Após cura do filho, cearense anda mais de 240 km em devoção a São Francisco

 Imagem mostra o pai J. Mendes, que andou mais de 240 quilômetros para pagar promessa a São Francisco após cura do filho, sorridente na natureza com chapéu, camiseta branca e utensílios de camping, de roupa casual ao ar livre. Na outra foto, ele aparece usando camiseta cinza em ambiente doméstico, com penas e braços queimados do sol.

Seis dias, mais de 240 quilômetros e um testemunho de fé e devoção a São Francisco das Chagas. Para pagar uma promessa pela cura do filho mais velho de uma doença grave, o fotógrafo cearense José Antônio Mendes, de 51 anos, mais conhecido como J. Mendes, fez a pé o trajeto de ida e volta entre os municípios de Monsenhor Tabosa e Canindé. Parte do caminho ele percorreu sozinho.

Promessa feita pela vida do filho

Devoto do padroeiro canindeense, ele se apegou à fé e ao santo em 2009, quando o primeiro filho, à época com cerca de um ano de vida, foi diagnosticado com meningite — condição causada por diferentes agentes infecciosos e caracterizada pela inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. 

Na época, J. Mendes prometeu que, caso o primogênito se recuperasse, faria a caminhada entre as cidades como agradecimento. A graça foi concedida, e o menino ficou curado sem sequelas

Então, no fim de setembro deste ano, o fotógrafo decidiu que era o momento de cumprir a promessa, que se revelou como uma jornada transformadora, na qual superou o medo e o cansaço e encontrou a gratidão.

Cumpri a promessa me sentindo tão bem. Me orgulhei de fazer, assim, por que foi por uma causa tão justa, sabe? Que se fosse preciso, faria tudo de novo. A gente nem se cansa, só se orgulha de poder fazer."

Preparação para a caminhada

Imagem mostra, à esquerda, o pai cearense J. Mendes usando blusa clara e chapéu, e, à direita, outra imagem dele caminhando mais de 240 quilômetros para pagar promessa a São Francisco após cura de filho.

Legenda: O romeiro percorreu sozinho parte da jornada de agradecimento

Foto: Arquivo Pessoal

O plano para a trajetória começou com o reconhecimento do caminho há três anos, quando, pela primeira vez, ele acompanhou uma edição da tradicional Caminhada da Fé, procissão de romeiros que parte de Monsenhor Tabosa a Canindé no período da Festa de São Francisco das Chagas, que termina neste sábado (4), dia do santo.

Em 2025, J. Mendes seguiu novamente viagem com o grupo, mas com planos de voltar sozinho, já que os devotos realizam somente o trajeto de ida a pé, retornando com a ajuda de uma van.

Usando tênis simples, chapéu para se proteger do sol intenso do sertão cearense e bengala para facilitar o deslocamento nos 240 quilômetros, ele partiu de Monsenhor Tabosa na manhã de 24 de setembro. 

Rede de solidariedade na estrada

Realizando maior parte do trajeto à noite, os romeiros do cortejo tradicionalmente contam com o apoio de um veículo, que leva água e comida, e de diversas famílias, que os acolhem e oferecem abrigo e alimentação. 

Pensando no retorno sem o grupo, J. Mendes aproveitou as paradas nas casas dos voluntários da ida para formar uma rede de auxílio para a sua volta.  

"O pessoal brincava e dizia: 'você está com muita coragem, vai voltar até só'. Eu respondia: 'não, mas vai dar certo, se Deus quiser'."

Após três dias a pé, o fotógrafo e o grupo de devotos chegaram ao destino, na noite do dia 26. Acomodaram-se e dormiram. No dia seguinte, assistiram juntos à missa na Basílica de São Francisco das Chagas de Canindé, marcando o fim da jornada de alguns, mas a metade da de J. Mendes. 

A volta sozinho: fé, coragem e superação no sertão cearense

Agora, sem mais a ajuda do carro de apoio, e munido com uma pequena garrafa de água, duas mudas de roupas e uma sacola com frutas, o fotógrafo iniciou a parte mais desafiadora da caminhada: o percurso sozinho de volta a Monsenhor Tabosa.  

Até pensei 'vou voltar só, então tenho que levar alguma coisa', para caso precisasse me defender - porque tem uma parte do caminho que o pessoal diz que tem até onça, sabe? Mas na hora de pegar minha viagem, pensei: 'Quer saber? Meu compromisso é com Deus, não é nada de coisa ruim. Não vou levar nada, vou só mesmo'."

Diferente da ida, J. Mendes preferiu caminhar a maioria do trajeto sob o sol, apertando o passo para garantir que as noites fossem dormidas nas residências que anteriormente o acolheram com o grupo de romeiros.

Nas paradas, aproveitava ainda para tranquilizar a família e informar que estava bem. 

Apesar dos poucos suprimentos, não faltou fé e solidariedade no caminho de retorno para casa. Na estrada, ele foi surpreendido pela bondade de diversas pessoas, que mesmo sem o conhecer, ofereceram ajuda, suprimentos e até mesmo caronas — estas que foram educadamente negadas.   

O pessoal me alertou dizendo 'é muito perigoso', mas não vi ninguém que fizesse medo. As pessoas chegavam e me ofereciam ajuda, carona para pelo menos subir um alto de moto. [...] Perguntavam para onde eu ia e diziam que era muito longe, iam embora e, daqui a pouco, chegavam com uma garrafa de água gelada para mim: 'pegue, você deve tá com sede'."

'Onde houver dúvidas, que eu leve a fé'

Na tarde de 29 de setembro, sexto dia de viagem, J. Mendes pensou em fazer mais uma pausa para descansar, mas decidiu seguir a caminhada. Segundo ele, que é uma pessoa tímida, o intuito era chegar discretamente em casa ainda naquela noite, sem chamar atenção.

"Não tive um motivo para me assustar, ficar tenso. Cada vez ficava mais forte, ficava feliz. Até chorei no caminho, mas foi de alegria."

No entanto, o fotógrafo foi surpreendido com uma recepção calorosa por parte da população de Monsenhor Tabosa, que foi ao seu encontro na entrada do Município.

Ao som da "Oração de São Francisco de Assis", dezenas de pessoas, incluindo romeiros que participaram da Caminha da Fé, acompanharam os últimos passos de J. Mendes, que encerrou a jornada de fé e de agradecimento a São Francisco pela cura do filho em casa, no bairro Alto da Boa Vista. 

"Não tenho palavras para explicar, é só como se diz 'gratidão'. Porque é gratidão pela vida, pela família, pelos amigos, pela força que tive na viagem. Só Deus mesmo para dar aquela força! Por que assim, a gente anda tão bem, se sente tão bem, sente a presença de Deus, sabe? Então, só tem gratidão a Deus mesmo e a todos que estão a nossa volta."

DN

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