Usina nuclear faz água de praia em Angra dos Reis ficar quente; saiba se é seguro para os banhistas

 

Praia do Laboratório, em Angra dos Reis — Foto: Felipe Teixeira
 

Com ondas calmas e paisagem paradisíaca, o mergulho no ponto turístico traz ao visitante uma sensação parecida com a experiência de um banho em fontes termais.

"É muito diferente. É termal mesmo, mais quente, e dá pra entrar tranquilamente até no inverno. A sensação é muito gostosa", disse o morador Felipe Teixeira, que gosta de explorar destinos menos conhecidos pelos turistas em Angra dos Reis.

O aquecimento é provocado por um processo da central nuclear que capta uma grande quantidade de água do mar para resfriar o vapor utilizado para movimentar um gerador de eletricidade.

De acordo com a Eletronuclear, responsável por operar as usinas Angra 1 e 2, o vapor é consequência do aquecimento do reator nuclear, mas o resfriamento acontece em um circuito separado do sistema primário e, por isso, a água não tem nenhum contato com radioatividade.

Ou seja, o processo não contamina a água que é devolvida ao mar. Ela só entra e sai com uma temperatura de três a cinco graus celsius mais quente.


Praia sempre recebeu banhistas


A Praia do Laboratório fica a 43 km do Centro de Angra dos Reis. Para chegar até ela, é preciso pegar a Rodovia Rio-Santos e encontrar uma estrada asfaltada nas imediações das usinas — não há sinalização que indique essa estrada. Há um estacionamento bem perto da praia.

Não há bares na orla, mas é possível encontrar vendedores ambulantes em períodos de alta temporada.

A praia ganhou esse nome por conta de um antigo laboratório que funcionava dentro do complexo nuclear. Algumas pessoas a chamam de Praia Secreta, por causa da dificuldade de acesso.

Do lado dela, há uma outra praia, com uma pequena faixa de areia, chamada de "Praia das Águas Quentes", ainda mais aquecida. Todo o local é monitorado por seguranças da Eletronuclear.

Nunca houve restrição de visitantes ao local por causa da proximidade com as usinas.

Balneabilidade desatualizada, mas histórico bom

Praia do Laboratório, em Angra dos Reis — Foto: Henrique Toledo Santiago

A Praia do Laboratório tem amostras de água analisadas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que publica em seu site boletins de balneabilidade. Desde fevereiro de 2016, todos os laudos divulgados apontaram que a praia estava apta para o banho.

No entanto, a última análise foi feita em fevereiro de 2020 — há pouco mais de três anos. O Inea justifica que a pandemia de Covid-19 atrapalhou o processo de coleta de água e, por isso, os dados estão desatualizados.

O instituto informa ainda que "está reestabelecendo a cooperação com o município de Angra dos Reis para viabilizar a logística das análises da qualidade da água das praias, pois esse trabalho é realizado no laboratório situado na cidade do Rio".

Dúvidas ganham repercussão

O assunto ganhou repercussão nos últimos dias por causa de uma publicação do perfil @queriaviajarque no Twitter. O post com um vídeo de mergulho na Praia do Laboratório se aproximava de 10 milhões de visualizações, até a tarde desta sexta-feira (21).

A publicação até avisa que não há perigo ao banhista, mas muitas pessoas fizeram questionamentos se entrar na água naquela área no entorno das usinas nucleares traria algum risco de contato com radiação.

Apesar de não ter fundamento, o receio não é à toa. Recentemente, a Justiça cobrou a Eletronuclear por demorar 21 dias para informar sobre um vazamento de material radioativo. A usina Angra 1 teria lançado 90 litros de água contraminada na Baía de Itaorna em setembro de 2022.

Usinas Angra 2 (à esquerda) e Angra 1 (à direita); os reatores, onde a energia nuclear é gerada, ficam dentro das estruturas brancas — Foto: Divulgação/Eletronuclear

Segundo o Ministério Público Federal, a postura da empresa "aponta evidências de que teria havido tentativa de esconder o vazamento, atuação que levanta dúvidas sobre a transparência e a seriedade com que a Eletronuclear trata a questão da segurança e a comunicação de incidentes".

"Informar a extensão e os riscos associados a um acidente radioativo é essencial para a segurança de todos. A transparência deve ser uma regra, não uma exceção, a fim de que a população confie completamente nas informações divulgadas, disse o procurador da República, Aldo de Campos Costa, autor da ação.

A Eletronuclear explicou que o vazamento foi provocado por uma corrosão em um equipamento, classificou como "pequeno volume de água com baixo teor de radioatividade" e, como os valores da liberação foram considerados abaixo dos limites que caracterizam um acidente, tratou o evento como um "incidente operacional" — informando sobre o assunto em relatórios e no site.

Em nota enviada ao g1, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) disse que foi informado do vazamento por meio de uma denúncia anônima, e não pela Eletronuclear.

Equipamento para análise radiológica — Foto: Divulgação/Eletronuclear

Após análises e contabilização radiológica, que contaram com coleta de amostras de água e sedimento marinho, o Ibama considerou que o vazamento não causou nenhum dano significativo na Baía de Itaorna.

"As ações da proteção radiológica para controle de espalhamento de contaminação foram adequadas em relação à técnica e ao tempo após e detecção do evento. Pode-se afirmar que nenhum limite de controle radiológico foi violado", informou o Ibama, em relatório de fiscalização elaborado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Mesmo assim, o Ibama autuou a empresa em cerca de R$ 2 milhões por descarte irregular de substância radioativa no mar, além de R$ 101 mil por descumprimento de condicionante, estabelecida na Licença de Operação que autoriza o funcionamento da empresa.

Ibama multa Eletronuclear em mais de R$ 2 milhões por ter demorado 21 dias para comunicar vazamento de material radioativo

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Monitoramento desde 1978

A Eletronuclear garante que mantém um permanente e rigoroso programa de monitoração para garantir que a operação da central nuclear não libere nenhum material radiativo para o meio ambiente. Este trabalho começou em 1978, quatro anos antes do início da operação de Angra 1, a primeira usina nuclear brasileira.

Nesta época, foi criado o Laboratório de Monitoração Ambiental para realizar um vasto diagnóstico ambiental na área do entorno da futura central nuclear, que funciona até hoje.

Mergulhadores analisam fauna e flora marinha — Foto: Divulgação/Eletronuclear

Impacto discreto na vida marinha

De 15 em 15 dias, um programa interno da Eletronuclear avalia a temperatura da água nas áreas de captação e de lançamento para verificar a dispersão térmica e uma possível influência sobre a vida marinha.

As análises mais recentes constatam que o impacto térmico continua concentrado a uma profundidade de até meio metro, o que faz com que esse calor seja rapidamente disperso para a atmosfera, livrando as comunidades marinhas que vivem abaixo dessa profundidade dos efeitos do aumento de temperatura.

Análise de água coletada — Foto: Divulgação/Eletronuclear

Energia para 3 milhões de habitantes

Angra 1 foi a primeira usina nuclear brasileira. Ela entrou em operação comercial em 1985 e gera energia suficiente para suprir uma cidade de 1 milhão de habitantes, como Porto Alegre (RJ) ou São Luís (MA).

Angra 2 começou a operar comercialmente em 2001 e permitiu economizar água dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras, amenizando as consequências do racionamento de energia, especialmente na região Sudeste, maior centro de consumo do país. Ela é capaz de atender ao consumo de uma cidade de 2 milhões de habitantes, como Brasília (DF) e Belo Horizonte (MG).

Angra 3 está em fase de construção e tem previsão de entrar em funcionamento a partir de 2028. Ela será "irmã gêmea" de Angra 2.

Com Angra 3, a energia nuclear passará a gerar o equivalente a 60% do consumo do estado do Rio de Janeiro. 

G1

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