PMs acusados pela Chacina do Curió são condenados a 591 anos de prisão

Policiais militares (PMs) Marcilio Costa Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano, condenados pela Chacina do Curió
Legenda: Policiais militares Marcilio Costa Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano, condenados pela Chacina do Curió
 


Após quase 45 horas de sessão, o Tribunal do Júri decidiu condenar os policiais militares Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano por envolvimento na Chacina do Curió. Somadas, as penas dos réus chegam a 591 anos de prisão. Os dois foram condenados pelos 11 homicídios, 3 tentativas de homicídio e tortura. A dupla saiu do Fórum Clóvis Beviláqua sob escolta.

Marcílio foi apontado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) como o responsável pelo pivô da série de conflitos na região que findou no massacre e nas 11 pessoas assassinadas e outras seis feridas que sobreviveram ao ataque. 

Ele foi condenado a 242 anos pelos 11 homicídios, 14 anos e 8 meses por cada uma das tentativas de homicídio, e 7 anos e 5 meses por cada uma das torturas (física e mental).

O total da pena chegou a 315 anos, 11 meses e 10 dias, com o agravante de ter articulado a presença dos agentes na chacina. A ele foi negado direito de recorrer em liberdade, além de ter sido condenado a perda do cargo público.

Luciano Breno Freitas Martiniano foi condenado a 19 anos e 3 meses de prisão por cada homicídio. Foram 211 anos pelos 11 homicídios, 12 anos e 10 meses por cada uma das tentativas de homicídio, e  6 anos e 5 meses por cada uma das torturas (física e mental).

O total da pena dele chegou 275 anos e 11 meses. Ele responderá em regime fechado, sendo negado o direito de recorrer em liberdade, além de também ter sido condenado a perda do cargo público.


A sentença foi anunciada pelo juiz titular da 1ª Vara do Júri de Fortaleza por volta das 22h desta quinta-feira (25). O quinto julgamento teve início nessa segunda-feira (22) e durou mais de 45 horas, segundo o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). A sessão foi encerrada às 22h19.

Ambos os acusados quando interrogados nessa quarta-feira (24) alegaram inocência. 

DEFESAS RECORREM 

Promotores no julgamento da chacina do Cúrio para condenados PMs no TJ-CE tjce debates
Foto: Ascom/TJCE

Legenda: Promotores do MPCE e a Defensoria Pública do Ceará optaram por ter a réplica. Na foto, momento da argumentação do promotor Luís Bezerra Neto


A fase de debates começou na noite da quarta-feira (24) e se estendeu até quinta-feira (25), com réplica e tréplica. Ao final do julgamento, as defesas informaram que recorreram da sentença.

“Recorreu, a defesa já recorreu. A defesa optou por entregar uma coisa chamada razões de apelação, que pode se entregar aqui, para esse juiz, ou pode se entregar para no tribunal. Nós optamos por entregar lá. Quanfo o tribunal nos chamar, nós entregaremos essas razões lá, para o caso ser reanalisado”, afirmou, em coletiva de imprensa, Walmir Medeiros, advogado do Luciano Breno.

30 policiais militares foram acusados pela matança e 29 sentaram no banco dos réus. (Veja ao fim da matéria lista com todos os nomes e as sentenças).

Após pedido da defesa e parecer favorável do MPCE e da assistência de acusação, a Justiça do Ceará suspendeu o julgamento de Eliézio Ferreira Maia Júnior, o 30º réu, devido ao resultado de um exame de sanidade mental que mudou o 'rumo processual' quanto a este denunciado especificamente. Não há data prevista para ele ir a júri.

MÃES DO CURIÓ

Imagem das mães das vítimas da chacina do Curió para matéria onde PMs foram condenados pelo crime
Foto: Emanoela Campelo de Melo / Diário do Nordeste.



Ao final do julgamento, mães das vítimas e representantes de entidades que estiveram ao longo do processo falaram do que acharam do resultado proferido na noite de hoje.

“Dez anos de muita luta, muita dor, de muito sofrimento. Hoje, antes de agradecer, eu quero dizer que ninguém ficou feliz, pois nós não temos nossos filhos. E não era isso que a gente queria, nós queríamos os nossos filhos”, disse Edna Carla Souza Cavalcante, mãe do jovem Álef Souza.

“Enfim, nós poderemos ter o luto [...] Nós poderíamos ter tido o luto, se nossos filhos, nossos sobrinhos e nossos maridos tivessem tido uma morte natural. Nós teríamos o luto, nós teríamos esse direito, nós não tivemos. Enfim teremos. Esse luto, só a justiça que aconteceu poderia concretizar”, disse Silvia Helena Pereira de Lima, mãe de Jardel.

O Procurador-geral de Justiça, Haley de Carvalho Filho, em coletiva de imprensa, também analisou o resultado do julgamento.

“Não é um momento de comemoração, mas é um momento de uma avaliação do resultado desse júri. É uma resposta que a sociedade dá, é uma demonstração do que a sociedade tolera e do que ela não tolera. E claramente ela demonstrou aqui através dos jurados que ela não tolera esse tipo de violência, violência praticada por agentes de segurança, por agentes do Estado”, afirmou Haley.

Marina Araújo, coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca - Ceará), que esteve presente desde o momento inicial das investigações com as vítimas, também falou sobre a condenação.

“Acredito que esse é um resultado importante para falar sobre essa caminhada de dez anos pela sensação da violência, pela reparação de direitos e pela responsabilização dos agentes de Estado. O caso Curió é emblemático porque ele dá uma resposta não só para as vítimas e familiares do Curió, mas ele diz o não silêncio diante da violência policial nos territórios e na periferia”, avaliou a coordenadora.

O INÍCIO DA CHACINA

Para compreender a suposta participação de Marcílio no crime é preciso voltar até o mês de outubro de 2015, quando o boato de uma traição foi propagado no Curió.

Conforme documentos obtidos pela reportagem e citados em reportagem exclusiva na época, no dia 25 de outubro de 2015, por volta das 22h, o pedreiro Raimundo Cleiton estava com a namorada, no bairro Curió e encontrou com duas mulheres; uma delas a irmã do policial militar Marcílio.

Cleiton confrontou as duas sobre um boato que elas teriam espalhado de que a namorada dele teria sido vista num motel com outro homem.

Segundo o testemunho de Cleiton, ao ficar diante das duas mulheres para "tirar a limpo" a história de que havia sido traído, ele é surpreendido por Marcílio, que desceu armado de um veículo Fox, de cor preta.

Os homens teriam discutido e o pedreiro saído do local a fim de denunciar a agressão. No caminho, encontrou uma viatura da PM e foi orientado a ligar para a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops).

Cleiton disse ter ligado várias vezes, mas antes da chegada das viaturas, foi abordado pelo adolescente Francisco de Assis Moura de Oliveira Filho, o 'Neném', que o questionou sobre o motivo de ele ter chamado a Polícia para o bairro, o que segundo 'Neném', poderia "causar problemas".

Enquanto conversavam, 'Neném' e Cleiton foram surpreendidos pelo policial militar Marcílio e por Giovanni Soares, o 'Lorim Giovanni'.

Consta na acusação do MP que, naquele momento, Marcílio e Giovanni efetuaram diversos disparos. 'Neném' foi morto a tiros e Cleiton baleado.

Dias depois da morte de 'Neném', o pai dele teve a casa invadida e foi morto por homens encapuzados. Os parentes de 'Neném' teriam prometido vingança e exigiram a saída de Marcílio e da família dele do bairro. Nesse momento, o ambiente já havia se tornado propício para atuação de uma milícia. 

Horas antes da chacina, o PM Waltemberg Charles Serpa, conhecido como 'Soldado Serpa' estava jogando futebol em um campo na Avenida do Recreio, bairro Lagoa Redonda. A esposa do PM, que também estava no local, foi vítima de um assalto.

Ao tentar intervir, Serpa foi baleado e morreu instantes depois no hospital. Após a morte do PM, colegas de farda, de serviço e de folga se reuniram na entrada das comunidades e planejaram a "vingança", que resultou na sequência de assassinatos de inocentes que ficou conhecida como a 'Chacina da Messejana'.

Sobre o policial militar Luciano, ele foi indiciado após a investigação concluir que alguns policiais tentaram adulterar as placas de seus veículos para não serem flagrados transitando no local.

Perícias foram realizadas e constataram divergências entre números, que haviam sido propositadamente mudados naquela noite, segundo os promotores de Justiça.


VEJA OUTROS RESULTADOS 

Primeiro júri - 20 de junho de 2023

  • Antônio José de Abreu Vidal Filho - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Ideraldo Amâncio - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Marcus Vinícius Sousa da Costa - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
  • Wellington Veras Chagas - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.

Segundo júri - 29 de agosto de 2023

  • Sargento PM Francinildo José da Silva Nascimento - absolvido de todas as acusações;
  • Sargento PM José Haroldo Uchoa Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Ronaldo da Silva Lima - absolvido de todas as acusações;
  • Cabo PM Thiago Aurélio de Souza Augusto - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Gerson Vitoriano Carvalho - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Josiel Silveira Gomes - absolvido de todas as acusações;
  • Soldado PM Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes -absolvido de todas as acusações.

Terceiro júri - 12 de setembro de 2023

  • Tenente PM José Oliveira do Nascimento - condenado a 210 anos e 9 meses de prisão;
  • Subtenente Antônio Carlos Matos Marçal - teve um crime desclassificado para a Vara da Auditoria Militar e foi absolvido pelos outros;
  • Sargento PM Clênio Silva da Costa - absolvido;
  • Sargento PM Francisco Helder de Sousa Filho - absolvido;
  • Sargento PM José Wagner Silva de Souza - condenado a 13 anos e 5 meses de prisão;
  • Sargento PM Maria Bárbara Moreira - absolvida;
  • Cabo PM Antônio Flauber de Melo Brazil - absolvido;
  • Soldado PM Igor Bethoven Sousa de Oliveira.

Quarto júri - 31 de agosto de 2025

  • Sargento Farlley Diogo de Oliveira - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Daniel Fernandes da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Cabo PM Gildácio Alves da Silva - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Francisco Flávio de Sousa - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Luís Fernando de Freitas Barroso - absolvido de todas as acusações 
  • Soldado Renne Diego Marques - absolvido de todas as acusações 

QUEM SÃO AS VÍTIMAS DA MATANÇA

  • Álef Souza Cavalcante, morto aos 17 anos;
  • Antônio Alisson Inácio Cardoso, morto aos 16 anos;
  • Francisco Elenildo Pereira Chagas, morto aos 40 anos;
  • Jardel Lima dos Santos, morto aos 17 anos;
  • Jandson Alexandre de Sousa, morto aos 19 anos;
  • José Gilvan Pinto Barbosa, morto aos 41 anos;
  • Marcelo da Silva Mendes, morto aos 17 anos;
  • Patrício João Pinho Leite, morto aos 16 anos;
  • Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos;
  • Renayson Girão da Silva, morto aos 17 anos;
  • Valmir Ferreira da Conceição, morto aos 37 anos.



(Diário do Nordeste)

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