Mulheres sofrem machismo e são minoria nas eleições cearenses, diz pesquisadora

 Ceará teve aumento de 1% nas candidaturas femininas, apontou especialista. — Foto: Reprodução/Rede Amazônica

A professora Carla Michele Quaresma, mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pontua que, nas eleições deste ano, houve aumento de cerca de 1% nas candidaturas de mulheres. A alta se deu no contexto em que o fundo eleitoral deve dirigir 30% das verbas para candidaturas femininas, que devem ser distribuídas proporcionalmente ao número de candidatas.

O aumento, porém, foi "tímido", principalmente ao se considerar os estímulos dados pelas novas regras de incentivo à participação feminina nas eleições 2022, de acordo com a professora, que se debruça sobre temas como marketing político, partidos políticos e financiamento de campanhas eleitorais. "Acreditava-se, por causa do recurso do fundo de campanhas eleitorais, que seria um contingente maior de mulheres, principalmente candidatas a deputada federal", refletiu.

Atualmente, o estado tem cinco representantes mulheres entre 46 parlamentares na Assembleia Legislativa do Ceará (Alce): Aderlânia Noronha (SD), Augusta Brito (PT), Dra. Silvana (PL), Érika Amorim (PSD) e Fernanda Pessoa (UB), atualmente licenciada, com Carlos Matos Lima como suplente.

Delas, Dra. Silvana e Érika Amorim tentarão a reeleição, enquanto Augusta Brito está como suplente de candidatura ao Senado e Fernanda Pessoa tentará uma vaga como deputada federal. Na Câmara dos Deputados, a única representante cearense é Luizianne Lins (PT).

"Ainda há, por parte de partidos políticos, uma dificuldade muito grande de utilizar os recursos de fundos partidários para fomentar que mulheres tenham participação e liderança na política, além da criação desses espaços, que as mulheres tenham possibilidade de viabilizar uma candidatura que seja exitosa", analisou a professora.

Ela situou que essa dificuldade, porém, perpassa toda a política desde muito tempo — a atividade é, historicamente, considerada essencialmente masculina.

Segundo a professora, a política nasceu direcionada a homens fortes e adultos, e as mulheres eram consideradas, na Antiguidade, como objetos. Depois houve o período medieval, em que não havia participação política.

"Quando foi retomada a demanda por participação política, já na construção de um projeto de modernidade, essa participação só foi efetivada para homens", explicou, pontuando que o modelo nasceu de forma muito excludente e depois se consolidou assim.

    "A política é muito associada a jogo, a disputa, a poder, e essas características são associadas social e culturalmente ao universo masculino. Em decorrência disso, ainda há essa dificuldade de entender que os espaços devem ser construídos de forma paritária, inclusive em torno do gênero".

Caso Izolda

Um dos casos mais recentes acerca da participação feminina na política do Ceará ocorreu com a atual governadora, Izolda Cela, que assumiu a gestão estadual após renúncia de Camilo Santana. Apesar de estar no controle do Executivo cearense, Izolda foi preterida pelo antigo partido, o PDT, que preferiu indicar Roberto Cláudio à candidatura para o cargo.

A professora argumenta que o ocorrido com a governadora se deu por questões de gênero, mas mais por parte do eleitor do que pelo partido, embasado em uma pesquisa feita com o eleitorado. Na perspectiva de Carla Michele Quaresma, a atuação da gestora traz traços muito femininos, os quais não são bem recebidos pelo público eleitor.

    "O eleitor olha pra Izolda e a associa — porque ela tem fortemente muitos elementos daquilo que é essencialmente feminino — como uma governadora fraca e sem expressividade", explicou. "É a mulher da fala mansa, que escuta, que trabalha em equipe, e isso é muito feminino. E o eleitor olha para isso e vê fraqueza".

Em razão disso, aponta a professora, o partido político foi "pragmático" nessa escolha eleitoral. "O partido pegou pesquisas que apontavam para candidatura mais exitosa do Roberto Cláudio [...] Foi uma decisão machista impulsionada pelo machismo do eleitor cearense."

Universo feminino


A professora lembrou, ainda, que a participação das mulheres na política ainda é muito associada a homens. "Geralmente essas mulheres que estão no campo da política ingressam a partir de um marido, um pai, um padrinho eleitoral", afirmou, ressaltando ainda ser muito difícil encontrar mulheres com trajetórias independentes, autônomas, nesse campo.

Quando isso ocorre, as representantes políticas geralmente advêm de segmentos considerados muito femininos. "Geralmente são enfermeiras, professoras, atividades muito femininas, então ainda há essa dificuldade grande de a mulher entender que tem esses espaços abertos para que haja participação".

Sem essas associações, ela aponta, segmentos de mulheres negras, indígenas e trans, por exemplo, encontram mais dificuldades de adentrar nesses espaços. "Ainda há uma incompreensão muito grande por parte dos partidos e da sociedade que é compreender um universo que é muito plural, que é, em muitos aspectos, sub-representado e, em outros, sequer há representação".

Possíveis transformações

Para Carla Michele Quaresma, essa cultura ainda precisa ser transformada, o que é possível tanto por meio da educação quanto por parte dos próprios partidos políticos. "Os partidos recebem dinheiro para isso; uma parte do fundo partidário deve ser destinada a esse fomento. Mas os partidos não conseguem isso", afirmou.

A professora apontou a necessidade de maior fiscalização para ampliar a participação feminina a partir desse âmbito, dado que os recursos partidários são públicos. Por isso, os partidos também devem atender à legislação brasileira vigente.

Além disso, outro mecanismo que deve ser observado seria a criação de cotas parlamentares, diferentes das da campanha. "Seriam cotas para garantir assentos. Tantos porcento de composição feminina, tantos porcento por negros, e outro avanço diz respeito a esses grupos sub-representados ou sem representação".

No entanto, tal ação ainda está no campo das propostas. "Já existem propostas das casas, projetos nesse sentido".

Melhorias sociais

A maior participação de mulheres na política, conforme a professora, possibilita que demandas específicas sejam discutidas e apresentadas, as quais podem ajudar em possíveis melhorias direcionadas a essa população.

Essas pautas, segundo ela, dificilmente seriam discutidas com parlamentos ocupados majoritariamente por homens, que, ou desconhecem o universo, ou não têm interesse nele. "Há aspectos que pertencem unicamente ao universo feminino, e esse aumento de representatividade garante que essas demandas cheguem às instâncias de poder e se revertam em políticas públicas".

Para garantir a representatividade, o pluralismo precisa estar presente no campo político. "A representação, no parlamento, se faz por demandas específicas. Tem a bancada da bala, a evangélica, a ruralista... O parlamento se forma a partir de demandas específicas da sociedade. Você escolhe um parlamentar para defender interesses específicos", destacou

 

(g1)

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