Jeri: Incra quer concluir até o fim de novembro busca em cartórios sobre terras de empresária

 FOTO antiga de Jeri apresentada pela família de Iracema Correia São Tiago, que tem documento da área

 

O plano de trabalho para tentar esclarecer mais do rebuliço jurídico-imobiliário sobre as terras de Jericoacoara, a 282 km de Fortaleza, já foi desenhado. Chamado para reforçar a nova investigação sobre os registros cartorários de uma propriedade particular que estaria em sobreposição com a vila de Jeri, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) definiu 29 de novembro próximo como prazo para concluir a sua parte no levantamento mais minucioso sobre as terras, que passaram a ser reivindicadas por uma empresária. 

Um servidor do Incra foi disponibilizado para atuar exclusivamente, durante todo o mês de novembro, na identificação da cadeia dominial da Fazenda Junco I, que tem a escritura em nome da empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos. A intenção do trabalho será “ir até a origem” da escritura do imóvel, que indica estar com mais de 80% de sua área (73,5 hectares) coincidentes com o terreno completo (55 ha) da vila.

Está previsto que o técnico do Incra percorra os cartórios dos municípios de Acaraú, Cruz e Jijoca de Jericoacoara, para tentar localizar o marco zero documental da fazenda, de onde e quando se formou a propriedade.

Cruz, em 1985, e Jijoca, em 1991, se emanciparam de Acaraú, que guarda muitas das matrículas imobiliárias vizinhas. O que for apurado será confrontado com informações já obtidas anteriormente. Em reuniões internas, o órgão federal admite que o prazo estipulado pode ser revisto, caso o rastreio não tenha sido concluído.

Fotos feitas em 1982 mostram as terras adquiridas pela família Machado no ano seguinte, onde hoje está a vila de Jericoacoara
Fotos feitas em 1982 mostram as terras adquiridas pela família Machado no ano seguinte, onde hoje está a vila de Jericoacoara Crédito: FCO FONTENELE

Diante da repercussão de que Jeri poderia pertencer quase totalmente a apenas uma pessoa, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) interrompeu, inicialmente por 20 dias e depois por tempo indeterminado, um acordo extrajudicial que já estava firmado com a empresária Iracema Correia São Tiago, 78. O acerto havia sido assinado em maio deste ano.

"Duas situações principais vão ser analisadas: a legitimidade da propriedade, que é a forma como ela foi adquirida, e as dimensões do imóvel", informou o superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), João Alfredo, sobre como será o trabalho pericial do Incra. Segundo ele, o Idace teria condições técnicas de realizar o mesmo levantamento, mas a intenção foi ter um "olhar de fora" para avaliar o material e buscar novas evidências sobre a área. 

As terras da Junco I teriam surgido quando três propriedades menores foram adquiridas, em 1983, pelo empresário José Maria Morais Machado, ex-marido de Iracema. O casal se divorciou em 1995 e ela recebeu a fazenda na partilha de bens. Além dessa, as fazendas Junco II e Caiçara também somam faixas (cerca de 1.600 hectares) sobrepostas na área do Parque Nacional de Jericoacoara - criado em 2002 e expandido em 2007.

O servidor do Incra escalado para o levantamento das terras de Iracema deverá também esmiuçar cada uma dessas três matrículas embrionárias da fazenda Junco I. "Ele vai analisar livro a livro, cada página e, se necessário, buscar mais informações em livros auxiliares", complementou o superintendente do Idace.

Vila de Jeri: entenda mais do acordo com a empresária

O acordo, por enquanto travado por período indeterminado pelo Estado, é para que a empresária Iracema Correia São Tiago siga dona de 19 lotes da localidade (3,47 ha), todos de áreas remanescentes, sem construções, e renuncie aos terrenos onde haja habitações ou estabelecimentos comerciais. Na justificativa da PGE, a suspensão é para “garantir a segurança jurídica” do acordo, que outros órgãos se manifestem e até que não restem dúvidas “quanto ao legítimo domínio”.

As tratativas entre a empresária e o Estado haviam começado em julho de 2023 e foram assinadas desde maio deste ano. PGE e Idace participaram da negociação. A comunidade de Jeri só teria descoberto o acordo no fim da primeira quinzena de outubro - quando foi requisitar a transferência de um terreno onde seria construída uma horta comunitária local.

Praia de Jericoacoara. Vila vista de um dos serrotes da região
Praia de Jericoacoara. Vila vista de um dos serrotes da região Crédito: FCO FONTENELE

No dia 13 passado, após reunião entre representantes dos moradores e comerciantes, os advogados da proprietária, o prefeito eleito Leandro Cézar (PP), mais PGE e Idace, foi anunciada uma suspensão inicial do acordo por 20 dias - depois estendida por tempo indefinido para mais esclarecimentos sobre a documentação apresentada.

Ao justificar a suspensão como "necessidade de uma análise complementar em parceria", a PGE oficiou órgãos e entidades que lidam com questões ambientais e fundiárias. Além do Incra e do Idace, também foram envolvidos na nova apuração a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Procuradoria Federal. Os núcleos ambientais do Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPCE) também foram comunicados.

Sobreposição das terras de Jeri: o que é questionado pelo Conselho Comunitário

A escritura trintenária nas mãos da empresária que se apresentou como "dona" da área de Jeri foi inicialmente reconhecida e legitimada pelo Estado, através da PGE e do Idace. Mas a validade da matrícula passou a ser questionada pelo Conselho Comunitário de Jeri, que reúne moradores e comerciantes locais e alegou inconsistências quanto ao tamanho daquelas terras particulares.

Conselho de Jericoacoara cria movimento SalveJeri após mulher dizer que é proprietária de 80% das terras da região
Conselho de Jericoacoara cria movimento SalveJeri após mulher dizer que é proprietária de 80% das terras da região Crédito: Reprodução/Conselho Comunitário de Jericoacoara

Há menções, em documentos divulgados em postagens de redes sociais pela entidade, de que o tamanho das matrículas teria passado de pouco acima de 400 para mais de 900 hectares. Outras citações indicam de 700 para 900 hectares. A dúvida e a repercussão forçaram o Estado a adiar a confirmação da propriedade para Iracema Correia São Tiago.

Os advogados da empresária argumentam que os recursos tecnológicos de georreferenciamento ajustaram o tamanho das terras. Que antes teriam sido indicados em cartório apenas por referências físicas - como em lagoas, serrotes, o mar ou em cercas que existiam anteriormente.

No último dia 23, em comunicado emitido por Iracema e seus filhos, a família da empresária negou ter cometido grilagem da área em questão. "Queremos nos somar e não dividir. Queremos dialogar e não agredir. Não somos grileiros", declararam, após o Conselho Comunitário questionar a metragem dos terrenos. 




(O Povo)