Fotógrafo flagra jacarés amontoados em busca de água no Pantanal

Um fotógrafo registrou fotos de jacarés amontoados no Pantanal mato-grossense em busca de água, após os incêndios e a seca que atingiram o bioma nos últimos meses. Marcelo Tchebes também flagrou outros animais silvestres impactados com a estiagem severa.


O profissional é carioca e viaja há vários anos fotografando a natureza e vida selvagem. Ele contou que a viagem para o Pantanal foi um divisor de águas na vida dele, pois os sentimentos de encantamento e preocupação com o que encontrou no bioma se misturaram.

"Foram momentos mágicos. Tive o privilégio de testemunhar uma mamãe onça amamentando, famílias de ariranhas descansando em troncos com as carinhas mais angelicais possíveis, casais de tuiuiús no ninho protegendo e sombreando seus filhotes, jacarés, cervos e tantos outros", relata.


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No entanto, ele conta que a felicidade também carregava a angústia de ver cenas como as que ele fotografou.

"Toda essa euforia era limitada por uma dor que veio crescendo ao longo da minha estadia na região. Logo nos primeiros quilômetros da Transpantaneira, me assustei ao me deparar com a vegetação totalmente queimada. Das 120 pontes, só avistei água em três ou quatro delas, onde jacarés literalmente se amontoavam em uma situação que não me parecia normal", narra.





Ao chegar na pousada, Marcelo encontrou um grupo de voluntários que explicou que vinham fazendo um trabalho constante na região com caminhões-pipa para tentar perpetuar lagos nos pontos mais críticos, além de transladar diversos jacarés de áreas que não possibilitavam mais condições de vida.



"Fui percebendo como o problema da estiagem tem se somado de forma violenta aos incêndios criminosos no Pantanal. Logo no segundo dia, a região de Porto Jofre estava coberta por uma 'neblina' de fumaça quente, que vinha das labaredas de fogo que queimavam em uma área acima do Parque Encontro das Águas", conta.

Ele denominou a coleção de fotos como 'Garras do Pantanal'.





Segundo a herpetóloga Christine Strussman, esse é um comportamento normal em alguns períodos no Pantanal, quando a seca está mais severa.

"Muitos jacarés encontram um lugar alternativo para passar esse período crítico, enterrados na lama, migrando para o leito dos rios ou lagoas permanentes. Muitos não conseguem e ficam em locais com maior aglomeração de indivíduos ou morrem", ela explica.



Onça-pintada no Pantanal de MT pelos olhos do fotógrafo Marcelo Oliveira — Foto: Marcelo Tchebes

O fotógrafo conta que ver onças-pintadas era um sonho antigo e que ficou fascinado ao estar frente a frente com a fauna silvestre pantaneira.

"Foi uma dicotomia de estar muito feliz com os encontros com a fauna mais impressionante do Brasil e o aperto de ver a situação da estiagem e das queimadas. Tenho dito para meus amigos que eu saí do Pantanal, mas ele ainda não saiu de mim", diz.




A Sema-MT monitora a presença de água no Pantanal em 120 pontos, e a situação dos animais durante o período de estiagem. Equipes da Sema-MT constataram que os jacarés-do-pantanal estão migrando dos corixos que estão secando para outros locais com água.

A mobilização dos animais acontece de forma natural. Até o momento, a recomendação da Sema-MT é de que as intervenções devem ser mínimas no Pantanal para evitar danos à fauna silvestre.

"Os jacarés estão na fase de migração para buscar novas áreas de alimento e água cumprindo o processo natural que tem sido contínuo e sem interferências. É um momento delicado para os jacarés e por isso, quanto menos pessoas ao redor dos lagos e dos locais onde eles se concentram é melhor para evitar o estresse dos animais”, afirma a coordenadora de Fauna da Sema-MT, Neusa Arenhart.

O Estado realiza a dessedentação de animais com caminhões-pipa em pontos específicos, onde o aporte de água beneficia a fauna. Este aporte foi intensificado no último dia 19 de outubro, com a média de três caminhões-pipa ao dia, no corixo da ponte 72.

Em nota técnica, a Sema-MT recomendou que, exceto em casos pontuais avaliados pelos órgãos ambientais, por especialistas e pesquisadores, não é indicada, em hipótese alguma, a suplementação alimentar aos animais silvestres.

Entre os riscos, a transmissão de doenças, a habituação, a ceva, e alterações de comportamento social intra e inter específico, que prejudicam a habilidade da fauna silvestre na busca e captura do seu alimento natural. Equipe técnica do órgão que monitora o bioma e os pesquisadores consultados avaliam que a vegetação consegue, na maioria dos casos, suprir as necessidades básicas dos animais como refúgios e alimentação.

O parecer oficial da Secretaria é assinado por especialistas da Coordenadoria de Fauna e Recursos Pesqueiros da Sema, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Pantanal (Embrapa), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Morte de animais


Estudo realizado por 30 pesquisadores de órgãos públicos, de universidades e de organizações não-governamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado.

As vítimas mais recorrentes foram as pequenas cobras, principalmente as aquáticas: mais de 9 milhões de mortes.


O estudo (ainda não publicado em revista científica) foi submetido ao periódico Scientific Reports, do grupo Springer Nature, e está sob avaliação de outros cientistas. Os pesquisadores dizem que o trabalho é pioneiro no uso da "técnica de amostra de distâncias em linhas" para calcular mortes de animais em queimadas.

Incêndios

A área atingida pelo fogo este ano no Pantanal já é maior que a média histórica da região. Segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), órgão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 261,8 mil hectares já foram perdidos para o fogo; no mesmo período do ano passado, a área queimada foi de 1.356.925 hectares.

Em 2020, o Pantanal foi atingido pela maior tragédia da história. Incêndios destruíram cerca de 4 milhões de hectares. 26% do bioma - uma área maior que a Bélgica - foi consumida pelo fogo. Cerca de 4,6 bilhões de animais foram afetados e ao menos 10 milhões morreram.

Em Mato Grosso, quase 2,2 milhões de hectares foram destruídos e, em Mato Grosso do Sul, 1,7 milhão de hectares, virou cinzas.





Seca no Pantanal

Na primeira cheia registrada na série histórica de imagens de satélite analisadas pelo MapBiomas, esse total era de 5,9 milhões de hectares. Na última, em 2018, a área alcançou apenas 4,1 milhões de hectares. Em 2020, esse valor foi de 1,5 milhões de hectares, o menor nos últimos 36 anos.

Segundo o MapBiomas, mais seco, o Pantanal está também mais suscetível ao fogo. Os períodos úmidos favorecem o desenvolvimento de plantas herbáceas, arbustivas, aquáticas e semi-aquáticas, acumulando biomassa. No período seco, a vegetação seca vira combustível para o fogo. 

G1

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