Defensoria Pública registra 1ª solicitação de mudança de nome e gênero em adolescente


 

A jovem Lara Mendes Magalhães Torres, 16, deu entrada no processo de retificação do nome e gênero nos documentos no último dia 16. Essa foi a primeira vez que a Defensoria Pública do Ceará registrou uma solicitação de mudança de nome e gênero em adolescentes no estado. Para Mara Beatriz, mãe da jovem, o processo representa um alívio na rotina da jornalista que vem lutando por isso há quatro anos, tendo sempre que se explicar ao mostrar o documento da filha, que se apresenta como uma menina e tem uma aparência completamente feminina, mas não tem isso nos documentos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a identidade de gênero como direito humano e algo que pode ser obtido apenas por meio de uma autodeclaração desde março de 2018, não sendo mais necessário apresentar tratamento hormonal, laudos médicos ou comprovantes de cirurgias. Qualquer pessoa interessada e maior de 18 anos consegue ir diretamente ao cartório de registro para realizar essa modificação. Nos casos de crianças e adolescentes, é preciso judicializar a ação. Quem não pode custear as taxas que são cobradas, deve procurar a Defensoria Pública para atestar a hipossuficiência.

“A decisão do STF garantiu esse direito fundamental da personalidade e ao reconhecimento da identidade de gênero de qualquer pessoa. Realizamos a escuta da família, estamos com toda a documentação e ingressamos com a ação para assegurar o direito à identidade de gênero e ao prenome da Lara nos documentos de registro civil, um direito que advém da Constituição Federal e dos pactos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”, destaca a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), defensora pública Mariana Lobo, que acompanha o caso. O tempo médio de duração do processo é de seis meses.

Traumas da transfobia  

Em 2017, no início da transição de Lara, a direção da escola onde estudava "recomendou" que a família procurasse outra escola para "atender às necessidades" da aluna. O pedido da instituição foi feito para a mãe que, assim que foi informada por Lara sobre sua transexualidade, entrou em contato com o colégio que a menina estudava desde os 2 anos, o Educar Sesc, explicando a legislação que a permitia o uso do banheiro feminino e o nome social, além de cartilhas informativas sobre o tema. Na época o caso foi amplamente repercutido na mídia nacional e a escola se desculpou com a família e recebeu a aluna de volta.

No primeiro ano do ensino médio, em outra escola, a família montou a mesma operação de guerra, apresentando a documentação e a legislação antes mesmo da filha conseguir colocar os pés no local. Dessa vez foi bem-sucedida, tanto que Lara tomou a decisão de não informar pra ninguém no local que era uma jovem trans.

"Ninguém chega nos lugares se apresentando como cis", retrucou para a mãe, que a apoiou nessa decisão. No entanto, no momento em que chegou outra menina trans à sua sala, que, diferente de Lara, não possui um círculo de apoio no seio familiar, ela decidiu espalhar na escola que era trans também. "A Lara chegou pra mim e disse que tinha contado pra todo mundo, quando perguntei o porque ela me disse que sua colega precisava saber que não estava sozinha", conta com um sorriso de orgulho da filha.

Desde os 12 anos Lara realiza o acompanhamento disciplinar com psicólogo, psiquiatra e endocrinologista. Quando as duas vão para as consultas é sempre o mesmo desconforto: Lara possui o nome social na carteirinha, mas não no documento de registro. Mara já se acostumou, ao longo desses quatro anos, a andar munida com cópias da legislação que garante os direitos de sua filha e com cartilhas informativas. "Ela já está bem feminina, parece que são duas pessoas diferentes nos documentos. Temos que explicar todas as vezes isso, a mesma coisa e a gente percebe que isso é um incômodo muito grande pra ela", confessa, ressaltando a violência simbólica disso.

Outro alívio trazido pelo processo foi o de poder evitar o desconforto da filha de ter que se apresentar às Forças Armadas com o sexo oposto na documentação para tirar a reservista ao completar 18 anos, além de poder assegurar o tratamento da filha pelo nome no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que Lara deve prestar ano que vem. No entanto, a preocupação com a filha vem aumentando à medida que ela vai crescendo.

"Logo ela vai começar a fase de balada e essas coisas, e a gente vê casos como o de ontem, da travesti assassinada no Paracuru, vê o de Pernambuco, recente, onde a moça foi queimada viva", lamenta, Mara, que lembra que a filha comunicou sobre sua transexualidade no ano do assassinato de Dandara. "O corpo trans, o corpo travesti é tratado como um nada. São vistos como lixo, aberração, e não vamos tolerar isso, nem nós nem o Mães pela Diversidade. Esses passos que a gente dá também é pensando na comunidade, em abrir portas. Que outras famílias se inspirem, aceitem", reforça a mãe.



O Povo Online

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