O zumbido do mosquito perdeu estardalhaço desde o ano passado, mas ainda
causa ecos para muitos cearenses. Somente em 2016 e 2017, a febre
chikungunya infectou mais de 139 mil pessoas no Estado e levou 234 a
óbito. Em todo o ano passado e nos quatro primeiros meses de 2019, as
ocorrências caíram drasticamente, somando 1.630 confirmações e apenas um
óbito. Em Fortaleza, de janeiro a 8 de junho, 122 casos foram
confirmados - número bem abaixo dos 54,5 mil registrados em igual
período, há dois anos, de acordo com o boletim epidemiológico da
Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
Como as dores articulares podem perdurar por até três anos, segundo o
Ministério da Saúde, uma rede de pesquisa nacional formada por nove
estados foi montada para investigar os efeitos da doença a longo prazo.
No Ceará, as investigações utilizarão uma abordagem que aplica pontos de
pressão na orelha para avaliar novos pacientes.
Algumas sequelas da doença se arrastam de forma dolorosa, fazendo jus ao
nome da condição: "aqueles que se dobram", num idioma da Tanzânia, onde
ela foi descoberta em 1952. Até o ano passado, o professor Bernardo
Coutinho, coordenador do Grupo de Atenção Integral e Pesquisa em
Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa da Universidade Federal do
Ceará (Gaipa/UFC), desenvolveu estudos de auriculoterapia, tipo de
acupuntura que utiliza pontos de pressão nas orelhas, aplicada à
chikungunya, para minimizar o quadro doloroso.
Angústia
O tratamento consistia em sessões de 15 minutos uma vez por semana,
durante cinco semanas, utilizando apenas álcool, algodão, esparadrapo e
sementes de mostarda (substituindo as agulhas). Como resultado, ele
encontrou uma redução de 50% na escala de dor relatada pelos pacientes e
o crescimento da velocidade de deslocamento. Pessoas que demoravam até
14 segundos para percorrer três metros baixaram o tempo para nove
segundos, considerado o padrão normal numa população saudável.
Embora não fosse o foco do estudo, a experiência prática após dois mil
atendimentos, num posto de saúde do bairro Rodolfo Teófilo, levou a
algumas observações paralelas: os acometidos pela chikungunya se
queixavam de insônia (tendo como reflexo o esgotamento físico),
estresse, ansiedade e angústia. O maioria dos analisados era mulher
(90%), com média de 59 anos, em sobrepeso e relatando sintomas da
chikungunya há 200 dias. Cerca de 50% realizavam algum tipo de trabalho,
ou seja, foram afastados de atividades profissionais por causa da dor.
O diferencial da Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chikungunya
(Replick) no Ceará será justamente a introdução de métodos
fisioterapêuticos, incluindo a auriculoterapia, na avaliação de novos
pacientes. Segundo Luciano Pamplona, professor do Departamento de Saúde
Comunitária da UFC e coordenador da pesquisa no Estado, ainda há muitas
dúvidas sobre a doença.
Letalidade
"A ideia é reescrever a história natural da doença. Queremos saber como
ela se comporta na população acompanhando pacientes desde os primeiros
sintomas", explica. Além disso, a rede quer verificar a hipótese de a
chikungunya matar mais do que a dengue. "Infelizmente, o Ceará teve uma
contribuição importante em relação aos óbitos porque foi o Estado onde a
chikungunya mais matou (embora eu ache que só foi o Estado que mais
notificou porque, muito provavelmente, eles estão sendo subnotificados
em outros). O que tínhamos, até então, é que a chikungunya era uma
doença que não matava".
Outras contribuições devem apontar que medicamentos podem prescrever
dependendo de comorbidades do paciente (como diabetes), a influência da
regionalidade no comportamento do vírus e a taxa de cronificação da
doença. Hoje, o intervalo dado pela literatura científica varia de 30% a
70% - um hiato grande, na opinião de Pamplona. Levando o dado em
consideração, entre 42 mil e 98 mil cearenses teriam algum tipo de
sequela da chikungunya.
Panorama
O especialista adianta que, em breve, deve ser publicado um estudo
revelando a diferença entre casos notificados, casos estimados na
realidade e quantidade de pacientes crônicos nos municípios de Quixadá e
Juazeiro do Norte. Pamplona faz parte do grupo de 40 estudiosos, de 25
instituições de pesquisa, interessados em apurar como a doença afeta a
vida da população não apenas em termos clínicos, mas também econômicos,
psicológicos e sociais. Durante os próximos três anos, cerca de duas mil
pessoas devem ser examinadas em todo o País.
"Queremos entender quais são os fatores associados ao maior risco de
complicação e cronificação e quais seriam as estratégias de tratamento
mais efetivas", destaca o pesquisador principal da Replick e integrante
do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas da Fiocruz,
André Siqueira. Segundo ele, as pesquisas abrem horizonte para testes de
vacina contra a doença, embora não a curto prazo. Reino Unido e México
já realizam provas do tipo.
Por enquanto, nem há vacinas e nem medicamentos efetivos. A única forma
de prevenção é eliminar possíveis criadouros do mosquito. "Quanto aos
tratamentos, há um campo aberto", acredita o professor Bernardo
Coutinho. Para o especialista, qualquer prática que favoreça a analgesia
para condições dolorosas dos pacientes pode ser indicada.
Diário do Nordeste