MENU Trabalho e Carreira Vingança após demissão: apagar dados de empresas vira moda, mas põe carreira em risco

 

 Apagar arquivos de empresas após demissão vira moda — Foto: g1

"Fui lá e apaguei todas as planilhas que eu montei desde que entrei (...) perderam histórico de consumo de mais de 15 meses", escreveu uma usuária no X (antigo Twitter), referindo-se à programação de produção que ela mesma havia criado.

Outro post viralizou com tom de confissão: "Apaguei as senhas de tudo e era a única que tinha anotado. Me mandaram uma notificação extrajudicial e, quando o advogado ligou, falei que não podia fazer nada porque já estava perdido".

Os relatos se multiplicam e, em muitos deles, a reação do público mistura empatia e riso, como se o ato de apagar arquivos fosse uma forma de se vingar de demissões mal conduzidas.

Mas o que parece brincadeira esconde um problema maior. Mesmo quando a intenção é só "descontar a raiva", o gesto pode gerar sérias consequências.

Advogados alertam que deletar arquivos corporativos pode ser considerado crime digital, quebra de contrato e até motivo para processos por danos à empresa. Já especialistas em recursos humanos afirmam que esses casos também revelam falhas na forma como as empresas lidam com desligamentos e com a proteção de dados internos.

Do lado dos profissionais, o impulso costuma nascer da frustração. Segundo Tiago Santos, da Sesame HR, muitos trabalhadores ainda encaram a demissão como algo pessoal.

“As redes funcionam como uma válvula de escape, um espaço para buscar apoio e validação”, explica. O problema é que esse tipo de exposição pode prejudicar a reputação e afastar oportunidades no mercado.

Para as empresas, as perdas também são concretas. Apagar arquivos pode causar paralisação de processos, perda de informações estratégicas e até ações judiciais. Para evitar isso, especialistas recomendam medidas básicas: contratos mais claros, backups automáticos e protocolos de desligamento bem definidos.

➡️ Entenda nesta reportagem os impactos desse comportamento, o que ele revela sobre a cultura das empresas e como evitar que um simples clique apague mais do que arquivos. Abaixo, confira:

Apesar de os relatos serem feitos em tom de humor por usuários do X, essas vinganças mostram que muitos profissionais ainda vivem a demissão como uma ferida pessoal, explica Tiago Santos, vice-presidente de Comunidade e Crescimento da Sesame HR.

"A ‘vingança’ costuma ser uma reação impulsiva, nascida da frustração, do sentimento de injustiça e da perda de controle", afirma. Para ele, quando a demissão é percebida como algo que fere o valor pessoal do trabalhador, a emoção tende a se sobrepor à razão.

As redes sociais amplificam esse impulso. O que antes seria um desabafo restrito a conversas entre amigos, hoje se transforma em um post público, em busca de empatia, curtidas e apoio, segundo Tiago.

O problema é que essa validação imediata pode gerar consequências duradouras. A exposição de comportamentos impulsivos pode prejudicar a reputação e criar barreiras no mercado de trabalho.

“Essas atitudes costumam ser vistas como falta de maturidade e geram desconfiança em recrutadores e gestores”, alerta o especialista. Isso pode dificultar futuras contratações e enfraquecer a marca pessoal do profissional.

Wolnei Ferreira, diretor jurídico da ABRH Brasil, acrescenta que a situação pode ser ainda mais grave quando envolve informações sigilosas.

Ele lembra que, se dados confidenciais forem levados ou utilizados em outra empresa, a nova contratante também pode ser responsabilizada judicialmente por concorrência desleal. Por isso, recomenda que o profissional, ao sair de um emprego, busque apoio emocional e orientação de carreira, evite reações impulsivas e cuide da comunicação pública.

"Manter o respeito e o equilíbrio é essencial para preservar a reputação e deixar portas abertas", reforça.

Segundo o advogado trabalhista Luís Gustavo Nicoli, apagar arquivos corporativos pode configurar dano ao patrimônio, violação da boa-fé contratual e, em alguns casos, crime digital.

"Se os arquivos pertencem à empresa, o ato pode gerar responsabilidade civil e até criminal, caso se comprove a intenção de causar prejuízo", explica.

A depender da situação, a conduta pode ser enquadrada em diferentes dispositivos legais. O artigo 163 do Código Penal trata do crime de dano, enquanto o artigo 154-A prevê punição para quem invade, adultera ou destrói dados de sistemas informáticos — conduta reforçada pela Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann.

Mesmo quando o funcionário foi o autor do material, isso não lhe dá o direito de exclusão ou uso.

“Se o conteúdo foi produzido no exercício do trabalho, com recursos da empresa e dentro do horário contratual, os direitos patrimoniais pertencem à companhia”, explica Nicoli.

O empregado pode manter apenas o crédito moral pela autoria, mas não o controle sobre os arquivos.

A advogada trabalhista Elisa Alonso reforça que a exclusão intencional de arquivos pode gerar ação de indenização por prejuízos materiais e morais.

“O dever de lealdade e boa-fé permanece mesmo após a dispensa. O ex-empregado deve preservar o patrimônio e as informações da empresa”, afirma. Para ela, o dano é caracterizado quando há perda de dados, paralisação de sistemas ou impacto financeiro comprovado.

Nesses casos, a empresa pode acionar a Justiça para pedir reparação, desde que demonstre dolo ou culpa. A justa causa retroativa, segundo os especialistas, é rara e só ocorre se o ato danoso foi praticado antes do desligamento formal. Fora isso, a medida adequada é o pedido de indenização judicial.

🤔 E se o trabalhador for acusado injustamente? Elisa Alonso recomenda cautela: não assinar confissões sem orientação jurídica, reunir provas, como e-mails, mensagens e registros de acesso. E, se necessário, solicitar perícia técnica para comprovar quem realmente excluiu os dados.

"A acusação falsa pode, inclusive, gerar direito a indenização por dano moral", ressalta.

Como as empresas podem se proteger?

Para as empresas, o aumento de casos de exclusão deliberada de arquivos e bloqueio de acessos após demissões é um sinal de alerta.

De acordo com o diretor jurídico da ABRH Brasil, Wolnei Ferreira, situações desse tipo têm se tornado cada vez mais comuns e podem causar grandes transtornos.

"Muitas vezes o empregado que deixa a organização apaga informações, retém senhas ou cria barreiras de acesso. Isso causa embaraços e prejuízos sérios às operações", afirma.

Segundo Ferreira, a melhor resposta é agir de forma preventiva. Ele recomenda que as empresas deixem claro, desde o contrato de trabalho, que todos os arquivos e dados produzidos em equipamentos corporativos pertencem à companhia e podem ser monitorados.

“Essas cláusulas dão respaldo jurídico para que a empresa adote medidas cabíveis, inclusive em casos de justa causa ou ações judiciais”, explica.

Além da previsão contratual, Ferreira destaca a importância de manter backups diários e sistemas de monitoramento, capazes de recuperar arquivos apagados. Outra medida essencial é o bloqueio imediato de acessos após o desligamento e a adoção de termos de confidencialidade assinados pelos colaboradores.

Essas práticas também se relacionam diretamente à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que reforça o dever das empresas de proteger informações sensíveis e garantir o sigilo.

“Essas regras ajudam a evitar incidentes e protegem tanto a empresa quanto o trabalhador”, diz Ferreira.

Para além dos mecanismos legais, Ferreira defende que o RH exerça papel ativo na construção de uma cultura de desligamento ética e transparente.

Políticas claras, comunicação humanizada e treinamentos sobre segurança da informação ajudam a reduzir conflitos e proteger tanto a organização quanto o profissional.

g1

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