Enquanto o Estado vê uma leve
queda nos índices de homicídios ocorridos nas ruas, neste ano, o Sistema
Penitenciário registra um aumento exponencial de assassinatos. O alerta das
autoridades está ligado, com a problemática. Já são 39 detentos mortos, entre
janeiro e setembro de 2018. O número representa um acréscimo de 95% nas
ocorrência, se comparado a igual período de 2017, quando 20 detentos foram
executados.
A Secretaria da Justiça e
Cidadania (Sejus) atribui o crescimento, principalmente, à chacina ocorrida
dentro da Cadeia Pública de Itapajé, no dia 29 de janeiro deste ano, quando 10
internos foram assassinados a tiros, por conta da guerra entre facções
criminosas. Em nota, a Pasta afirma que esse foi "um caso incomum no
Sistema Prisional".
Entretanto, as mortes múltiplas,
inclusive por uso de arma de fogo, voltaram a ser registradas nas unidades
prisionais. Um tiroteio deixou dois mortos e nove feridos, na Cadeia Pública de
Pentecoste, no último dia 7 de março. E um novo confronto entre grupos rivais
terminou com a morte de três presos, a pauladas e pedradas, na Cadeia Pública
de Cascavel, no último dia 15 de setembro.
Boletim
Os boletins mensais da Secretaria
da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) detalham os homicídios ocorridos
em unidades privativas de liberdade do Estado, mas apresentam incongruências.
Para a Pasta, apenas dois detentos foram mortos por arma de fogo; outros dois,
por arma branca; e o restante, por "outros (meios)". Porém, a própria
Polícia Civil divulgou, no local da Chacina de Itapajé, que os internos foram
executados a tiros, por exemplo.
A SSPDS justifica, em nota, que o
campo "tipo de arma" é "uma variável preenchida
manualmente" e o relatório diário de crimes de mortes é, em geral,
"produzido com base em dados não consolidados". "A arma
utilizada no caso recebe a nomenclatura 'outros', quando o meio empregado é
espancamento, paulada, pedrada, asfixia, envenenamento e qualquer outro tipo de
meio que não seja arma de fogo ou arma branca".
Conforme informações dos
boletins, o perfil da maioria das vítimas de homicídio que estavam sob custódia
do Estado, em 2018, coincide com o perfil das pessoas envolvidas com o crime
organizado: sexo masculino, com idade entre 18 e 37 anos. A Cadeia Pública de
Tianguá é um dos exemplos mais frequentes de episódios de violência, com três
mortes registradas no ano atual - sendo duas no mês de maio e uma em setembro.
Outros 14 municípios cearenses registraram mortes em unidades prisionais, neste
ano.
Facções
Os assassinatos ocorridos no
Sistema Penitenciário têm explícita autoria das facções criminosas. A divisão
entre as organizações acontece dentro das muralhas, da mesma forma que acontece
nas ruas. Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE) e Primeiro Comando
da Capital (PCC) querem mostrar que dominam aquele território, e já foram até
divididos por unidades prisionais, para não entrarem em confronto e as mortes
serem evitadas.
O presidente do Conselho
Penitenciário do Ceará (Copen), advogado Cláudio Justa, acredita que a divisão
de presídios ou alas por facções, promovida pela Sejus, não foi eficaz.
"Se olharmos para números, não deu certo. O Estado não conseguiu recuperar
minimamente a disciplina e não conseguiu entregar o que objetivava, a redução
de homicídios", avalia.
Justa conta que a estratégia da
Secretaria da Justiça se iniciou nos primeiros meses de 2017, após uma crise no
Sistema Prisional nacional, que podia chegar ao Ceará. "A Sejus fez uma
opção arriscada de separar as facções, por causa da infraestrutura do sistema,
para impedir confrontos. No primeiro momento deu certo. Hoje, não dá mais. Nós
vemos um fenômeno diferenciado no que seria a causa da morte. Temos um aumento
da população carcerária muito grande, e eles estão com muita liberdade, podendo
realizar justiçamento entre eles", explica o advogado.
Superlotação
Os problemas de infraestrutura e
o baixo efetivo de agentes penitenciários, somados à superlotação carcerária,
colaboram para o poder conquistado pelas facções dentro dos presídios, segundo
o presidente do Copen. Como soluções, ele aponta a construção de presídios
regionalizados, em substituição às Cadeias Públicas (medida já anunciada pelo
Governo, mas ainda sem previsão para as obras); e o isolamento de lideranças de
facções presas.
Um agente penitenciário, que
preferiu não ser identificado, afirma que o poder das facções vai muito além do
que é divulgado. "Eles vendem até um espaço para dormir dentro das celas.
Que não paga dorme junto da privada. Negociam drogas, celulares, bebidas. Muito
do que acontece aqui fora é planejado lá dentro. Quem nunca entrou em uma
penitenciária não faz ideia do que acontece nelas".
A Sejus alegou, em nota, que está
atenta aos conflitos entre internos e, quando necessário, realiza movimentações
entre unidades. "Mesmo com essas ações, há casos de conflitos entre
possíveis lideranças e de disputas ocorridas fora das unidades que acabam por
ter reflexo dentro no sistema. A Sejus tem investido na construção de novas
vagas e em programas de alternativa ao encarceramento, como o monitoramento
eletrônico e o apoio às audiências de custódia", completa.A maioria das
execuções acontecem em razão das brigas das facções.
Diário do Nordeste