Saiba o que pode acontecer com quem é condenado por submeter pessoas a trabalho escravo

 Trabalhadores de fazenda não tinham cama e alimentação adequada

Um fazendeiro foi preso na última terça-feira (2), em Simões Filho (BA), por aliciar quatro pessoas para trabalhos análogos à escravidão, e pelo crime de tráfico de pessoas. O homem terá de pagar multas administrativas e pode ser responsabilizado por meio de TAC (termo de ajuste de conduta), ter de regularizar o ambiente de trabalho e pagar verbas trabalhistas, bem como indenizações por danos morais e coletivos.

Sem carteira assinada, os trabalhadores moravam em um alojamento sem móveis, camas, eletrodomésticos e instalações sanitárias adequadas. Eles dormiam em redes ou colchonetes. Sem refrigeração e infestados de moscas, os alimentos ficavam em baldes e sacos no chão, e eram preparados em um fogareiro improvisado. A água não era tratada e sequer havia chuveiro. A eletricidade era garantida por gambiarras, com risco de incêndio.

Em 2022, operações como essas já resgataram 1.124 trabalhadores até o início de agosto – somente em uma ação conjunta em 22 estados e no Distrito Federal, realizada no fim de julho, houve 337 resgates. No ano passado, ao todo, 1.937 trabalhadores foram resgatados.

O caso do fazendeiro preso na Bahia, no entanto, é pouco comum. De modo geral, as condenações se dão mais somente pela via trabalhista que também pela criminal, como explica Lys Sobral Cardoso, procuradora do Trabalho e coordenadora nacional do Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), divisão do MPT.

“Há no Brasil muito menos condenações criminais por trabalho escravo do que condenações trabalhistas”, diz a procuradora. Isso porque, segundo Cardoso, alguns critérios para a condenação criminal, como o dolo ou a culpa, não são necessários no caso da condenação trabalhista. 

“Existem casos, por exemplo, de responsabilização de pessoas jurídicas em crimes ambientais, mas no trabalho escravo não há casos de responsabilização de pessoas jurídicas. Enquanto isso, na esfera trabalhista, a grande parte dos casos de responsabilização é de pessoas jurídicas”, prossegue.

As punições variam de acordo com as circunstâncias de cada caso, segundo ela, por exemplo, como a duração da exploração, quantas pessoas foram vitimadas, a gravidade da situação, a quantidade de ilicitudes que se encontrou naquela situação e porte econômico, ou seja, do quanto se beneficiou o empregador com aquela prática.

“O porte econômico precisa ser considerado para que a punição seja de fato efetiva, que seja um valor que de fato responsabilize o empregador”, pondera.

Uma vez constatado o trabalho escravo e o resgate das vítimas é concluído, a auditoria fiscal do trabalho lavra autos de infração, sobre os quais se incluem as multas administrativas.

Os empregadores podem ter de pagar indenizações de reparação coletiva, isto é, dos danos cometidos à sociedade, e de reparação individual, especificamente para a vítima do trabalho escravo.

Cardoso explica que, quando não há mais como se recorrer a um caso, o responsável também é incluído na lista suja do trabalho escravo, uma relação com os empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravidão.

No caso das punições no âmbito criminal, o artigo 149 do Código Penal prevê pena de dois a oito anos, além de multa e a pena correspondente à violência.

Há, ainda, o artigo 149-A, que dispõe especificamente sobre o tráfico de pessoa – uma forma de trabalho escravo contemporâneo, lembra Lys Cardoso. Nesse caso, a pena é de reclusão de quatro a oito anos, além de pena de multa.

Qualquer pessoa que suspeite que alguém seja vítima de uma situação de trabalho escravo pode e deve denunciar, destaca Lys Sobral Cardoso: “É uma responsabilidade social, uma responsabilidade de todos e todas.”

É possível identificar um caso de trabalho análogo à escravidão a partir de quatro critérios: trabalho forçado (indivíduo submetido a exploração, sem poder deixar o local por conta de dívidas ou ameaças); jornada exaustiva (horas diárias ou dias por semana desgastantes, que põem em risco a saúde do trabalhador ou trabalhadora); servidão por dívida (trabalho para pagar dívidas ilegais que "prendem" o trabalhador à atividade); condições degradantes (elementos que indicam a precariedade do trabalho: alojamento insalubre, alimentação de baixa qualidade, maus-tratos, ausência de assistência médica, saneamento básico e água potável).

“Ele (trabalho escravo) é configurado quando as situações de violação trabalhista são extremas a ponto de realmente retirar do trabalhador da trabalhadora a dignidade no trabalho”, resume Cardoso.

A denúncia de um caso de trabalho escravo pode ser realizada pelo Disque 100, bem como pelos portais das procuradorias do trabalho no país.

A notificação do Ministério Público do Trabalho também pode ser feita pelo MPT Pardal, aplicativo disponível nos sistemas Android e iOS. A Detrae, divisão do governo federal, recebe denúncias por meio deste link.

“Então, se alguém percebe que a aquela pessoa que está trabalhando está em sofrimento e numa situação em que não está tendo respeitada sua dignidade no trabalho, e levando em consideração alguns desses elementos, pode denunciar”, conclui a procuradora.

 

R7

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