“Penso que estou na melhor época da minha vida”. Aos 61 anos, a estudante de Psicologia e geógrafa Ana Cecy Braga Pontes anseia pelas novas experiências que a vida tem a lhe oferecer. Prestes a concluir a terceira graduação, ela faz planos de ter um consultório e ajudar pessoas na jornada do autoconhecimento — que ela considera caminho pessoal para a longevidade.
Atuando há 15 anos na área de contratos de gestão, Ana Cecy se prepara para concluir a transição de carreira. Parar de trabalhar não está no roteiro, pois gosta de estar em constante movimento: no tempo livre, aprecia o contato com a natureza fazendo trilhas, faz atividade física regular e é adepta de acupuntura. “A vida é desafiadora. Eu gosto. Não saberia viver sem propósito”, diz Ana.
“Apesar dos inúmeros desafios diários, sempre gostei de me movimentar. Gosto de tudo: da rotina, das relações que tenho com outras pessoas. Após (concluir) a faculdade, gostaria de investir na psicologia clínica e continuar estudando para conseguir ajudar as pessoas”, afirma Ana.
Sobre os preconceitos com a pessoa idosa no mercado de trabalho, ela afirma que nunca percebeu nenhum.
No trabalho e na faculdade, me relaciono com pessoas mais novas e, para mim, é tranquilo. Quando preciso, busco ajuda sem problemas, assim como também ajudo sempre que me procuram
Ana é uma das 323 mil pessoas com mais de 60 anos que seguem trabalhando no Ceará, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do fim do ano passado, os mais recentes. Desde 2012, cresce a participação dessa faixa etária na força de trabalho ocupada no Estado.
Legenda: Ana Cecy Braga Pontes, de 61 anos, ama fazer trilhas e estar connectada com a natureza
Foto: Arquivo pessoal
A população idosa tem exercido papel significativo na dinâmica do consumo. No Brasil e no mundo, esse grupo etário, especialmente nas classes A e B, impulsiona diferentes segmentos econômicos e alimenta a chamada economia prateada, ou silver economy, voltada a produtos e serviços destinados a pessoas com 50 anos ou mais.
Nesse contexto, aponta o presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida, a permanência dessa população no mercado de trabalho estimula o consumo e cria condições para que essas pessoas continuem usufruindo de bens e serviços.
“Algumas instituições de ensino superior têm desenvolvido projetos voltados para essa faixa etária, e o setor industrial tem investido em programas de treinamento para manter a gestão com profissionais mais experientes, o que, consequentemente, favorece a transmissão de conhecimento para as novas gerações”, avalia Wandemberg.
Ele enfatiza que essa troca de experiências “contribui para a produtividade e para a formação dos novos profissionais no ambiente de trabalho”.
Quando a permanência se dá pela necessidade financeira
Para algumas pessoas idosas, se manter trabalhando não é escolha, mas necessidade. Almeida avalia que a crescente permanência dessa faixa etária no mercado de trabalho é um fenômeno notável no Brasil, com relação direta com as mudanças nas políticas previdenciárias, além da questão financeira.
Conforme o IBGE, 778,7 mil domicílios no Ceará, ou ¼ do total, é chefiado financeiramente por pessoas acima dos 60 anos.
É o caso do motorista José Hélio Leandro de Araújo, de 64 anos. Há mais de três décadas na mesma função, ele trabalha em uma instituição transportando pessoas e materiais. Embora já esteja aposentado, continua sendo o principal provedor da família e mantém a rotina em dois turnos para complementar a renda.
"Continuo trabalhando porque minha mulher teve que parar de atuar como cabeleireira, profissão que exercia desde os 12 anos de idade. Temos outra fonte de renda, mas ela é menor, e eu preciso custear as despesas da casa. Não é tarefa fácil", afirma o motorista.
O peso de ser o principal sustento da família não tira, entretanto, a satisfação que Hélio sente ao exercer suas atividades diariamente. "Gosto de trabalhar, sou imparável. Chego cedo e me sinto confortável sendo produtivo, em vez de permanecer na ociosidade", relata.
Legenda: Hélio trabalha como motorista em uma instituição e é a principal fonte de renda da casa
Foto: Fabiane de Paula
Outros mais jovens criticam: 'Ei, véio, vai para casa. Lugar de véio é fundo de rede'. Mas respondo: 'Procure fazer o que é direito e peça a Deus para chegar onde eu cheguei'
Amante de "cultura, arte e música boa", Hélio Leandro, "nome de guerra", como ele diz, conta que aprendeu muito com a vida. Quando alguém demonstra uma postura etarista, ele rebate que a pessoa idosa merece o devido respeito.
O idoso tem experiência de vida e profissional, honestidade, sabe se adaptar às mudanças e ainda passa conhecimento, ensinando o que de bom aprendeu no percurso da vida
Previdência e manutenção do padrão de vida
O presidente do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), Raul Velloso, vê o sistema nacional previdenciário em iminente colapso, o que pode ampliar a permanência de pessoas idosas no mercado de trabalho. Por outro lado, a piora do déficit previdenciário tende a penalizar o mercado de trabalho.
"Não olhar para esse problema (do déficit previdenciário) pode significar uma quebra na taxa de crescimento da economia, porque normalmente esse dinheiro usado para cobrir os déficits previdenciários sai dos investimentos em infraestrutura", diz Velloso. Inclusive, para ele, o aumento da idade mínima para aposentadoria é parte da solução.
Já o economista Wandemberg Almeida pondera que a elevação da idade mínima e revisão das regras de contribuição criam um cenário em que o benefício previdenciário se torna menos acessível, incentivando os idosos a adiar a saída do mercado de trabalho.
Ele lembra que, em alguns casos, a chegada da aposentadoria pode implicar uma queda significativa na renda, que pode chegar a ser de 50%, gerando um impacto considerável na qualidade de vida.
“O desafio reside em equilibrar essas duas perspectivas. É crucial garantir que os idosos que optam por continuar trabalhando encontrem oportunidades dignas. Ao mesmo tempo, é fundamental assegurar que a aposentadoria seja uma opção viável. A aposentadoria com endividamento ou renda insuficiente compromete a qualidade de vida e a dignidade do indivíduo”, pondera Almeida.
O presidente do Corecon-CE enfatiza a necessidade de políticas de empregabilidade para a população idosa, fomentando a capacitação e a inclusão em diversas áreas e funções.
“É imperativo investir em saúde preventiva, reconhecendo a necessidade de atenção diferenciada a essa faixa etária, pois a promoção da saúde dos idosos otimiza os recursos sociais. Também é fundamental incentivar a previdência complementar e a educação financeira, a fim de diminuir a dependência exclusiva da aposentadoria pública”, ressalta.
Com a transição demográfica, o aumento da expectativa de vida e a necessidade de adaptação ao digital para executar tarefas que vão das mais básicas às mais complexas, temas como educação financeira e digital tornam-se progressivamente mais familiares a essa faixa etária. Projetos e produtos financeiros, como seguros e aplicações específicas, têm sido desenvolvidos para proporcionar ao idoso maior autonomia tecnológica e financeira.
Idosos no mercado informal
O professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGE-UFRGS), Giácomo Balbinotto Neto, observa um cenário crescente em que os idosos assumem a responsabilidade pelo sustento de suas famílias.
Segundo ele, isso se deve à dificuldade dos jovens em obter remuneração suficiente para alcançar independência financeira. “Por isso, muitas pessoas com mais de 60 anos se aposentam, mas continuam exercendo suas funções na perspectiva de ajudar financeiramente filhos e até netos”, reforça.
Nesse contexto, o professor aponta uma movimentação em crescimento de idosos em direção ao mercado de trabalho informal, motivada também pelo desejo de organizar sua vida no próprio ritmo.
Trabalhando por meio de aplicativos de transporte de pessoas ou de entregas, muitas vezes, o idoso consegue complementar a aposentadoria, que é pouca para o padrão de vida que ele tinha, e ainda tem uma flexibilidade com horários e rotina, que no mercado formal, não tinha
O professor destaca também que a necessidade de continuar tendo uma renda mais elevada está relacionada aos novos gastos com saúde, decorrentes da maior longevidade desse público.
“Hoje, muitas doenças que antes levavam à morte são tratáveis, e a pessoa convive com elas com qualidade de vida por mais tempo. Isso tem um custo, mas também faz com que o idoso se sinta laboralmente apto a continuar trabalhando e perceba a necessidade de ter renda para seguir vivendo.”
Sobre a perspectiva de usar a tecnologia dos aplicativos nessa nova geração de renda, o economista ressalta que os idosos de hoje são diferentes daqueles de 30 anos atrás.
"Eles já são letrados digitalmente e vivem a transformação digital, sendo possível usar aplicativos como meio de trabalho. Além disso, também é benéfico poderem se manter ativos no mercado formal, se assim desejarem, recebendo oportunidades compatíveis com sua experiência e conhecimento”, reforça Balbinotto.
Faltam programas de diversidade geracional para o mercado de trabalho
Em 2024, 4.149 postos de trabalho com esse perfil etário foram fechados no Ceará, ou seja, o saldo foi negativo. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego.
Durante o mesmo período, se olharmos as admissões a partir de 50 anos, foram 43.714. Dessas, 42.184, com idade entre 50 e 64 anos. Já quando a faixa etária é de 65 anos ou mais, esse número cai para 1.530.
Neste contexto, as mulheres são as mais prejudicadas, com apenas 358, ante os 1.172 homens. Assim, a permanência de pessoas com 60 anos ou mais no mercado de trabalho também depende da readequação do setor privado.
A pesquisa “Diversidade geracional nas empresas: mitos, realidades e caminhos para o futuro”, da PwC Brasil (empresa de consultoria) em parceria com o Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (Neop) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que 65% das empresas ainda não têm programas de diversidade geracional.
Legenda: Hélio trabalha como motorista, mas se desloca diariamente até o trabalho usando o ônibus
Foto: Fabiane de Paula
Além disso, 86% das empresas não têm planos de carreira para profissionais acima de 40 anos, ou sequer investem no treinamento dessas pessoas. Conforme a coordenadora do Neop, professora Maria José Tonelli, essa é uma mudança necessária porque as pessoas que hoje têm 40 anos no mercado de trabalho vão continuar trabalhando por mais tempo.
“A questão não é só com quem tem 60+ hoje, mas também com quem tem 40. Acho que as empresas precisam se preparar e mudar em diversas frentes. Se a gente pega o pessoal de 40, é uma questão de continuar investindo nessas pessoas. Com as de 60 anos ou mais, também há uma questão de treinamento, eventualmente de reorganização de contratos de trabalho, já que se têm atividades para favorecer que essas pessoas permaneçam no mercado”, pondera.
Diminuição de oferta de mão de obra jovem leva idosos a trabalhar mais
Maria José reflete que o mercado de trabalho precisa passar por mudanças, “até porque nós temos hoje uma configuração de demografia aqui no Brasil que é muito diferente do que nós já tivemos no passado”.
Como exemplo, ela aponta que atualmente o País possui 1,7 filho por casal e, de uma maneira pragmática, a reposição da mão de obra de trabalho precisaria que fossem 2,1 filhos por casal.
“Então, nós temos hoje menos jovens entrando no mercado, esse número tende a diminuir cada vez mais, e a permanência das pessoas mais velhas no trabalho é fundamental, porque é uma mão de obra necessária", avalia.
Ela reforça que há uma mentalidade errônea de que o Brasil ainda é um país jovem ou feito por jovens. Ainda na pesquisa feita em parceria com a PwC, em que foram ouvidas 117 empresas, foi apontado que 95% dos participantes reconhecem os benefícios da convivência entre gerações. Porém, ainda há estereótipos, preconceito, etarismo e idadismo.
“O que precisa ser levado em consideração, de fato, é como são essas pessoas efetivamente no espaço de trabalho, considerando que a troca intergeracional é, sem dúvida, favorecedora de um ambiente mais produtivo e de maior engajamento”, arremata Maria José.
DN