Rente a desafios sem precedentes impostos pela pandemia do novo
coronavírus, empresas cearenses precisaram acelerar processos de
inovação que acabaram não só salvando os caixas desses negócios, como
ampliando o faturamento e até favorecendo a criação de novos
empreendimentos no Estado.
O assessor especial da diretoria de Inovação e Tecnologia da Federação
das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Rafael Campos, aponta que a
pandemia escancarou um atraso geral da indústria ainda maior do que se
imaginava, de forma que adaptações, como a digitalização, tiveram de
acontecer mais rápido para permitir a continuidade do funcionamento das
empresas no isolamento social.
"Ainda temos muito que avançar. Até empresas que eram consideradas de
ponta tiveram que se adaptar nesse período, reacomodando tecnologias. No
ecommerce, por exemplo, precisa de uma logística estruturada para
funcionar. Muitas foram construídas da noite para o dia, revelando
atraso maior do que esperávamos. As empresas estão tendo que correr
atrás agora".
Campos revela três níveis de gargalos principais no processo de inovação
no Ceará. Segundo ele, a primeira camada consiste na própria cultura,
na não aceitação do uso das tecnologias disponíveis. Ele pontua que até
mesmo a população mais jovem não costumava usar aplicativos para fazer
compras em supermercados, por exemplo, embora já estivessem disponíveis.
"Não usavam simplesmente porque não tinham costume. Com a pandemia,
esse uso melhorou por necessidade mesmo. É o entrave mais básico",
esclarece.
Ele detalha dificuldades dos próprios empresários, que muitas vezes não
possuem domínio das opções ofertadas pelo mercado, atrapalhando a
escolha do que é melhor para cada situação. "Por fim, nós temos as
tecnologias mais avançadas, que precisam do amadurecimento nos dois
níveis anteriores para serem aplicadas, como tecnologia das coisas,
inteligência artificial".
Oportunidade
O presidente da Biomátika (indústria do setor de cosméticos), José Dias,
conta como uma nova linha inteira de produtos foi desenvolvida pensando
no combate ao coronavírus e já está disponível desde abril. "A gente
percebeu que, com a falta de álcool em gel no início, as pessoas
precisavam de algo para higienizar as mãos. E a primeira recomendação
das autoridades de saúde é realmente água e sabão. Então, desenvolvemos
esses produtos em plena pandemia", destaca.
Os novos produtos passaram a ser o carro-chefe da marca, que precisou
ampliar em 20% o número de funcionários para atender à demanda. Dias
ainda revela que o faturamento da empresa aumentou 70% no período, com
as vendas tanto no atacado, para empresas que precisam reforçar a
higienização em seus ambientes, quanto no varejo, chegando ao consumidor
por supermercados e farmácias.
Alimentos
Apesar de ser um dos setores menos impactados com a pandemia de Covid-19
no Estado, o setor de alimentos também precisou repensar algumas
práticas durante a crise. O bem-estar dos funcionários, a redução nos
custos de produção e a sustentabilidade ambiental foram alguns dos
pontos lapidados pelas empresas.
De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação e
Rações Balanceadas no Estado do Ceará (Sindialimentos-CE), André
Siqueira, o impacto no setor não foi uniforme. "Temos algumas empresas
que passaram a vender mais, principalmente as que vendem ovos. Assim
como o setor de castanha também obteve bons resultados, ao firmarem
contratos de exportação. Ao mesmo tempo, o ovo de codorna caiu, já que
ele é oferecido principalmente em self-service e barracas de praia",
exemplifica.
Em tempos de crise, reduzir os custos otimizando os processos de
produção e construir consciência ambiental também se tornaram assuntos
de valor dentro das empresas. Exemplo disto é a previsão no crescimento
do faturamento da Biotrends, especialista em probióticos para peixes e
camarões. "No Ceará, com a intensidade da produção de camarão e peixe,
esses produtos são peças-chave para fazer com que ela se desenvolva de
forma saudável, para melhorar a qualidade da água e do solo", explica o
sócio da empresa, Alysson Lira.
Outro ponto positivo na utilização da tecnologia é a conversão de
alimentos, relação entre a quantidade de ração necessária para produzir
um quilograma dos pescados e o preço do produto final.
Em 2019, a Biotrends faturou R$1,2 milhão, número que, de acordo com
Lira, deve ser 50% maior em 2020, com o lançamento de mais dois produtos
e a inserção da empresa no mercado pet. "Hoje, trabalhamos com 10
funcionários diretos, 10 representantes comerciais e cinco pontos de
vendas. Estamos inaugurando nossa nova sede até o fim do ano e
pretendemos triplicar este número em 2021".
Clonagem
A forte atuação da biotecnologia também pode ser percebida na Bioclone,
biofábrica cearense de clonagem de plantas. "O grande diferencial na
questão ecológica é que ela é cultivada in vitro, que não utiliza
defensivos agrícolas, conhecidos como agrotóxicos. Depois elas vão para
as estufas, em cultivo protegido, os riscos são mínimos", afirma o CEO
da empresa, Roberto Caracas.
Apesar da expectativa de estagnação no faturamento deste ano, Caracas
afirma que há novos contratos de exportação sendo firmados. "Nós
atendemos todo o Brasil, com ênfase no norte de Minas Gerais. Já fizemos
algumas exportações pontuais para Cabo Verde, mas temos demandas para
Angola e Moçambique".
A Bioclone é a primeira biofábrica do Ceará, o que, segundo o CEO da
empresa, facilita o acesso de pequenos e médios produtores à tecnologia.
"Durante o processo de fabricação in vitro, nós utilizamos tecnologias
que reduzem o preço do produto, como os biorreatores, que fazem com que a
planta se desenvolva mais rápido. Então, conseguimos transpor esse
ganho, fazendo com que o pequeno produtor tenha acesso a uma tecnologia
que antes era só dos grandes produtores", diz.
Controle
A NWAY PRO, empresa de sistemas de controle de ambientes, como catracas,
desenvolveu um produto para reduzir o contato e evitar contaminação
pelo coronavírus, passado a utilizar reconhecimento facial, por exemplo,
e sensores de proximidade. O CEO da empresa, Tiago Oliveira, ressalta
que 40% dos clientes já fizeram a atualização e a expectativa é que a
proporção chegue a 80% até o fim do ano.
"São tecnologias usadas fora do Brasil há muito tempo, mas que aqui
iniciou a procura somente agora com a pandemia. O novo serviço ainda
permite uma gestão inteligente do número de pessoas que estão dentro do
ambiente, de forma a se evitar aglomerações. É muito eficiente em
hospitais, podendo limitar a um acompanhante para cada paciente, por
exemplo. Já estamos presente em quase todos os hospitais do Estado".
Relacionamento
No mercado há dez anos com assessoria jurídica e cobrança, a Dinâmica
Consultoria viu o faturamento cair 60% na pandemia diante da queda na
renda familiar e a não priorização do pagamento de dívidas. A
sócia-diretora da empresa, Isa Paiva, revela que 60% dos 25 funcionários
tiveram de ser demitidos.
Em meio à dificuldade, ela e o sócio, Milton Paiva, resolveram colocar
em prática um plano que vinham pensando desde o ano passado: uma empresa
de ferramentas de comunicação em massa. A partir de sistemas que já
eram usados nos processos internos, nasceu a Dinâmica Soluções.
"Usamos mensagens de voz, SMS, email, ligações automáticas, tudo
personalizado, que podem contribuir no processo de vendas a distância,
atualizando o consumidor sobre possíveis promoções, ou mesmo estreitar o
relacionamento, com felicitações de aniversário", explica Milton. A
empresa já conta com 20 clientes regulares.
Virtual
A academia Personal fez a transição definitiva para o meio virtual na
pandemia. Focada em alunos idosos ou com alguma restrição física, o
sócio-diretor do empreendimento Helder Montenegro percebeu que não teria
como voltar à atividade até que estivesse disponível uma vacina ou um
remédio eficiente. Sem conseguir manter os custos por tanto tempo sem
faturar, ele resolveu fechar a academia e investir em uma franquia, a
Person@ll.
Lançado em junho, o negócio consiste em uma plataforma online que
conecta personais trainers e alunos. Em apenas um dia, foram vendidas
252 franquias, recorde nacional. Montenegro detalha que, além da própria
plataforma, os profissionais de educação física ainda recebem
treinamento científico, liderado pelo também fundador do negócio Paulo
Gentil, e de marketing e gestão. "Nossos franqueados ainda estão em
treinamento, mas alguns já estão atendendo", comemora Montenegro.
Transformação Digital
Para auxiliar as empresas nesse processo de modernização, a Fiec inicia
hoje (4) Fórum de Transformação Digital com o tema "Indústria 4.0 e
automação industrial no cenário pós-Covid-19".
Rafael Campos, assessor especial da diretoria de Inovação e Tecnologia
da Fiec, detalha que o objetivo é ajudar os empresários a escolherem a
melhor solução para seus negócios, sem necessariamente gastar muito, nem
precisar de uma mudança complexa. "Em períodos de caixa limitado, a
melhor saída é ser assertivo, eficiente. Ainda precisamos desmitificar a
inovação".
O POVO