Apesar do avanço da Covid-19 no
interior cearense, quatro municípios resistem e estão conseguindo manter a
ausência da doença: Altaneira e Granjeiro, no Cariri; Baixio e Umari, na Região
Centro-Sul. Essas cidades estão entre as 12 menos populosas do Estado e, em
todas elas, os gestores aplicaram ações preventivas antes mesmo da explosão dos
casos. Especialistas avaliam que as medidas adotadas são importantes, mas
ressaltam que “é questão de tempo que o vírus se espalhe por todo o Estado”.
Porém, eles ponderam que o mérito reside em frear a rápida propagação para que
o sistema de saúde público, já fragilizado, possa resistir e garantir
assistência adequada.
Cidade menos populosa do Ceará
com 4.844 habitantes, segundo a última estimativa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), Granjeiro intensificou seu trabalho preventivo
há mais de dois meses. Em 16 de março teve início a implementação de barreiras
sanitárias nas duas principais entradas da cidade. “Nosso Município recebia
muitas pessoas de fora, como Aurora, Várzea Alegre”, recordou o secretário da
Saúde Fábio Nascimento.
Com o controle de quem entra na
cidade, a gestão iniciou a distribuição de máscaras à população e EPIs aos
profissionais de saúde. O atendimento médico nas comunidades rurais, antes
feito de porta em porta, agora está concentrado nas unidades básicas de saúde,
diminuindo uma possível circulação do vírus. Mesmo sem ter casos, o hospital
municipal foi reestruturado. Uma ala exclusiva evita o acesso de pessoas com
sintomas gripais no mesmo setor que atende outras patologias.
“São triagens diferentes”,
explica Fábio. São dois leitos disponíveis para Covid-19. Atualmente, o
Município tem dois casos suspeitos. Um já foi descartado. “Os outros dois
entraram por ter sintomas gripal, mas podem não ser”.
Até agora, a população, em sua
maioria, tem adotado as medidas de prevenção, como uso de máscara, avalia
Fábio. Por isso, não foi necessário formular um decreto com possíveis multas.
“Estão entendendo a complexidade do problema”, acredita. O comerciante Luiz
Fagner Barbosa, apesar de preocupado, acredita que cada morador tem feito sua
parte. “Lógico que a gente tem medo, porque têm muitos familiares em cidades
vizinhas, como Lavras da Mangabeira, Caririaçu, Várzea Alegre e Aurora, onde já
têm casos”, admite.
Altaneira
Em Altaneira, que possui aproximadamente
7.600 habitantes, a Secretaria da Saúde do Município tem focado suas ações em
prevenção, principalmente, através das equipes de saúde da família e das redes
sociais. “Trabalhamos desde o surgimento dos primeiros casos no Ceará como se
já tivéssemos”, ressalta a secretária Jamilla Landim.
Ela explica que todo fluxo de
atendimento aos pacientes com sintomas respiratórios foi redirecionado ao
hospital municipal. “Lá, os profissionais foram treinados e estão devidamente
paramentados para receber todo e qualquer paciente como um possível infectado.
O prédio está sinalizado, mostrando os locais onde os pacientes devem se
posicionar até passarem pela triagem”. A atenção primária ficou a cargo de
atender os pacientes sintomáticos de outras patologias e também acompanhar os
pacientes dos grupos de risco.
As barreiras sanitárias foram
implantadas e estão seguindo os decretos municipal e estadual em relação à
entrada de cargas. “Além dos profissionais que ficam fixos em cada barreira,
contamos também com volantes que têm a função de escoltar veículos de pessoas
que apenas passarão pela cidade”, detalha Jamila.
Visitantes que possuem algum
parente em Altaneira assinam um termo de responsabilidade se comprometendo a
ficarem isolados por 14 dias. Outra medida foi proibir a entrada de vendedores,
os chamados “crediaristas”, que viajam pelas cidades, ato comum no Interior. O
estabelecimento que receber qualquer um deles está sujeito à multa entre R$ 200
a R$ 2 mil e ter seu alvará suspenso.
Vizinhas e localizadas na divisa
com a Paraíba, Baixio e Umari possuem, respectivamente, 6.228 e 7.733
habitantes, segundo a última estimativa do IBGE. Elas também adotaram medidas
de isolamento social, uso obrigatório de máscaras e determinaram a “proibição
de feiras e fechamento do mercado”, conforme pontuou a secretária de Saúde de
Baixio, Sheila Ramalho. “Talvez a ausência de casos esteja relacionada com o
fato de termos começado bem cedo com essas medidas”, avalia.
A secretária da Saúde de Umari,
Francisca Martins, acrescenta, como fator preponderante para frear o vírus, a
conscientização da população. “Nada adianta ser feito um trabalho se a
população não ajudar; por isso, antes de tudo, procuramos educar, conscientizar
os moradores sobre a gravidade do problema que iríamos enfrentar”.
Preocupação
O presidente da Associação dos
Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, se mostrou preocupado com a
disseminação do vírus em quase 98% das cidades cearenses. “Faz tempo que a
gente vem avisando que ia chegar e vai, infelizmente, atingir todas as cidades,
é só uma questão de tempo”, avaliou.
“Muitos não colaboram, não
acreditam na gravidade, mas quando começar a morrer gente da sua família, eles
vão sentir a seriedade”. Diniz defende com rigor o fechamento do centro
comercial. “Nas cidades do interior é onde estão os bancos, o comércio e atrai
muita gente”.
O médico sanitarista e
pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Odorico Andrade, também se
mostrou preocupado com o avanço da Covid-19 no interior. “Precisamos frear a
velocidade de contágio porque as pequenas cidades não têm suporte de
atendimento e nem profissionais em quantidade necessária”, frisou. “Só há um
jeito para reduzirmos o número de doentes é com a aplicação de medidas de
fechamento do centro urbano e rígido isolamento social”.
A presidente do Conselho das
Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Moura, reforça esse
temor de estrangulamento das unidades de saúde e ressalta que as cidades “não
têm como cuidar de muitos doentes de uma só vez”. Ela lembra que “faltam
estrutura e profissionais, e por isso deve-se investir em bloqueios,
monitoramento de suspeitos, isolamento e testagem”.