Morte de Yanny: com 27 assassinatos de mulheres em 5 anos, Cariri é marcado por feminicídios


 

A apuração da morte da presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, no Ceará, Yanny Brena (PL) segue em curso. A principal linha de investigação é a de feminicídio e, conforme a Polícia, evidências iniciais indicam que ela foi morta pelo namorado, Rickson Pinto, que logo após teria tirado a própria vida.

No Estado, a prática desse tipo de crime, na qual mulheres são mortas em razão do gênero, é recorrente, dissipada e repete aspectos de crueldade. Nesse cenário, a Região do Cariri, na qual está Juazeiro do Norte, é uma das mais marcadas historicamente por feminicídios.  

Em 2023, no Ceará, segundo registros da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), antes das suspeitas sobre a morte de Yanny, outras 7 mulheres morreram vítimas de feminicídio, em 5 cidades diferentes: Jaguaribe, São João da Jaguaribe (dois assassinatos), Novo Oriente, Pentecoste e Iguatu (dois assassinatos).

No histórico recente no Estado, desde 2018 - ano em que é possível consultar os dados oriundos do sistema de informação policial disponibilizados publicamente pela SSPDS -  dos 157 feminicídios, 27 mulheres foram vítimas em cidades da Região Cariri.

Os crimes do tipo, desde 2018, têm ocorrido de forma numerosa, e apesar das variações ano a ano, (com uma média de 30 casos anuais) não há redução expressiva das ocorrências. Uma dimensão da gravidade é que das 184 cidades do Ceará, em 72, nesse intervalo de tempo, mulheres foram vítimas de feminicídio. Vidas abreviadas pela violência extrema que se alastra.

De janeiro de 2018 até janeiro de 2023 (período mais atualizado com dados consolidados da SSPDS), apenas os meses de abril de 2018, agosto de 2019 e março de 2022 não tiveram feminicídios no Ceará. Nos demais, ao menos um crime do tipo foi cometido.

Das 72 cidades que tiveram feminicídios nesse tempo, 13 são da Região do Cariri. Entre os 10 municipios nos quais há o maior número de assassinato de mulheres por serem mulheres no Ceará,  entre 2018 e janeiro de 2023, três também são do Cariri: Juazeiro do Norte, Crato e Brejo Santo.

Juazeiro do Norte, cidade em que Yanny Brena foi encontrada morta, na última sexta-feira (3), registrou feminicídios em 2019 (2 mortes), 2020 (3 mortes) e 2022 (uma morte).
O que é feminicídio?

Os crimes em questão foram cometidos em razão do gênero, ou seja, em todos esses casos, uma característica é comum: a vítima foi morta por ser mulher. Logo, diferentemente das percepções equivocadas, nem todos os assassinatos de mulheres são considerados feminicídios.

Conforme a Lei Federal 13.104/2015, mais conhecida como “Lei do Feminicídio”, que alterou o Código Penal brasileiro, para enquadrar o assassinato de uma mulher como crime de feminicídio, é necessário:

    Que o autor tenha cometido o ato em razão de violência doméstica e familiar;
    Haja o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Yanny Brena

Yanny Brena
Foto: Reprodução/Instagram Yanny Brena



Por que essa violência extrema marca o Cariri?

Conforme os dados oficiais evidenciam a violência extrema cometida contra as mulheres se alastra pelas áreas do Estado como um todo. Mas, há uma ênfase dos índices negativos na Região do Cariri.

Na história recente, o território é marcado por assassinato de mulheres, como o "Escritório do Crime", em mulheres foram assassinadas durante uma série de crimes entre maio de 2001 e março de 2002, em Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha, Brejo Santo e Araripe.

Dentre as dimensões a serem consideradas, pondera a atual coordenadora da Casa da Mulher Cearense no Cariri, militante feminista e fundadora do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Cratense, Mara Guedes, é preciso observar que:

    “O Cariri historicamente não avançou muito na descontrução do dominio dos homens sobre as mulheres. Embora tenha tido muitos exemplos de mulheres lutadoras, que participaram de grandes lutas, as mulheres do Cariri ainda são vítimas de violência intensa”.

    Mara Guedes

    Coordenadora da Casa da Mulher Cearense no Cariri


Ela reitera que a Região é caracterizada por essa marca negativa e diz que “ tal construção vem de longe. Uma essa herança patriarcal. Com homens donos de terras, das vontades e de tudo. Se sentiam donos das mulheres. E o avanço do machismo não foi trabalhado socialmente como deveria. É uma Região que, embora tenha universidades, uma cultura forte, ainda não conseguiu avançar na desconstrução do machismo”.

 

Familiares e amigos se despediram de Yanny Brena neste sábado (4)
Foto: Emanoela Campelo de Melo




Na avaliação de Mara, há que se reconhecer que na atualidade há uma série de políticas e articulações no território para consolidar o combate à violência contra a mulher em todas as dimensões. Mas, a fatalidade do feminicídio, afirma ela, persiste como um expressivo desafio.

Na ações para enfrentar a persistente violência, ressalta ela, é preciso compreender que muitas vezes, o feminicídio é a cruel fatalidade de relacionamentos abusivos. “As mulheres precisam se perceber nessa condição de viver uma relação abusiva. identificar que está sendo vítima e tentar sair dessa relação abusiva”.

Ele ressalta que hoje “políticas estão colocadas para enfrentar todas as formas de violência”, mas precisam ser melhoradas. Além disso, como ponto a ser trabalhado em curto, médio e longo prazo é, destaca, a educação. Por essa via, avalia, apesar da complexidade do enfrentamento ao machismo é possível alterar percepções e comportamentos.

    “O feminicídio tem origem no machismo. Tem raiz no patriarcado, no domínio na questão de gênero. É cultural e social. E tudo que é cultural é passível de desconstrução”.

    Mara Guedes

    Coordenadora da Casa da Mulher Cearense no Cariri


(Diário do Nordeste)

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