A Justiça Eleitoral do Ceará cassou dez chapas eleitas, em 2016, para
governar os municípios do Estado. As sentenças foram mais do que o dobro
dos casos que atingiram os eleitos quatro anos antes, em 2012: apenas
quatro.
Dos gestores municipais cassados no atual mandato, oito foram por abuso
de poder político, econômico ou dos meios de comunicação, um por compra
de votos e um por rejeição de contas.
No mandato anterior foram três por abuso de poder político e econômico e um por rejeição de contas.
As informações foram levantadas a partir de solicitação feita pelo
Diário do Nordeste ao Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE)
através da Lei de Acesso à Informação.
Das dez cassações, uma, no entanto, do município de Penaforte, segue
suspensa desde abril deste ano por decisão do próprio TRE-CE. A Corte
vai julgar os embargos de declaração, uma espécie de recurso protocolar.
O procedimento deve ser encerrado com o término das medidas estaduais
de combate à pandemia da Covid-19.
Para o presidente da Corte Eleitoral, desembargador Haroldo Máximo, o
crescimento no número de cassações de prefeitos e prefeitas no Ceará tem
relação direta com o amadurecimento da Lei da Ficha Limpa, que
completou dez anos em 2020.
"Em uma breve análise comparativa das eleições 2012 e 2016, os motivos
das cassações se repetem e o aumento quantitativo de cassações pode ser
atribuído ao amadurecimento da própria lei que se tornou conhecida dos
legitimados para impugnar o registro e propor ações para cassar os
registros ou diplomas, e o amadurecimento da própria jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral e dos Regionais na aplicação da Lei das
Inelegibilidades", explicou o desembargador.
O TRE-CE alega que a fiscalização para evitar os chamados ilícitos
eleitorais, que acarreta na perda dos mandatos, depende de uma atuação
conjunta da Justiça Eleitoral, Ministério Público, partidos políticos e a
sociedade em geral, "uma vez que ações como compra de votos e o uso
irregular da máquina pública se perfazem às escondidas, em acordos
velados entre o comprador de voto e o beneficiário e não às escâncaras",
diz o magistrado.
Ainda conforme o desembargador, o Tribunal vem realizando palestras e
webeventos nos canais de YouTube e Instagram com a finalidade de levar
aos partidos políticos e pré-candidatos os mais atuais rumos da
jurisprudência bem como possibilitar o diálogo prévio com os atores do
processo eleitoral de 2020.
"Em breve, realizaremos encontros específicos com os partidos para
definir os limites relativos à propaganda eleitoral no Estado e definir
estratégias conjuntas evitando o litígio", prometeu o presidente.
Pragmatismo
Para a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará,
Monalisa Torres, essa atuação conjunta no combate às irregularidades
citadas pelo presidente da Corte, pelo menos em relação a uma parcela do
eleitor, pode ficar comprometida.
Segundo a pesquisadora, o eleitor, em geral, escolhe os seus candidatos a
partir de um ponto de vista muito pragmático. "Ele tem uma visão dos
atores políticos como aquele que tem a obrigação de ajudá-lo quando
precisa. É difícil para o eleitor médio, principalmente do interior,
entender a troca de favores na política como algo irregular. Para ele
não é apenas normal, como é a função do político", problematiza Torres.
O cenário de pandemia da Covid-19, com o uso de recursos sem a
necessidade de licitação e com flexibilizações da Lei de
Responsabilidade Fiscal, pode afetar ainda mais a conduta irregular de
prefeitos, segundo a professora, tendo em vista que a maioria dos casos
de perda de mandato nos últimos oito anos foi por abuso de poder
político e econômico.
"As medidas são diversas: desde a ampliação de leitos nos hospitais,
distribuição de medicamentos, vale-gás, vale refeição, um conjunto de
medidas que garantem uma assistência às populações mais vulneráveis. E
aí vem um desafio para os órgãos de fiscalizações para distinguir até
que ponto essas práticas de mitigação da crise sanitária podem ser
enquadradas ou não em crimes eleitorais", destaca a pesquisadora.
Alertas
Essa confusão no gerenciamento municipal dos gestores públicos pode
render processos na Corte Eleitoral. Para a especialista em Direito
Eleitoral, a advogada Raquel Machado, a grande quantidade dos casos por
abuso de poder político chama atenção em relação à forma como esses
prefeitos têm administrado as cidades.
"Quase a totalidade dos casos é por abuso de poder político. Uso da
máquina pública para realizar a própria campanha. Os prefeitos que já
estão no cargo precisam diferenciar a própria candidatura, ou a própria
força política, do poder institucional do município", diz a
especialista.
"Usar a máquina pública na própria campanha viola a impessoalidade e é
um grande risco", alerta a especialista. "Nesse período, precisam ter
cuidado com as informações que divulgam em canais oficiais da prefeitura
e com as ações que realizam em nome do município", reforça.
Recorrência
Nos últimos quatro anos, o município de Tianguá, localizado a 310 km de
Fortaleza, assistiu à cassação de duas chapas que assumiram a
administração depois de 2016. A população acompanhou três eleições nos
últimos quatro anos. O cenário traz insegurança ao eleitor.
De acordo com o músico Paulo Marcelo (23), morador da cidade, "o
sentimento que fica disso tudo é de descrença com a política. Todos
esses casos de corrupção, de cassação de mandato, cria uma
instabilidade, um medo. Isso é ruim para a sociedade".
Ele diz que "as eleições e o debate político são de extrema importância
para a democracia". "Você não sabe se o próximo candidato vai manter
essa tradição de corrupção ou se vai ser uma renovação, mas a gente não
pode deixar de acreditar na política", pontua.
Cassações no Ceará pelo TRE-CE
Município: Meruoca
Quando: 14/09/2012
Prefeito: João Coutinho Aguiar Neto
Vice: Rubens Lima Vasconcelos
Motivo: Registro de candidatura cassada
Município: Tarrafas
Quando: 13/08/2013
Prefeita: Lucineide Batista de Oliveira
Vice: Francisco Alves de Oliveira
Motivo: Abuso de poder econômico
Município: Araripe
Quando: 16/06/2014
Prefeito: José Humberto Germano Correia
Vice: Guilherme Lopes de Alencar
Motivo: Abuso de poder político
Município: Ibicuitinga
Quando: 10/07/2014
Prefeito: José Edmilson Gomes
Vice: José Maria Fernandes
Motivo: Abuso de poder econômico
Município: Tianguá
Quando: 6/10/2016
Prefeito: Luiz Menezes de Lima
Vice: Aroldo Cardoso Portela
Motivo: Rejeição das contas
Município: Umari
Quando: 22/02/2018
Prefeito: Francisco Alexandre Barros Neto
Vice: Laura do Carmo Lustosa Ribeiro
Motivo: Compra de votos
Município: Santana do Cariri
Quando: 17/04/2018
Prefeita: Danieli de Abreu Machado
Vice: Juracildo Fernandes da Silva
Motivo: Abuso de poder político
Município: Frecheirinha
Quando: 23/04/2018
Prefeito: Carleone Júnior de Araújo
Vice: Cláudio Fernandes Aguiar
Motivo: Abuso de poder político e econômico
Município: Croatá
Quando: 14/08/2018
Prefeito: Thomaz Laureanno Farias de Aragão
Vice: José Antônio Rodrigues de Aragão
Motivo: Uso abusivo dos meios de comunicação
Município: Aracoiaba
Quando: 30/08/2018
Prefeito: Antonio Claudio Pinheiro
Vice: Maria Valmira Silva de Oliveira
Motivo: Abuso de poder político e econômico
Município: Cascavel
Quando: 28/01/2019
Prefeita: Francisca Ivonete Mateus Pereira
Vice: Waltemar Matias de Sousa
Motivo: Abuso de poder econômico, político e do uso abusivo dos meios de comunicação
Município: Irauçuba
Quando: 22/07/2019
Prefeito: Raimundo Nonato Sousa
Vice: José Pinto de Mesquita
Motivo: Abuso de poder econômico
Município: Tianguá
Quando: 20/08/2019
Prefeito: José Jaydson Saraiva de Aguiar
Vice: Mardes Ramos de Oliveira
Motivo: Abuso de poder econômico
Município: Penaforte
Quando: 03/12/2019
Prefeito: Francisco Agábio Sampaio Gondim
Vice: Giovanni Heverton Pereira Matias
Motivo: Abuso de poder político e econômico
Diário do Nordeste