A
violência letal também arrebata precocemente vidas de crianças e
adolescentes. São vítimas que morrem dentro ou fora de casa, conforme
variação da faixa etária, condição social e cor. Nessa sexta-feira (22),
Unicef e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgaram
análise inédita dos boletins de ocorrência das 27 unidades da Federação
do Brasil. O levantamento aponta que o Ceará é o Estado onde mais são
assassinadas pessoas de 10 a 19 anos de idade, conforme taxa percentual
de mortes por 100 mil habitantes.
O
Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no
Brasil mostra que em 2020, no Ceará, foram 46 mortes por 100 mil
habitantes desta faixa etária, somando 719 mortes. Quando contabilizados
os Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) das vítimas de 0 a 19
anos, o número passa para 735.
Até
os 12 anos, a maior causa de morte é a violência doméstica. Os
agressores costumam ser conhecidos, vivendo sob o mesmo teto da vítima. O
mesmo vale para a violência sexual sofrida por parte das pessoas
próximas. Já na adolescência, se morre, majoritariamente, fora de casa.
São jovens que ao 'ganhar o mundo' perdem a vida para a violência armada
ou até mesmo se deparam com o racismo escancarado na sua forma mais
brutal.
7 MIL crianças e adolescentes morrem por ano, em média, no Brasil, de acordo com o Panorama.
A NECESSIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
O
chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
em Fortaleza, Rui Aguiar, explica que o Unicef monitora os dados da
violência e observa os números no Ceará com preocupação há alguns anos:
"O Ceará sempre teve uma colocação preocupante nesses indicadores, tanto
que em 2015 foi criado um esforço que resultou no Comitê de Prevenção
de Homicídios na Adolescência".
Para
o representante do Unicef, um dos avanços do Estado é buscar crianças
que estão fora das escolas. No entanto, há necessidade de se fazer uma
reforma urbana onde as crianças vivem, melhorar condições estruturais
nas comunidades.
Adolescentes
que abandonam a escolar têm chance maior de serem vítimas de morte
violenta por diversas razões. Não é uma questão só de Segurança Pública,
é de política pública. A redução depende de uma integração de esforços
de várias políticas que envolvem saúde, assistência social, e outros Se
não é feito investimento global, a redução continuará lenta. São causas
multimensionais". (RUI AGUIAR)
Conforme
o levantamento, as mortes violentas têm alvo específico: mais de 90%
das vítimas são meninos, e 80% são negros. Então, para as instituições,
quando se observam de perto quem são as vítimas, fica notória a relação
aos fatores de desigualdades sociais.
“A
violência contra crianças e adolescentes é um problema grave, que
precisa ser cada vez mais discutido por nossa sociedade. São vítimas
dentro de suas próprias casas enquanto são pequenas e sofrem com a
violência nas ruas quando chegam à pré-adolescência. O Poder Público
precisa encarar a questão com seriedade e evitar que mais vidas sejam
perdidas a cada ano”, afirma Samira Bueno, diretora executiva do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
A
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa por
nota que a Polícia Militar do Ceará (PMCE) criou um Batalhão de
Policiamento de Prevenção Especializada (BPEsp) voltado para uma atuação
especializada de crianças e jovens vítimas de todos os tipos de
violência. "O batalhão hoje é uma das portas de acesso aos programas de
proteção do Estado".
46% das mortes ocorreram pelo uso de arma de fogo
QUEM SE RESPONSABILIZA PELA MORTE
O
Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no
Brasil traz que no ano passado, 787 mortes de crianças e adolescentes de
10 a 19 anos foram identificadas como decorrentes de intervenção
policial. O número é 15% do total das mortes violentas intencionais
nesta faixa etária.
Dentre
estes casos está de Mizael Fernandes da Silva, 13. O menino foi
alvejado a tiros enquanto dormia, na casa dos tios, na Região
Metropolitana de Fortaleza. A tragédia completou e um ano no último mês
de julho, e o luto entre familiares permanece sem ter data para
terminar.
O
caso parece estar longe de um desfecho no Poder Judiciário. Parentes
próximos de Mizael reclamam não ter notícias sobre o andamento
processual e dentre eles alguns chegaram a entrar no programa de
proteção à testemunha, na tentativa de resguardar a própria vida.
"Ele era apenas uma criança e agora vem esse desprezo total do Estado"
PARENTE DA VÍTIMA, IDENTIDADE PRESERVADA
Até
o momento, o sargento Enemias Barros da Silva segue como principal
suspeito pela morte do menino. A família de Mizael tenta retomar a
rotina, que já não é mais a mesma, enquanto o caso segue tramitando no
Judiciário estadual.
"A
Secretaria destaca que em 2021 o número de mortes de intervenção
policial no Ceará está em queda: de 119 casos para 99, até o momento. "A
pasta salienta que trabalha para que esse número siga em redução, por
meio de capacitações continuadas de seus servidores, voltadas a
intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais de
segurança pública preocupados com as questões sociais e a resolução de
conflitos".
PROTEÇÃO SOCIAL
A
SSPDS também afirma ter um cronograma anual que permite a capacitação
constante de policiais militares para atuarem de forma aprimorada, sob a
doutrina do policiamento de proximidade nas comunidades, seja por meio
das bases do Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos
(Proteger) ou nos grupos de Apoio às Vítimas de Violência (GAVV) e de
Segurança Escolas (GSC).
De
acordo com a Pasta, atualmente o Batalhão de Policiamento de Prevenção
Especializada !promove ações de proteção social, com mais de mil
crianças e jovens atendidos, com a prática de futebol, karatê, músicas e
outras atividades que são oferecidas pela própria Polícia Militar, em
regiões de vulnerabilidade social.
A
Secretaria cita também o trabalho do Programa Educacional de
Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que desde 2001, ocorre em
escolas públicas e privadas, e já atendeu mais de 600 mil estudantes e
as delegacias de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente
(Dceca) e da Criança e do Adolescente (DCA) da Polícia Civil do Estado
do Ceará (PC-CE).
(Diário do Nordeste)