A viabilidade de um transporte ferroviário de passageiros entre Fortaleza e Sobral ainda é estudada pelo Ministério dos Transportes.
Segundo a pasta, “os estudos de viabilidade técnica e econômica para o segmento estão sendo conduzidos pela Infra S.A., com conclusão prevista em breve".
Após essa etapa, os projetos serão submetidos a consulta pública, para que especialistas, instituições e a sociedade em geral contribuam com sugestões e aprimoramentos.
O levantamento feito pela pasta trata-se do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), lançado pela Infra S.A., empresa pública vinculada ao ministério. Para a realização do estudo, serão investidos mais de R$ 13,6 milhões.
A análise do trecho ferroviário no Ceará tem investimento total previsto de R$ 2,3 milhões. O prazo total para a conclusão do estudo é de 33 meses a partir da assinatura da Ordem de Serviço (OS).
Será mais rápido?
Além de ser mais uma forma de conectar as cidades, se concretizada, a linha levanta a dúvida sobre qual será o meio mais rápido entre trem e ônibus para percorrer o trajeto entre os municípios.
Para especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, a resposta não é simples. A retomada do trecho ferroviário é importante e poderia oferecer uma competitividade importante.
Contudo, na prática, a competição dos trens não deve ser com os meios rodoviários, que incluem ônibus, vans e carros, mas sim com a aviação regional.
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Qual o trajeto previsto?
O ramal entre Fortaleza e Sobral tem cerca de 240 quilômetros de extensão (km) e é o trecho inicial da malha operacional da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), concessionária de cargas que administra a linha férrea e subordinada à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Ao todo, a malha operacional da companhia tem 1.237 km de extensão e interliga o Porto do Mucuripe, na Capital cearense, passa por uma bifurcação em Caucaia (CE) para chegar ao Porto do Pecém. De lá, segue até Sobral.
A partir deste município cearense, margeia os municípios da Serra da Ibiapaba até Crateús (CE), onde entra no Piauí e chega à capital Teresina. O ramal ainda segue até o Porto de Itaqui, em São Luís (MA).

O trajeto estudado pelo Ministério dos Transportes prevê um uso compartilhado entre a FTL, hoje responsável pelo transporte de cargas entre o Ceará e o Maranhão, e o trem de passageiros. Vale lembrar ainda que o trecho estudado pelo Governo Federal é o maior dos seis em análise.
Parte dessa malha é utilizada atualmente por sistemas metroferroviários de passageiros. A Linha Sul do VLT de Sobral, operada pela Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), compartilha a ferrovia entre cargas e pessoas.
O mesmo acontece com o Metrô de Teresina, de responsabilidade da Companhia Ferroviária e de Logística do Piauí (CFLP).
Como é o transporte para os destinos hoje?
Ir de Fortaleza para Sobral, atualmente, para passageiros regulares só é possível por via terrestre. Em março deste ano, os voos entre a Capital e a cidade da Região Norte, operados pela Azul Conecta, foram suspensos pela baixa ocupação.
Sobram os meios rodoviários, em especial carros, ônibus e vans. Dados da Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), que coordena as linhas de ônibus regulares operadas no território cearense, mostram a relevância da interligação entre a capital cearense e o município do interior.
Segundo a Arce, a linha 10401 (Fortaleza/Sobral/Via BR-222) é a de segunda maior demanda mensal de passageiros do Estado, atrás apenas da 10701 (Fortaleza/Juazeiro/Via BR-116/CE-359/CE-060). Operada pela Expresso Guanabara, são em média 22,1 mil pessoas por mês em 757 viagens de ida e volta que duram entre quatro e cinco horas.
Isso não reflete que quem quer ir de Sobral para Fortaleza, ou vice-versa, utilize somente esta linha, já que outras ligações têm como destino ou parada uma das duas cidades, mas reflete a importância da interligação rodoviária entre os municípios.

Hoje, a FTL operacionaliza a ferrovia Fortaleza - São Luís exclusivamente para o transporte de cargas. Em 2024, a empresa levou quase 3 milhões de toneladas úteis (TU), com destaque para a celulose, com 1,6 milhão de toneladas. Combustíveis, cimento e clínquer também aparecem com destaque.
Até julho deste ano, o trajeto entre o Porto do Pecém e Teresina era feito em 75 horas, ou seja, pouco mais de três dias. Da capital piauiense até o Porto de Itaqui, são 44 horas, ou quase dois dias. Ao todo, 119 horas, ou cinco dias de viagem.
A velocidade média da ferrovia é bastante reduzida na comparação com outras, principalmente por causa da bitola, que é métrica. Isso significa que os trens rodam em cima de trilhos cuja distância média é de 1 metro de largura entre eles, o que limita a velocidade das locomotivas e a eficiência operacional, conforme especialistas da área.
Pesa também contra a malha operacional da FTL o fato de ser uma ferrovia construída ainda no século XIX. Para efeitos comparativos, a Transnordestina, que começa a operar em breve entre Piauí, Pernambuco e Ceará, será em bitola larga (1,6 metro de largura) e com velocidade média de 60 km/h.
Comparação entre modais
Estabelecer um comparativo de tempo considerando apenas as infraestruturas atuais de trens e ônibus entre as duas cidades, na visão de Bruno Bertoncini, professor do departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), não reflete a realidade, até em virtude da natureza dos dois transportes.
Para o especialista, o transporte ferroviário de passageiros, para além de ligações metroferroviárias em regiões metropolianas, como acontece com o Metrofor em na Grande Fortaleza e no Cariri, uma interligação de trem entre cidades mais distantes se aproxima mais do transporte aéreo.
Um trem de passageiros equivaleria a quantos ônibus? Não gosto dessa comparação porque são propósitos diferentes. Um transporte ferroviário está muito mais associado, do ponto de vista regional, a não ocorrência de um transporte aéreo do que do rodoviário. Embora seja terrestre como o rodoviário, há questões de pontualidade, conforto, segurança e demais atributos no ferroviário que a gente colocaria mais próximo daquilo que a gente considera para os aviões".
"Transporte rodoviário, seja ele qual for, temos que pensar que é o meio que oportuniza ao passageiro e à carga chegar na porta do destino final, o que chamamos de capilaridade. É uma característica que o trem e o avião não vão oportunizar", acrescenta o professor.
Como ainda não há informações concretas sobre o EVTEA da Infra S.A., é incipiente, na visão de Bruno Bertoncini, teorizar sobre as vantagens que podem ser adquiridas pelo possível futuro ramal ferroviário entre Fortaleza e Sobral.
"Em termos de distância de alcance, é um comprimento ferroviário muito oportuno para esse tipo de modal. Naturalmente haverá a análise da demanda, qual é o fluxo que ocorre tanto na ida como na volta", observa.
"A partir disso, é que vai se ter a programação para saber qual vai ser o tamanho do trem, vagões, horários, frequência entre as composições. Tudo isso vai fazer parte do estudo para se chegar a uma conclusão se o sistema vai ser viável ou não", completa.
Partilha de cargas e passageiros
A FTL transporta anualmente 3 milhões de toneladas de carga na malha operacional. Quando for remodelada completamente, o que deve ocorrer nos próximos anos em conjunto com a renovação do contrato de concessão, a ideia é levar 10 milhões de toneladas por ano.
Essa triplicação, no entanto, vai deixar a ferrovia com somente 15% da capacidade máxima da Transnordestina, que segundo declarações de Tufi Daher Filho, presidente da FTL, poderá levar até 66 milhões de cargas/ano.
De acordo com a proposta do Governo Federal, de compartilhar cargas e passageiros, o professor da UFC defende que isso pode ser válido nesta ferrovia operacional da FTL , principalmente pela demanda menor do que as linhas férreas que chegam ao Porto de Santos (SP), o mais movimentado do Brasil.

Legenda: Infraestrutura deficitária e desgastada de trilhos no Ceará é desafio para transporte ferroviário de passageiros.
Foto: Honório Barbosa/Arquivo DN.
"Quando tem uma ferrovia de cargas com uma circulação de trens muito alta, como a ferrovia que vai para o Porto de Santos, imaginar ter a mesma ferrovia interligando a Baixada Santista a São Paulo por pessoas e ter na mesma ferrovia trens de carga, teria uma perda de eficiência muito forte", pondera Bruno Bertoncini.
No contexto atual, esse trecho entre Fortaleza e Sobral tem movimentação de carga, mas não é em uma intensidade muito elevada, ou seja, conseguiria ter intervalos de oportunidades para estar espaçando o direito de passagem entre um trem de cargas e um de passageiros. Se houver uma nova proposta do transporte de cargas nessa região, aí começa a ter riscos a operação ferroviária de pessoas".
Infraestrutura adaptada
Pelas próprias características da ferrovia, Bruno Bertoncini afirma que ela "não é aconselhada para trem de passageiros, principalmente pelo ponto de vista do conforto".
Pelas limitações operacionais, a linha férrea atual não pode proporcionar atributos importantes para uma viagem de trem de melhor custo-benefício.
"Trem de passageiros vai requerer uma bitola larga, com bom espaçamento entre trilhos. Mas estamos falando de um distanciamento menor, que colocaria uma redução da velocidade operacional e um desconforto no rodar do trem. Uma ferrovia turística, uma coisa de baixa intensidade, se opera, mas no contexto que está se pensando o transporte de passageiros, nos moldes europeus, precisaria fazer um investimento na requalificação da via", explica.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, destaca que, pelos moldes do projeto em análise pelo Ministério dos Transportes, "vai ter que ser subsidiado pelo Poder Público", como acontece com investimentos do gênero ao redor do mundo.
"A tarifa do usuário não sustentará o projeto, como não acontece em lugar nenhum do mundo, ainda mais trem de passageiros. Talvez uma PPP, mesmo assim tem que ter investimento público.Precisa dessa concatenação de elementos. Esse estudo precisa ser divulgado porque ali tem infraestrutura degradada que tem que recuperar: pontes, dormentes, sinalização, a integração física entre os transportes regionais, a compatibilização com o transporte de carga". expõe.
"A prioridade é das cargas, e os passageiros vão entrar nas janelas de tempo que não venha prejudicar a carga, que não vai ser o grande volume que vai gerar receita. Precisamos conhecer a estruturação do projeto, principalmente o estudo de demanda que comprova que pode haver uma modelagem, mas vai precisar de subsídio operacional ou um modelo híbrido", arremata o especialista.
DN