Apesar de o distanciamento entre as pessoas ser um procedimento
utilizado desde a antiguidade para evitar o contágio de doenças, é na
atual pandemia de coronavírus que está ocorrendo, pela primeira vez, uma
quarentena de proporção global. A análise é do pesquisador e autor do
livro Pandemias - a Humanidade em Risco, o infectologista do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz, Stefan Cunha Ujvari.
Ao menos 1,5 bilhão de pessoas no mundo estão sendo afetadas pelas ações
de combate ao coronavírus, como o fechamento de escolas, o isolamento
social ou quarentenas. Os dados, da Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), levam em conta somente o impacto
nas crianças afastadas da escola, e mostram a força que uma pandemia tem
em alterar o cotidiano das pessoas.
De acordo com o pesquisador, a atual pandemia tem ecos do passado, ou
seja, elementos comuns às pandemias antigas, como o pânico e o
aparecimento de fake news. No entanto, ela traz a novidade da realização
de uma quarentena global, praticamente sendo feita, ao mesmo tempo, por
centenas de países.
“Não tem como a gente comparar [a atual pandemia]. É uma questão única
essa, de praticamente a gente ter parado o planeta todo por causa de uma
epidemia nova e todos os problemas que ela vai causar no sistema de
saúde e, basicamente, na economia. Não tem uma comparação, é um caso
único, de quarentena geral, de praticamente todos os países”, disse.
Peste Negra
De acordo com o pesquisador, apesar das diferenças, muito do que as
pessoas estão atualmente enfrentando, como o isolamento e a diminuição
do comércio, já foi vivido pelas gerações que passaram por pandemias
anteriores, como a Peste Negra ou Peste Bubônica, por exemplo.
“O comércio parava, porque as cidades próximas ficavam com medo da Peste
Bubônica chegar na cidade. Fechavam os portões da cidade, não tinha
trâmite comercial, a economia declinava naquela cidade. As pessoas
ficavam dentro de casa, praticamente isoladas, porque elas achavam,
naquela época, que uma das causas da epidemia eram os miasmas, que
seriam gases venenosos que saíam do solo ou mesmo das pessoas que
morriam”, disse.
A Peste Negra devastou a Europa entre 1347 e 1351, causando um número de
mortes superior a qualquer outra epidemia ou guerra até então. Houve
vários surtos graves da doença até 1400 no continente. Estudos indicam
que a praga, surgida na China, foi causada pela bactéria Yersinia
pestis, que infectava humanos por meio da pulga Xenopsylla cheopis, que
geralmente vive em ratos.
“As pessoas ficavam dentro de casa, isoladas, janelas fechadas, para os
ventos não trazerem os miasmas. Os cadáveres eram colocados na porta das
casas e os órgãos dos governos das cidades levavam em carroças,
enterravam em valas coletivas, era um verdadeiro caos”, disse Cunha.
A doença foi levada, por meio do transporte naval até os portos do Mar
Mediterrâneo, de onde se espalhou afetando a Itália, o norte da África,
Espanha, França, Áustria, Hungria, Suíça, Alemanha e Países Baixos. Em
seguida, a epidemia atingiu a Inglaterra, a Escócia, Escandinávia e os
países bálticos.
“Essa é a mais significativa epidemia porque em um curto espaço de
tempo, ela matou um terço de toda a população da Europa. Depois disso,
ficou eclodindo em algumas cidades até o século 18”, diz Cunha.
Gripe Espanhola
Segundo o pesquisador, sempre houve nessas grandes epidemias uma
característica básica que era o pânico. “A Gripe Espanhola de 1918
gerava pânico e hoje a gente vê que acaba a cloroquina nas farmácias,
acabam máscaras. Naquela época, acabavam nas mercearias a cachaça, o
alho e o limão, porque as pessoas acreditavam que eram substâncias que
preveniam a doença”, disse Cunha.
A epidemia de Gripe Espanhola, a partir de 1918, foi o surto de gripe
mais grave do século 20. Considerando a mortalidade causada pela doença,
foi uma das epidemias mais devastadora da história da humanidade. A
doença, que afetou praticamente todo o mundo, era transmitida de pessoa
para pessoa por meio de secreções respiratórias. A gripe foi causada por
um subtipo H1N1 do vírus Influenza, e resultou na morte de 25 a 50
milhões de pessoas.
Estudos indicam que a epidemia começou a ser registrada nos Estados
Unidos, no estado do Kansas. O primeiro surto ocorreu inicialmente em
março de 1918, durante a Primeira Guerra Mundial. Em julho, o vírus
atingiu a Polônia. A gripe era seguida, normalmente, de uma pneumonia,
que podia matar poucos dias depois do aparecimento dos sintomas da
gripe.
Como a Espanha foi neutra na Primeira Guerra Mundial, a imprensa local –
que não estava sob censura em razão do conflito – noticiava normalmente
as ocorrências relativas à pandemia no país. Nos demais países que
participavam do conflito, o tema era censurado nos jornais. Dessa forma,
ilusoriamente, a Espanha registrava maior número de casos da doença,
que acabou sendo batizada com o nome do país europeu.
No Brasil, a epidemia chegou em setembro de 1918, por meio do o navio
inglês Demerara, vindo de Lisboa. Dele, desembarcaram pessoas em Recife,
Salvador e Rio de Janeiro. Em pouco mais de duas semanas, além dessas
cidades, surgiram casos de gripe em outras localidades do Nordeste e em
São Paulo. Estima-se que, só no Rio de Janeiro, tenham morrido 14.348
pessoas. Em São Paulo, cerca de 2 mil pessoas morreram.
“No século 20, a gente teve a chegada da Gripe Espanhola no Brasil, uma
espécie de globalização da doença. Aqui acabou tendo um impacto muito
grande na economia e na mortalidade das grandes cidades brasileiras”,
disse Cunha.
Gripe Suína
Noventa anos depois da Gripe Espanhola, uma nova cepa do vírus H1N1
Influenza voltou a circular e causou nova pandemia. Originalmente, a
doença era chamada de gripe suína porque havia a suspeita de que o vírus
tivesse sido transmitido ao homem a partir de porcos. A doença começou a
ser registrada inicialmente no México e depois se espalhou pelos
Estados Unidos.
O surto de H1N1 de 2009 não foi tão mortal quanto a pandemia de 1918 a
1919. No entanto, o vírus era altamente contagioso e se espalhou
rapidamente, o que fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS)
emitisse um alerta de pandemia em abril de 2009. “A gente teve a
chegada de outra grande epidemia que foi a nossa gripe suína de 2009.
Ela acabou chegando aqui causando surpresa, que foi a mortalidade de
população jovem, e poupando os idosos”, disse Cunha.
UOL