Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em
entrevista à Folha, que foi "miseravelmente traído" pelo ex-presidente
Lula e seus "asseclas". O pedetista nega ter lavado as mãos ao ter
viajado para a Europa depois do primeiro turno. "A gente trai quando dá a
palavra e faz o oposto". "Não declarei voto ao Haddad porque não quero
mais fazer campanha com o PT", disse.
Ciro critica a atuação do PT para impedir o apoio do PSB à sua
candidatura e diz que considerou um insulto convite de Lula para assumir
o papel de seu vice no lugar Fernando Haddad (PT).
Questionado sobre a declaração de que deixaria a política se Bolsonaro
ganhasse, Ciro Gomes afirmou que "eu disse isso comovidamente porque um
país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me
recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento
que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito
querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha
responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas
não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão".
Com relação às eleições de 2022, Ciro ressaltou que "quem conhece o
Brasil sabe que você afirmar uma candidatura a 2022 é um mero exercício
de especulação, porque a adrenalina não pacificou. Só essa cúpula
exacerbada do PT é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho
sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar".
A Folha ainda o questionou sobre a confiança no povo brasileiro já que o
político já afirmou que a razão de estar na política é confiar no povo
brasileiro. "Não, procurei entender o que aconteceu. Esse distanciamento
me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação impensada, espécie de
histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores que dão razão a
uma fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O
lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma
força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o
Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático
vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista. Eu não, de forma
nenhuma".
Com relação à viajar no segundo, Ciro afirma que não houve descaso por
parte dele. "Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta
impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos
lutando. Não foi neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está
neutro. Agora, o que estava dizendo, por uma razão prática, não iria com
eles se fossem vitoriosos, já estaria na oposição. Mas estava flagrante
que já estava perdida a eleição".
Sobre poder ser visto como um traidor, o candidato à presidência
acredita que "a gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem
tiver prestado a atenção no que falei, está muito clara a minha posição
de que com o PT eu não iria".
A Folha ainda o questionou sobre ele se aliar com o PT.
Não se aliará mais ao PT? Ciro: Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT. Evidente, você acha que eu votei em quem?
No Haddad? Vou continuar calado, mas você acha que votei em quem
com a minha história? Eles podem inventar o que quiserem. Pega um bosta
como esse Leonardo Boff [que criticou Ciro por não declarar voto a
Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí porque não atendo o apelo dele,
vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e
petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira da
Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio
Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por
isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de
condescendências.
Quem são os bajuladores? É tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff,
Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não
pode fazer o que ele fez? Que não pode fraudar a opinião pública do
país, mentindo que era candidato?".
Por que o senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula? Porque
isso é uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses
fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me
chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me
considerei insultado.
Por que não declarou voto em Haddad? Aquilo era trivial. O meu
irmão foi a um ato de apoio a Haddad, depois de tudo o que viu
acontecendo de mesquinho, pusilânime e inescrupuloso. É muito engraçado o
petismo ululante. É igual o bolsominion, rigorosamente a mesma coisa. O
Cid está lá tentando elaborar uma fórmula de subverter o quadro e é
vaiado. Estou devendo o que ao PT?
Não declarou voto no Haddad por causa do Lula? Não declarei voto
ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT. Agora, em uma
eleição que tem só dois candidatos, na noite do primeiro turno, disse à
imprensa: "Ele não". O que ele quer mais agora?
Quais foram os erros cometidos pelos pedetistas? Devemos ter
cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto,
simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram
para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição
mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios,
grana.
A postura do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda? Não
quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi
sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo,
onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira,
corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o
velho caudilhismo populista sul-americano.
A liberdade de imprensa está ameaçada? É muito epidérmica a nossa
sensibilidade. Não acho que tem havido nenhuma ameaça à liberdade de
imprensa até aqui. Por isso que digo que uma das centralidades do mundo
político brasileiro deveria ser um entendimento amplo o suficiente para
cumprir a guarda da institucionalidade democrática. E um dos elementos
centrais disso é a liberdade de imprensa. A imprensa brasileira
nepotista e plutocrata como é parte responsável também por essa
tragédia.
A imprensa ajudou a eleger Bolsonaro? A arrogância do [William]
Bonner achando que podia tutelar a nação brasileira, falar pela nação
brasileira. A Folha que repercute uma calúnia contra uma cidade inteira
que é reconhecida mundialmente como um elemento de referência de
educação para me alcançar [Ele se refere a reportagem sobre relatos de
estudantes de fraudes em avaliações nas escolas de Sobral, no Ceará].
E os ataques feitos pelo Bolsonaro à Folha? É uma ameaça? Não
considero, não. A Folha tem capacidade de reagir a isso e precisa ter
também um pouco de humildade, de respeitar a crítica dos outros.
UOL