normalidade, a gente chama de novo. Mas é a rescisão de todos os atletas do
Guarany", disse o presidente Mauro Fuzaro.
A tendência é que outras
agremiações sigam o mesmo caminho, como o Caucaia. "Dei 15 dias de férias
aos atletas, até o fim do mês, pagando os dias trabalhados normalmente. Mas
será inevitável segurar. Estamos aguardando um posicionamento da Federação
(Cearense de Futebol) e, em seguida, tomar uma decisão como a do Guarany. Com
certeza a medida é rescindir com a maioria do elenco", revelou o
presidente Roberto Góes.
Espera e esperança
Outras equipes optam por uma
alternativa de maior equilíbrio na esperança de que o Estadual ainda seja
retomado e também para que haja uma solução sem que os jogadores sejam também
tão prejudicados. "A maioria dos nossos atletas tem contrato até o fim de
abril. Eu já fiz esse resguardo a eles, de que vamos honrar os compromissos
desse período. Não vai ser muito fácil, mas estamos pensando também no lado
humano", garante Maria Vieira, presidente do Atlético/CE, que deu férias aos
atletas até que a situação volte ao normal.
O mesmo ocorreu no Pacajus, que
pagará os salários dos jogadores mesmo sem jogos. "Não rescindimos
contrato de ninguém. Mandamos para que eles fiquem de quarentena em casa e
estamos aguardando. Como não temos calendário o ano todo, fizemos uma
programação que nossos jogadores têm contrato até o fim de abril. E vamos
honrar todos os compromissos até lá, independentemente do que aconteça. É o
momento que todo mundo tem que ceder um pouco e não pensar somente no clube",
ressaltou Cristiano Cruz, presidente pacajuense.
O caminho foi semelhante ao
seguido pelo Barbalha. "Eu fiz acordo com os jogadores. Não rescindi
contrato com nenhum. Mandei todos pra casa e vamos pagar 50% dos salários
enquanto estiver paralisado e aguardar se volta o campeonato. Vamos esperar
mais 30 dias e aí, se não voltar, infelizmente, teremos que rescindir, já que a
maioria dos contratos acabam no fim de abril. Mas não vamos seguir o caminho do
Guarany de Sobral de rescindir agora", assegurou Lúcio Barão, presidente
do clube.
Possíveis soluções
Para Marcos Gaúcho, presidente do
Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Ceará (Safece), a Federação
Cearense de Futebol (FCF) tem que auxiliar os clubes neste momento. "O
papel da Federação vai ser fundamental na busca de soluções para esses clubes
menores.
Para tranquilizar os clubes, quem
sabe adiantar cotas, reivindicar junto à CBF apoio financeiro para esses clubes
e buscar uma colaboração maior. O que não podemos é ser omissos".
Economista e especialista em negócios do esporte, Fernando Ferreira garante que
toda essa crise pode servir para que o futebol brasileiro possa passar por
mudanças estruturais.
"Como crise também pode ser
oportunidade, poderíamos tentar fazer deste limão uma limonada, utilizando o
momento atual para finalmente discutirmos a mudança do calendário, atacando o
problema central: o excesso de jogos dos clubes grandes, e a falta de
calendário dos pequenos. Isto seria o ideal, mas sinceramente, não creio que
acontecerá, considerando os líderes que temos em nosso futebol".